sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sobre o Sacrifício Animal nos rituais afro-brasileiros

Achei o texto interessante e bem escrito, por isso o reproduzo aqui neste espaço. 


Na história dos 512 anos do Brasil, 388 foram construídos com base no sistema escravocrata, que transformava negros em meras mercadorias. A religião foi um dos mecanismos que permitiu que esses homens e mulheres, que foram arrancados das suas terras e coisificados, mantivessem uma ligação com o seu continente de origem, a África. E foi justamente nos primeiros anos da colonização do país que começ
ou a busca incessante dos senhores de engenho, os escravocratas em criminalizar e demonizar toda e qualquer manifestação de matriz africana. Foi assim com a capoeira, com o maculelé e não seria diferente com o candomblé.
Para isso, foram disseminados vários conceitos equivocados a respeito da religiosidade e cultura dos negros. Esses equívocos permanecem até os dias de hoje. Quem já leu a Bíblia, o livro sagrado dos cristãos (católicos e protestantes) sabe muito bem que era natural o sacrifício de animais para saudar o Deus supremo. Desde a Grécia antiga se realizava esses rituais.
Esta na hora de extinguir definitivamente com a falta de respeito contra as religiões de matriz africana, e principalmente erradicar os conceitos preconceituosos e estereótipos relacionados ao candomblé. Neste sentido segue nosso desabafo:
No candomblé não sacrificamos seres humanos, pois não nos alimentamos desta carne.
No candomblé não sacrificamos gato, pois não nos alimentamos desta carne.
No candomblé não sacrificamos cachorro, pois não nos alimentamos desta carne.
No candomblé não sacrificamos cavalo, pois não nos alimentamos desta carne.
Resumindo... No candomblé e em tantas outras religiões espalhadas pelo mundo (sacrifício de animais também faz parte das culturas, como exemplo a judaica e islâmica). No candomblé entendemos que tudo é sagrado, a existência da vida deve ser respeitada desde a de um vegetal quanto a de um animal. O sacrifício é a retomada da ligação o Orixá, como no Judaísmo, o sacrifício é conhecido como Korban, palavra oriunda do hebreu karov, que significa "vir para perto de Deus".
Para as celebrações de nossos Orixás, que são regadas de banquetes compartilhados com a comunidade, somente são aceitas carnes que foram abatidas respeitando a vida e energia existente em cada animal e seu sofrimento sendo obrigatoriamente o mínimo o possível. Ofertamos aos nossos Deuses, os alimentos que ele nos proporciona em nosso cotidiano. Pode ser uma galinha, uma cabra, um bode. Animais que fazem parte da nossa ceia. E após ser sacrificado, tudo, exatamente tudo é aproveitado. A carne alimenta a comunidade, o couro fazemos os nossos instrumentos. O animal não morre em vão. A energia e essência de vida existente no animal é manipulada para beneficiar os adoradores de Orixá e esses rituais ainda são concluídos com cerimônias que visam justificar a necessidade humana de se alimentar da carne.




Leia mais sobre o sacerdócio no candomblé em Boiadeiro Rei

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

MP pede congelamento dos bens de Vagner Sales.


O Ministério Público Estadual entrou com uma medida cautelar pedindo a indisponibilidade de bens do atual prefeito de Cruzeiro do Sul, Vagner Sales. A ação movida pelo MP tem como objeto o suposto desvio de recursos da SUFRAMA para o asfaltamento do acesso à sua fazenda. A denúncia partiu do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cruzeiro do Sul e foi investigada conjuntamente pelo MP e pela Polícia Federal. Segundo a ação, o asfalto estava destinado inicialmente a beneficiar centenas de trabalhadores promovendo o asfaltamento apenas de trechos críticos do ramal do Canela Fina (Badejo) e da BR 307. A ação é movida pelo MP através do promotor de justiça Rodrigo Fontoura.
“Solicitando informações junto à SUFRAMA foi constatado que realmente o asfaltamento foi canalizado para o caneca fina, onde o sr. Vagner Sales possui a sua fazenda. O asfaltamento passou inicialmente de 954 metros para 3.800 metros.” Disse o promotor.
Segundo a promotoria há provas suficientes para a ação.
“Temos o levantamento da Policia Federal, que realizou o sobrevoo da sua fazenda, a perícia feita pela Polícia Civil e os documentos da SUFRAMA que comprovam que os recursos foram canalizados para beneficiar o acesso à sua fazenda.”, afirma Rodrigo Fontoura.
Nos vídeos feitos pela Polícia Federal que fazem parte do processo, vê-se um longo trecho asfaltado sem moradores, perpassando a propriedade de Vagner Sales dos dois lados da estrada. Ainda segundo a ação, os danos aos cofres públicos são da ordem de 670 mil reais. A ação visa congelar os bens do prefeito para uma futura ação de ressarcimento ao erário público.
A Defesa
Jonathan Donadoni, procurador do município afirma que a obra foi fiscalizada pela SUFRAMA e que no relatório final, aponta a conclusão da obra em 100% do previsto sem apontar quaisquer irregularidades.
Donadoni disse ainda que para a aquisição do convênio, foi encaminhado um documento da Eletroacre para atestar o número de famílias beneficiadas com o asfaltamento.
 “Antes mesmo de o convênio ser assinado, foi encaminhado um relatório da Eletroacre, apontando que 150 famílias seria beneficiadas com a obra.”, explica.
A ação foi distribuída para a 2ª Vara Cível da Comarca de Cruzeiro do Sul, cujo titular é o juiz de direito Clóvis de Souza Lodi.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Atrás das Linhas Inimigas

Naquele mesmo bom e velho estilo de desagradar a gregos e troianos (meu esporte favorito), faço esta postagem baseado no que vi e ouvi no comício de Vagner Sales.

O primeiro objeto desta postagem foi uma conversa com um presidente de bairro que por razões óbvias, preservarei a identidade.

Com o 15 colado no peito, ele diz:


- Minha ideologia tem mais a ver com o outro lado, o 43. Mas não tive espaço do lado de lá. Defendo projetos para o meu bairro que tem tudo a ver com o projeto da FPA. Mas nunca nos ouviram. Então Vagner propôs construir uma sede de associação para cada bairro e criar uma coordenação dos movimentos de bairros na prefeitura. Era tudo o que queríamos. Por isso fechamos com ele. Eu mesmo, nunca gostei de Vagner. Não gosto nem de olhar nos olhos dele. Mas a proposta era o que o movimento queria.  Do lado da FPA, não fomos ouvidos. Enquanto houverem certas pessoas que são o braço do governador aqui, o PT nunca vai ganhar. São pessoas que só servem para puxar o saco e não para resolver problemas. Trabalham só quando o governador chega e por isso tem que dizer para ele que sempre está tudo bem, por que se não está, a culpa é deles. No movimento de bairros ninguém gosta do Itamar. Ele não respeita as lideranças do movimento. É uma pena, mas é por isso que hoje eu sou 15.

- E você acha que o Vagner leva? Pergunto.

- Não sei. 80% das pessoas nos comícios dele são cabos eleitorais dos candidatos a vereador. No meu bairro ele está morto. Nas "beiradas" onde estão as famílias mais pobres ele domina. São famílias que vieram do interior e que sempre recebem algum parente que diz: "o Vagner foi lá em casa e pegou na minha mão, comeu no chão com a gente". Mas naquele miolo do bairro, é 43. O "Ruas do Povo" entrou rasgando e matou o Vagner.

***

Entre os mais de 100 vereadores que apoiam Vagner tem de tudo. Inclusive muita gente boa com propostas que podem vir a fazer a diferença na Câmara de Vereadores. E também gente com mais perfil de "esquerda" do que muitos dos que hoje se vestem de laranja.

Mas tem também proselistismo religioso "no balde". Apesar do "crente" ser o Henrique, ouvi muito mais "crentice" no comício do Vagner. Candidatos cujo único "mérito" é dizer que é "evangélico", como se isso fosse qualificação para exercer cargo público. Teve um recém-convertido que disse que tem "muitos projetos para "ajundá" as igrejas evangélicas". Que Deus em sua infinita misericórdia nos livre de tamanha aberração.
Uma pena que até agora não tenha surgido nenhum político com coragem de dizer "vote em mim, porque eu sou macumbeiro". Se tivesse, ganharia meu voto pela honestidade.

***

É claro que estamos em meio a uma campanha política acirrada e a troca de acusações é pauta nas duas coligações e devo dizer que muitas das acusações que partem do azul, tem lá sua procedência e deveriam ser utilizadas para que se melhore o discurso e as práticas políticas do laranja.

Isso, não se aplica contudo, ao discurso de Antônia Sales. Com todo respeito à "mãe dos pobres ucayalina", mas o seu discurso é a pior coisa que já ouvi na política em toda minha vida o que inclui o "estupra mas não mata" de Paulo Maluf e do "fí-lo porque quí-lo" de Jânio Quadros além é claro do clássico "Não me deixem só" de Collor de Melo, que aliás também recorria à magia negra.

Entre o festival de mentiras ditas pela deputada selecionei as seguintes pérolas:

"Se o Henrique se eleger, eles vão pegar as máquinas que Vagner com tanto esforço conseguiu para Cruzeiro do Sul e levar tudo para Rio Branco".   

"Eles disseram que vão fechar a casa do povo, mas nunca vão me impedir de ajudar as pessoas pobres. Eu só não to ajudando agora, porque a justiça eleitoral não deixa."

O discurso de Antonia Sales merecia ser estudado e a partir dele, elaborar-se um programa de governo para que em pelo menos uma década estas estultices não fossem mais críveis. Só mesmo um baixíssimo nível de educação da população e um altíssimo nível de carências das mais variadas naturezas para explicar tal fenômeno. Como brasileiro me sinto envergonhado em saber que o estado, na pessoa de uma parlamentar (ou seria "paralamentar"?) investida pelo voto popular promove um espetáculo desta natureza, justamente contra tudo que o estado deveria promover. É como se os deveres do estado de promover saúde, educação e cidadania fossem não deveres, mas favores pessoais, fruto de alguma inexplicável angelical e franciscana "bondade".

Bem apesar de tudo, foi reconfortante perceber que os mirrados aplausos à deputada não passaram de ovações burocráticas e sonolentas. Ufa!

***

O mesmo não pode ser dito de Vagner Sales. Vagner conseguiu sim magnetizar a platéia. Seu discurso, ao conmtrario de seu oponente, permanece afinado com os anseios de parte considerável da população. Apesar nos naturais ataques aos adversários, Vagner não se deixou dominar pelo discurso do ódio, que tornou-o famoso em outros pleitos. Seu discurso tem uma boa dose de ironia e sarcasmo, além de uma confiança inabalável que contagia fácil.
Merecia ser estudado também pelos seus oponentes, se pretendem de verdade um dia governar Cruzeiro do Sul.

A história do "ecoturismo" e do "parque nacional" foi rapidamente revertido contra Henrique Afonso. Do alto do carro de som, pude ver os olhos brilhando quando Vagner criticou duramente as leis ambientais que, segundo ele, são o motivo das mazelas do homem do campo. Um sentimento que ainda perpassa gerações e que ainda encontra eco no fundo de muitos corações e que se o atual grupo político deseja de verdade transformar, terá de se transformar por dentro, para alcançar a mesma sinceridade daqueles olhos que hoje eu vi brilhar.  

 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Proprietário de terra não permite passagem de máquinas e moradores ficam sem Ruas do Povo


Proprietário de terra não permite passagem de máquinas e moradores ficam sem Ruas do Povo

Na rua Newton Prado, no bairro do Saboeiro, moradores realizaram um protesto contra o empresário Mário Correia, que em tese seria o proprietário do terreno que seria beneficiado pelo programa.
Quando as máquinas do programa chegaram no local que beneficiaria pelo menos 400 estudantes, o empresário impediu que as mesmas continuassem o serviço.
Com isso, o governo recuou e retirou as máquinas do local, o que motivou os protestos dos moradores. O empresário Válber Said Maia, proprietário de uma olaria no mesmo local explicou a situação da rua.
“Este mesmo empresário retirou barro para sua olaria no local onde seria o traçado original da rua. Sem outra alternativa, os moradores criaram esta passagem que hoje tem energia elétrica e água encanada. Ele não pode impedir a passagem e o asfalto somente iria beneficiar os moradores que hoje,  são obrigados a usar sacolas nos pés no verão. Já houve acidentes sérios aqui. Um estudante caiu e teve traumatismo craniano.”
Procuramos o coordenador do programa Ruas do povo em Cruzeiro do sul, Gontran Neto que esclareceu.
“O empresário quer que asfaltemos o traçado original da rua, que hoje está cercado. Deste modo iríamos beneficiar o seu terreno, mas não os moradores.”
Caso o governo realizasse a vontade do empresário, os moradores que hoje ficariam nos fundos dos terrenos do empresário que seriam valorizados pela obra.
“Estamos pensando uma solução. O diretor-geral do programa Ruas do Povo está chegando para tentar resolver o problema.” Explicou Gontran Neto.
Ainda que a obra seja do estado, a autoridade sobre as ruas pertence ao município.
O procurador-geral do município Jonathan Donadoni explicou que neste caso não caberia indenização ao empresário, uma vez que não há benfeitoria.
O município possui autoridade constitucional para determinar a desapropriação, uma vez que o traçado original foi ocupado pelo empresário.
Os moradores também procuraram o ministério público para tentar uma solução ao problema.
A ocupação irregular de terrenos e ruas tem sido um problema constante para os programas de abertura e asfaltamento tanto do município quanto do estado. E na maioria dos casos depende de bom-senso e negociação para a conclusão das obras. Nesta semana uma frente de trabalho da prefeitura foi levada até a rua Absolon Moreira, no bairro do Cruzeireinho, após a negociação com os moradores que haviam construído suas casas no traçado da rua. “Pagamos uma indenização, desmontamos as casas e ajudamos no transporte”, afirmou Cunha, chefe de campo da prefeitura.

* Foto: Onofre Brito/Assecom

sábado, 15 de setembro de 2012

Sobre o Debate: Na frente e por trás da Câmeras

As especulações sobre quem possa ter vencido o debate são vazias. Cada torcida declara o seu candidato,  vencedor. Mas inequivocamente houveram sim, vencedores.

Em primeiro, certamente o público. Um debate televisionado como este alçou a política cruzeirense a um degrau acima.
Vitória também, é claro, do Sistema Juruá de Comunicação. Uma óbvia vitória técnica por um lado e outra não tão óbvia vitória que é da linha editorial adotada da empresa que procurou garantir igualdade de oportunidades para ambos os candidatos.
Certamente, uma vitória pessoal  também de Nelson Liano Jr. Artífice e cabeça do processo que culminou com o debate nas telas, Nelson saiu-se bem no papel de moderador, produzindo o mínimo de intervenção necessária.

Mas a maior dificuldade veio antes do debate: não é fácil ter jogo de cintura para colocar na mesma arena dois adversários, principalmente quando não existe esta cultura na democracia de Cruzeiro do Sul.

Profissionalmente, meu papel foi produzir questionamentos que pudessem ser relevantes no processo eleitoral. Optei pela questão do plano diretor, pois se já o tivéssemos aprovado, não sobraria muito espaço para politicagem de varejo, como por exemplo na questão do asfalto cujo andamento de trabalho segue simplesmente a lógica demagógica da quantidade de votos, e não o planejamento de crescimento da malha urbana da cidade. E nisso, ambos os lados pecam.

Pessoalmente tiro minhas próprias conclusões, e é bom que se deixe claro que as posições assumidas no blog Terranáuas refletem opinião pessoal e não meu trabalho de jornalista.

Na minha opinião, Vagner Sales levou vantagem do início até aproximadamente a metade do debate.
Sua linguagem mais popular, mais presente e mais pé-no-chão tem mais alcance eleitoral, mais penetração no público, mais fácil de ser assimilada. O domínio sobre as ações da prefeitura sob sua gestão também lhe conferiram vantagem.

Henrique por outro lado, durante a apresentação das propostas pareceu-me um tanto quanto vago, idealista e sonhador demais, não para mim, mas para o conjunto majoritário do eleitorado cruzeirense. Pessoalmente acredito que o caminho adotado por Henrique, de fazer de Cruzeiro do Sul uma referência nacional e até mundial, pelas suas potencialidades humanas e biológicas, através do ecoturismo e da produção diferenciada, não é apenas o melhor caminho, como o único possível para que Cruzeiro do Sul cumpra o seu destino, seu propósito existencial, por assim dizer, de capital florestal do Alto Juruá.
No entanto, pelo andar nas ruas, nota-se que o eleitorado ainda não está maduro  e para esta imensa maioria, as propostas parecerão devaneios pueris. Raramente o ribeirinho, ou o morador desempregado das periferias irá estabelecer uma relação entre o "ecoturismo" e uma possibilidade real e concreta de melhora de vida para sua família. Para estes só vendo para crer, e as vezes mesmo vendo ainda não se crê.

Vagner também se saiu melhor ao responder as críticas de Henrique sobre aspectos de sua gestão. Municiados de números das ações de sua equipe, Vagner tinha quase sempre uma resposta na ponta da língua, embasando a idéia (falsa ou não) de que Henrique de fato não vive tão intensamente o dia-a-dia de Cruzeiro do Sul.

Talvez por este desconhecimento, Henrique perdeu diversas oportunidades de uma investida mais incisiva em Vagner, como por exemplo na questão dos Postos de Saúde. O fato de estarem sendo construídos diversos postos, não explica por exemplo, o funcionamento precário dos que já existem e muito menos como se farão funcionar os novos postos. Mas a oportunidade escapou entre os dedos do desafiante.



O debate contudo, pendeu a favor de Henrique quando o assunto passou a ser os supostos desvios de recursos da gestão de Sales e os processos de improbidade administrativa a qual responde na justiça. Vagner ficou visivelmente alterado culminando com os segundos de silêncio que se seguiram a partir da pergunta de Henrique  sobre o "Ficha Limpa". O extremo nervosismo de Sales resultou no pedido de
retirada de Chico Melo dos estúdios. Segundo Vagner, este o estaria "atrapalhando". Francamente, de onde estava, vi apenas que Chico Melo havia levantado um papel na direção de Henrique, mas é provável que tenha feito alguma "cara estranha" ao ver a palidez de Vagner. Todos nós fizemos. A pergunta de Henrique foi um legítimo tiro à queima-roupa.  

Por duas vezes Vagner mais uma vez quis usar o fato de que Henrique tenha vendido sua casa própria e que não tenha declarado sua nova casa.

Henrique não quis explicar o motivo da venda de sau casa própria, pois correria o risco de parecer piegas e sensacionalista. Henrique não pode falar mas eu posso: ele vendeu sua casa para custear o tratamento de um de seus filhos adotivos, que sofre de uma forma particularmente virulenta e incurável de câncer no sistema linfático.

O tiro também saiu pela culatra quando Vagner chamou Henrique de mentiroso por não ter declarado sua casa própria, recentemente comprada. pela legislação ele só é obrigado a declarar a partir do próximo ano.

"- Se quiser entrar na justiça, entre, vai perder o seu tempo!" Fuzilou Henrique.

Um outro ponto favorável à Henrique foram a questão das emendas. Vagner tentou colar a ideia de que somente contam como recursos para Cruzeiro do Sul, aqueles que passam pelas suas mãos através da prefeitura. Henrique respondeu à altura, mas poderia ter sido mais claro para o eleitorado.

Em geral, acredito que o debate serviu para que a população conhecesse melhor os candidatos. No entanto, como um eleitor indeciso, na minha opinião Henrique não me convenceu de que possa ser um melhor administrador do que Vagner, exceto por um aspecto: a mal-versação de recurso público. Vagner pelo seu turno, também não convence de que seu segundo mandato possa ser melhor que o primeiro. Na verdade tende a ser pior, com o foco voltado exclusivamente para a eleição de Antônia Sales e sua própria possível eleição para Dep. Federal, outro ponto que Henrique não soube explorar.

O "Lunático" X O "Macumbeiro" 

Do lado de fora, a oportuna presença da PM evitou que o acirramento das tensões entre os partidários pudessem partir para o campo físico, mas não impediu, obviamente a troca de impropérios entre as torcidas.

A torcida do azul, por exemplo, chamou Henrique de "doido", "lunático" e "aluado".

A acusação de lunático partiu de um ex-assessor e ex-aliado de Henrique, Marcos Neto. Evangélico e Ufólogo (não acreditava que era possível ser as duas coisas) ele deve conhcer bem do assunto. Afinal quem se dedica a estudar Objetos Voadores Não-Identificados deve de fato ser capaz de identificar se um sujeito é proveninete da Lua, Marte, Vênus ou quem sabe, do cinturão de asteróides. 

Por outro lado, o time de laranja lançou contra Vagner as acusações de "ficha suja" e "macumbeiro".


Não entendi porque os laranjas estavam gritando "fora macumbeiro" e perguntei a um dos partidários, o porque da acusação.

-"É porque o pai de Antônia Sales era o maior macumbeiro!"

- "Puxa, essa eu não sabia." Disse.

A palavra "macumbeiro" é um termo perjorativo que inclui centenas de práticas mágico-divinatórias e curativas com as mais diferentes finalidades e intensidades. É um termo impreciso e carregado de preconceito que deveria ser abolido do mesmo modo que os "crentes" conseguiram substituir pela expressão    "evangélico", por moldar-se mais às suas necessidades de identidade social.

Desconheço qual tipo de "macumba" possa ter feito o pai de Antônia Sales, mas uma coisa é certa: a magia ucayalina merce respeito. Em Pucalpa não tem político, artista ou empresário que se preze que não tenha o seu "brujo". Faz parte da rica cultura selvática e o que o povo do Tawantinsuyu  faz desde antes dos primeiros cristãos pisarem nestas bandas, deveria ser alvo de respeito e não de deboche. No Peru há um ditado que eu gosto muito "O peruano não acredita em magia, ele a faz".

Merece respeito também porque se o 'brujo" fez algum trabalho para ajudar Vagner e Antônia Sales, aparentemente está dando certo.

Se Vagner fosse capaz de declarar publicamente que é um adepto de 'brujeria", eu talvez fosse até capaz de votar no 15. Algo que certamente ele não o fará, pois o meu voto não é mais importante do que o de milhares de "crentes" que abominam tudo aquilo que desconhecem. Vitória da hipocrisia, uma vez mais.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Onde o Vento faz a Curva IV - Ovelhas Radicais


"Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor
Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera
Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão
Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão

Dá-me a flauta e canta!
O canto é o pasto das mentes, e o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor"


Gibran Khalil Gibran



Ovelhas Radicais

Korou- Há já fora uma linda lua florestal. Virgem, intocada a não ser pelos nativos caçadores nauábos que durante milênios conviveram com sua fauna e flora exóticas. Isto até a chegada dos primeiros jandaianianos em busca das árvores-de-leite e que abriram os seus roçados para plantio de milho e mandioca em uma escala crescente. Em seguida vieram os sulistas. Piratininguanos, quaritubanos, pampeiros e também os luzianos, anaguases, anapolitanos, que apesar de não serem sulistas, também assim foram chamados. Trouxeram os primeiros rebanhos de bois, ovelhas e búfalos nas partes alagadas da lua. A maioria desta segunda leva, deixou a lua depois de terem experimentado as terríveis febres-da-lua, provocadas por insetos. Por esta razão foram chamados de sangue-fraco pelos jandaianianos que suportaram bem o clima da lua. Os sulistas de sangue-fraco deixaram a lua, mas seus rebanhos permaneceram e foram adotados pelos jandaianianos. Depois que as árvores-de-leite perderam o seu valor, a população da lua, abandonada à própria sorte, converteu-se em uma malta ainda mais selvagem do que os primeiros habitantes que passaram a destruir as florestas nativas a fim de formarem pastos para os rebanhos, agora sua única fonte de sobrevivência. Sem a vegetação nativa, os pastos antigos converteram-se em mangues e lamaçais fétidos até que muito pouco sobrou do antigo modo de vida da lua. Restavam ainda algumas matas no lado ocidental da lua, mas do lado oriental, uma única gigantesca árvore permanecia de pé e ao redor dela se agrupavam as dezenas de povos nativos. Era chamada de Pedestal-do-Céu devido a sua altura quilométrica. Suas raízes desciam em alas e forneciam abrigo ao vento ao passo que os galhos e folhas da árvore forneciam sombras refrescantes em meio ao sol escaldante da lua. De seu tronco corria uma água doce, saborosa e com poderes medicinais, um alento à água salobra da lua. Milhares de pessoas vinham todos os anos, de diferentes partes da galáxia para se tratarem com a água de Pedestal-do-Céu.


Por esta razão havia uma centenas de curandeiros, alguns poucos verdadeiros e outra dúzia de charlatães que se punham a atender os pacientes que chegavam a Pedestal.

Havia diferentes caminhos para se chegar a Pedestal. O mais usual era através do rio, mas optei por caminhar através das matas ciliares, um cipoal emaranhado que fora abandonado por ser imprestável a qualquer rebanho. Esperava que a rota me mantivesse longe dos Ovelhas Radicais, um grupo religioso que odiava as velhas tradições da lua e que costumava abordar os viajantes em busca de cura e ameaçá-los para que se convertessem.

Os Ovelhas Radicais não poderiam usar a violência, o que era proibido pelos seus costumes, mas tinham métodos muito mais eficazes. Eles podiam através de um encantamento alcançar o vale das sombras e evocar os pesadelos- vivos e a partir de suas visões aterradoras persuadir os viajantes a uma conversão.

Em silêncio Ata Ïsis seguia atrás de mim. Percebendo minha irritação pelo episódio do comunicador, ela evitava dizer qualquer palavra.

Enquanto caminhávamos pelo cipoal, percebi que éramos seguidos. Caminhei por cerca de uma hora fingindo não percebê-los. Quando finalmente chegamos a uma pequena área aberta, sinalizei a Ata Ïsis para que parasse.

Não demorou nada para que nossos perseguidores se revelassem. Os Ovelhas Radicais traziam o estandarte da estrela de seis pontas.
- Ordeno que parem nome de Nosso Senhor Deus, o Grande Pastor do Universo!
- Por que devo obedecer, Ovelha, se muito antes de seus Deus Pastor chegar, o Meu já andava  nestas matas?
- Blasfêmia! baliram as ovelhas
- Você está preso em nome do Deus Pastor, você e esta prostituta que o acompanha!
- Ela não é nenhuma prostituta! É minha irmã mais nova. Viemos em busca de cura.
 - Pagãos! Só Deus pode curar! Não os seus bruxos e demônios bebedores de “água-imunda”. Pedestal está amaldiçoada. Tombaremos ela e faremos um grande altar ao Deus-Pastor, onde todos poderão adorá-lo. Até mesmo você, depois que se converter ao Deus-Pastor e se tornar mais uma ovelha de seu rebanho.
- Não perca o seu tempo, Ovelha, não ando em rebanhos e tampouco preciso de altares. O que eu adoro já vive em meu sangue! Respondi
- Blasfêmia, bruxaria, paganismo! Só o Grande Deus merece ser adorado.
- Blasfêmia é o que vocês estão fazendo com estas matas. Muito antes de seu Deus Pastor chegar aqui com seus rebanhos, o Meu Deus Caçador já caçava nestas matas, os rebanhos que ele mesmo criou, se alimentando do fruto das árvores que ele mesmo plantou. Olhe a sua volta. Veja a infinidade de pássaros e de animais que se alimentam das árvores que vocês destroem em nome de seu Deus. Eu digo, meu Deus é mais capaz do que o seu. Enquanto o seu transforma em deserto estéril as pastagens com o número cada vez maior de ovelhas, o meu cultiva o equilíbrio megadiverso não apenas desta lua, mas de todas as galáxias.
- Só existe Um Criador de tudo!
- Sim, sem dúvida, mas a mente limitada de suas ovelhas, não consegue ver além dos seus pastos e balidos. 

Olhe à sua volta, há muito mais aqui para ser aprendido e conhecido. Estamos em um imenso templo de poder, conhecimento e cura. Mas para vocês, ovelhas ele está somente naqueles seus templos de gosto duvidoso? Um Deus de bom gosto viveria na beleza que ele mesmo criou, não acha ?
- Sem argumentos, os Ovelhas passaram a balir furiosa e desconexamente repetindo as acusações de blasfêmia e heresia.

Ata Ïsis protegia-se atrás de mim, com medo e tremeu-se toda neste momento, enquanto os ovelhas baliam ameaçadoramente. Sabia que não nos matariam e não desejava uma interminável discussão teológica com aqueles imbecis. Sabia qual seria o nosso destino e imaginei que quanto antes nos levassem, mais rápido me livraria daquele torturante e estéril debate.
- Vale das Sombras! Vale das Sombras! Gritaram
- Você verá pagão, no vale das sombras que seus deuses pagãos não passam de demônios disfarçados.  E então diante da verdade poderá abraçar a nova vida.

O Vale das Sombras

Os Ovelhas fizeram um círculo ao nosso redor e de mãos dadas passaram a entoar cânticos na sua língua do deserto.
Senti um tremendo peso em minhas costas, em meu corpo e adormeci. Despertei no Vale das Sombras. Ata Ïsis ao meu lado permanecia dormindo, mas os ovelhas estavam todos despertos e baliam ferozmente.
- Veja, pagão veja com seus próprios olhos o castigo que o espera pela eternidade.
- Olhei e vi centenas, ou talvez milhares de corpos putrefatos que se moviam um por cima dos outros, ao longo de centenas de quilômetros em um extenso vale. Eles gemiam e choravam, estendendo suas mãos em carne viva para nós que passávamos entre eles.
Malditos. Pensei. São tão hábeis em manipular as sombras em pesadelos-vivos. Será que se soubessem que poderiam das mesmas sombras tirar vida, luz e encanto continuariam a criar monstros e deformidades?
Enquanto meditava sobre a fraqueza da necessidade humana ao sofrimento, Ata Ïsis começou a despertar. Antes que abrisse totalmente os olhos, disse-lhe em seus ouvidos:
-Tudo que verá aqui é apenas um sonho. Um sonho ruim. Tente não se assustar. Eu estou com você. Logo vamos acordar e sentir a brisa suave da manhã.
Temia pelo pior. se Ata Ïsis gritasse ou corresse poderia acordar e levar consigo um pesadelo para a sua vida desperta.
Para minha total surpresa. Ata Ïsis permaneceu serena, ao que parece divertindo-se com que imaginava fosse apenas mais um filme de terror. Isso pareceu incomodar aos ovelhas, que passaram a engendrar pesadelos cada vez mais terríveis. Sua capacidade era tanta que não apenas tripas e órgãos ensangüentados eram vistos em abundância, ao lado dos mais inimagináveis instrumentos de tortura. O mais difícil para mim eram as imagens de inocentes crianças sendo torturadas das mais diferentes formas possíveis. Não havia limites para a crueldade em suas mentes.
- E então, pagão, é isto o que você deseja para a eternidade?
- Cantemos então uma ode de louvor ao medo e às boas intenções que ele traz!
- Aceite o Deus Pastor e ele lhe conduzirá pelos campos verdejantes e iluminados do além.
- Agradeço a preocupação com a minha alma, mas eu prefiro passar a eternidade em bosques sombreados.
- Você não se cansa pagão. O que mais terei de mostrar para que você se convença da verdade. Gostaria de ver como sofrem neste vale seus preciosos ancestrais?
- Não perca seu tempo, erga os olhos e veja quem está ali acima de toda a dor e sofrimento, sentado naquele trono .
 O Ovelha então levantou o olhar e viu que erguia-se acima de todo sangue e podridão um magnífico trono de pedra.
 - Vamos ovelha, erga seus olhos e veja quem está sentado no trono.
O Ovelha ergueu seus olhos e não conseguiu esconder a sua surpresa. Seus seguidores caíram aos chãos pedindo misericórdia e Ata Ïsis, achando se tratar apenas de um sonho exótico, olhou alternadamente para mim e para aquele que estava sentado no trono. 
- Maldito seja!Você não é apenas um pagão. Você é o próprio demônio!   
Ele não era o único capaz de manipular as sombras.



                           

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

sábado, 8 de setembro de 2012

Diálogos Impertinentes

Três indivíduos conversavam na mesa ao lado. Para preservar suas identidades os chamarei de senhores A,B e C.

A: - Temos uma pesquisa fresquinha: Henrique está na frente!
B: - Eu não acredito. Não é o que vejo nas ruas.
C: - Eu também não.
A:  -Vou dizer uma coisa: tem gente que diz que é Vagner, mas na hora não vota nele.
C: - Eu vi isso na reeleição do Aluísio, em 2000. Tinha gente que ia votar com a camisa dele, mas votava no César. Ninguém acreditava que ele ia perder. Mas ele perdeu.Será que vai ser do mesmo jeito?
B: - Eu vou dizer uma coisa: Henrique não leva, e sabe por que? Por que o eleitorado de Cruzeiro do Sul é conservador e fisiologista. Igualzinho ao Vagner, por isso se identifica com ele.
A: - Sim, você está certo. Mas eu te digo porque que acho que o Vagner não leva: porque o eleitorado cruzeirense é conservador e fisiologista como você disse, mas também é vingativo, e sorrateiro. Ninguém esquece das coisas que o Vagner falou. Só fingem que esquecem.
B: - E o que ele falou de tão grave?
A: - Na BR 307 ele disse para um senhor que ia asfaltar o ramal com "gala". Em outra comunidade reclamaram da falta de água e ele disse que ia enfiar a água no c... até sair pela boca.
B: - Eu não acredito que ele tenha falado isso.
C: - Eu também não. Mas teve aquela história no Miritizal que ele mandou o pessoal enfiar o voto no c... E aquela outra que falou dos agentes de saúde quando eles cobraram o que era previsto em lei. Mandou eles trabalharem de peões na fazenda...
B: - É pode até ser. Mas se o Henrique ganhar, não foi ele que ganhou. Foi o Vagner que perdeu. Henrique não convence.E com quem eu converso, todos acham que o Vagner vai ganhar. Quer ver. Vamos fazer uma aposta. Chama aquela garçonete ali.
B pergunta à garçonete, enquanto ela recolhe os pratos da mesa: - Quem a senhora acha que vai ganhar?
Garçonete: -Eu acho que o Vagner vai ganhar. Eu vou votar no Henrique. Mas acho que o Vagner vai ganhar.
A: - E onde a senhora mora? Como está?
Garçonete: - Lá é Henrique. Mas e os outros lugares? O Vagner leva.
C: - Zona rural é 23% do eleitorado. Não é capaz, por si só de eleger ninguém. Isso é mito.
B: - É...muita gente responde como ela: " Vou votar no Henrique, mas acho que o Vagner leva"... Não sei não. Não está fácil para ninguém. Difícil de prever. E as pessoas as vezes escondem o que pensam... Para se preservar. Só sei de uma coisa: cada povo tem o governante que merece.
A: - Verdade
C: - Verdade

 
  

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Exu não pode?

Professora é proibida de utilizar livro "Lendas de Exu" em sala de aula. Repesentantes das religiões de matriz africana ensinam que a associação do Orixá Exú ao demônio cristão é uma criação posterior e não corresponde aos ensinamentos do culto ao Orixás. Professora universitária vê racismo e preconceito na escola.  
 
STELA GUEDES CAPUTO

Recentemente, um jornal carioca destacou o caso da professora proibida de usar o livro "Lendas de Exu" em uma escola municipal. A professora é umbandista e a diretora da escola é evangélica. É cada vez mais comum que professores e alunos de candomblé ou umbanda sejam discriminados nas escolas. A pergunta é: por que Jesus pode estar em um livro para o ensino religioso católico, destinado à rede pública, e Exu não pode? Exu não entra na escola porque este país é racista, e o racismo está presente na escola. Acredito também que atravessamos uma fase de avanço conservador na educação pública. A manutenção da oferta do ensino religioso na Constituição de 88, a aprovação deste como confessional no Rio, os livros didáticos católicos, a Concordata Brasil-Vaticano, são vitórias silenciosas que ampliam e legitimam as circunstâncias necessárias para discriminações como essa.
A mãe-de-santo Beata de Yemanjá diz: "Pensam que o Brasil é uma coisa só e nos discriminam. Isso é racismo." Para o pesquisador Antônio Sérgio Guimarães, o racismo brasileiro é heterofóbico, a negação absoluta das diferenças implicando um ideal, explícito ou não, de homogeneidade (ou uma coisa só, como diz Beata).
Quando uma escola proíbe um livro de lendas africanas ela discrimina culturas afrodescendentes. Exu é negro. Um poderoso e imenso orixá negro. É o orixá mais próximo dos seres humanos porque representa a vontade, o desejo, a sexualidade, a dúvida. Por que esses sentimentos não são bem-vindos na escola? Porque a Igreja católica tratou de associá-lo ao seu diabo e muitas escolas incorporam essa lógica conservadora, moralista e racista. O Exu proibido afirma que este país tem negros com diferentes culturas que, se entendidas como modos de vida, podem incluir diferentes modos de ver, crer, não crer, sentir, entender e explicar a vida. Positivo foi que muitos professores e professoras criticaram o ocorrido, o que mostra que também a escola não é "uma coisa só". É nas suas tensões cotidianas que devemos lutar contra o racismo.
As culturas com suas religiões fazem parte do ensino de História da África. Como é que vai ser? Pais e professores arrancarão as páginas desses livros? Ou eles já serão confeccionados mutilados pelo racismo? Respondo com a saudação ao orixá excluído da escola: Laro oyê Exu! Para que ele traga mais confusão e com ela, o movimento, a comunicação, a transformação onde reina.

Stela Guedes Caputo é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Texto publicado no Globo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

De repente, classe C


Leandro Machado
Sou ex-pobre. Todos querem me vender geladeira agora. O trem ainda quebra todo dia, o bairro alaga. Mas na TV até trocaram um jornalista para me agradar
Eu me considerava um rapaz razoavelmente feliz até descobrir que não sou mais pobre e que agora faço parte da classe C.
Com a informação, percebi aos poucos que eu e minha nova classe somos as celebridades do momento. Todo mundo fala de nós e, claro, quer nos atingir de alguma forma.
Há empresas, publicações, planos de marketing e institutos de pesquisa exclusivamente dedicados a investigar as minhas preferências: se gosto de azul ou vermelho, batata ou tomate e se meus filmes favoritos são do Van Damme ou do Steven Seagal.
(Aliás, filmes dublados, por favor! Afinal, eu, como todos os membros da classe C, aparentemente tenho sérias dificuldades para ler com rapidez essas malditas legendas.)
A televisão também estudou minha nova classe e, por isso, mudou seus planos: além do aumento dos programas que relatam crimes bizarros (supostamente gosto disso), as telenovelas agora têm empregadas domésticas como protagonistas, cabeleireiras como musas e até mesmo personagens ricos que moram em bairros mais ou menos como o meu.
A diferença é que nesses bairros, os da novela, não há ônibus que demoram duas horas para passar nem buracos na rua.
Um telejornal famoso até trocou seu antigo apresentador, um homem fino e especialista em vinhos, por um âncora, digamos, mais povão, do tipo que fala alto e gosta de samba. Um sujeito mais parecido comigo, talvez. Deve estar lá para chamar a minha atenção com mais facilidade.
As empresas viram a luz em cima da minha cabeça e decidiram que minha classe é seu novo alvo de consumo. Antes, quando eu era pobre, de certo modo não existia para elas. Quer dizer, talvez existisse, mas não tinha nome nem capital razoável.
De modo que agora elas querem me vender carros, geladeiras de inox, engenhocas eletrônicas, planos de saúde e TV por assinatura. Tudo em parcelas a perder de vista e com redução do IPI.
E as universidades privadas, então, pipocam por São Paulo. Os cursos custam R$ 200 reais ao mês, e isso se eu não quiser pagar menos, estudando à distância.
Assim como toda pasta de dente é a mais recomendada entre os dentistas, essas universidades estão sempre entre as mais indicadas pelo Ministério da Educação, como elas mesmas alardeiam. Se é verdade ou não, quem pode saber?
E se eu não acreditar na educação privada, posso tentar uma universidade pública, evidentemente. Foi o que fiz: passei numa federal, fiz a matrícula e agora estou em greve porque o campus cai aos pedaços. Não tenho nem sala de aula.
Não que eu não esteja feliz com meu novo status de consumidor, não deve ser isso. (Agora mesmo escrevo em um notebook, minha TV tem cem canais de esporte e minha mãe prepara a comida num fogão novo; se isso não for felicidade, do que se trata, então?)
O problema é que me esforço, juro, mas o ceticismo ainda é minha perdição: levo 2h30 para chegar ao trabalho porque o trem quebra todos os dias, meu plano de saúde não cobre minha doença no intestino e morro de medo das enchentes do bairro.
Ou seja, ao mesmo tempo em que todos querem me atingir por meu razoável poder de consumo, passo por perrengues do século passado. Eu e mais de 30 milhões de pessoas -não somos pobres, mas classe C.
Deixa eu terminar por aqui o texto, porque daqui a pouco vão me chamar de chato ou, pior, de comunista. Logo eu, que só li Marx na versão resumida em quadrinhos. Fazer o quê, se eu gosto é de autoajuda?

LEANDRO MACHADO, 23, é estudante de letras na Universidade Federal de São Paulo, mora em Ferraz de Vasconcelos (SP) e escreve no blog Mural, da Folha

Publicado originalmente no Blog da Folha de S. Paulo

sábado, 1 de setembro de 2012

Diante de um herói: O Soldado da Borracha

Era só mais uma manhã comum e já me aguardavam três possíveis entrevistados. Entre eles, dois idosos. Em rápida conversa preliminar descubro que um deles trata-se de um verdadeiro soldado da borracha.

Desde que cheguei ao Acre escuto histórias sobre os lendários "Soldados da Borracha". Tive que me inteirar sobre eles nos livros de Leandro Tocantins para minha monografia. A História é no mínimo, fascinante.

Houve um Primeiro Ciclo da Borracha que se inicia com o processo de vulcanização, em meados do século XIX quando a borracha passa a ter uso industrial, e que finaliza com o início da produção dos seringais de cultivo da malásia, por volta do ano de 1912.

Neste ínterim, ocorre a revolução acreana e a ocupação do noroeste amazônico, contexto em que se insere a fundação da cidade de Cruzeiro do Sul. Neste período, juntamente com café, era a borracha que mantinha os cofres cheios da administração imperial e posteirormente, republicana. Equivale a dizer que se os negros, e depois imigrantes, carregaram nas costas a geração de riqueza do país, os seringueiros nordestinos também o fizeram. Foi a riqueza gerada neste período que permitiu uma incipiente industrialização do agrário  Brasil, protagonizada por Visconde de Mauá.

É no Segundo Ciclo da Borracha que surge a lendária figura do soldado da borracha. Uma improvável história envolvendo submarinos alemães e navios ingleses transformou o jovem Lauro Almeida, de 24 anos em um herói nacional. Cortando seringa desde os doze, lauro se acostumara à rotina de acordar de madrugada e ir para a estrada, enfrentando o "sesão" (malária), onças, cobras peçonhentas e um possível "lundu" do patrão na hora de receber o saldo.

Na radiola. Getúlio Vargas, o "pai dos pobres" conclama à população a aderir ao esforço de guerra brasileiro, que apesar da simpatia com o ideário e métodos do nazi-fascismo, acabou por aderir aos EUA na segunda guerra mundial. Ao jovem Lauro, restam duas alternativas, ou se prepara para a guerra na Itália, ou contribui como soldado da borracha.

A memória do velho Lauro não falha e lembra de quando o jovem Lauro ouviu na "radiola" as palavras do presidente "ele disse que quem fosse cortar seringa ia receber o mesmo ordenado de um solado na guerra".

Lauro decide lutar a guerra que já conhece, nas estradas de seringa. Escolha diferente de seu irmão Cláudio (nome fictício), que decide ir à Itália. "Sempre teve vontade de conhecer o outro lado do mundo".

A "Cobra vai Fumar", aprendeu depressa o pracinha enquanto embarcava para a Itália. Dos 27 mil enviados para a batalha, cerca de 460 homens perderam suas vidas para que o Brasil assegurasse seu lugar ao lado dos EUA como uma aliado. Outros dois mil vieram a morrer posteriormente em decorrência de ferimentos de campanha.

Enquanto isso, na floresta, Lauro juntamente com outros 60 mil soldados, trava sua batalha diária contra pragas e peçonhas, se esquivando dos problemas que vieram a vitimar metade deste contingente.





Vejo diante de mim aquele herói. Não usa capa colorida, não tem o peito estufado e nele não há medalhas. Apenas o rosto cansado e sofrido de quem viveu, sofreu e não teve seu esforço reconhecido pela pátria.

Olho para mim mesmo, bem-nascido e bem alimentado, letrado. Um filho da civilização industrial brasileira, me sinto honrado de estar diante de um herói, cujas mãos calejadas estão na verdade por trás das roupas que visto, dos calçados em meus pés, da motocicleta que me traz todos os dias para o trabalho, ao ar condicionado que arrefece o calor amazônico. A ele agradeço silenciosamente à boa educação que tive, cuja falta a ele se revelou fatal: depois de sobreviver à malária, às onças, cobras e jagunços, o sr. Lauro agora se vê "aperreado" com dezenas de sanguessugas que lhe levam o pouco de seu salário de "soldado da borracha", conseguido a muito custo.

Diante desta verdade, só me resta honrar as calças que visto, honrando o homem por trás da máquina, o nome por trás do número, a identidade por trás do anônimo. Só me resta pôr-lhe à disposição todos os instrumentos à minha mão, emprestando-lhe a minha voz para que se cale o silêncio ignomioso de uma pátria que de mãe gentil tem tão pouco para com seus verdadeiros heróis.

E na esteira de sua soberba, sob o manto do progresso, novos heróis vão surgindo e morrendo como estrelas, tingindo de vermelho, tombando com as árvores que enfeitam este chão. Mas essa é uma outra história.

    
* Leia mais em "A heróica e desprezada batalha da borracha" de Marcus Vinicius Neces