segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O Ambientalismo à serviço do Capital

Leandro Altheman

Ninguém nega o fato de que a entrada de Marina Silva no cenário político nacional como provável candidata à presidência, altera por completo não apenas o quadro sucessório do presidente Lula, mas o próprio debate político-ideológico. Um ganho enorme para todos nós, brasileiros.

No entanto há uma série de armadilhas pela qual Marina terá que passar. A primeira delas já está mais do que clara nas entrelinhas da mídia nacional.

O PV Acreano é aliado do PT e PCdoB na Frente Popular. No Acre, as causas sociais e ambientais celebram um casamento de mais de 12 anos (apesar das corriqueiras brigas pela qual todo casal passa). O Acre é o berço do sócio-ambientalismo, resultado da luta de indígenas e seringueiros tão bem representada na figura emblemática de Chico Mendes.

No eixo Rio-São Paulo, a história é outra. Lá, as causas ambientais foram abraçadas pelo grande empresariado o que resultou em uma aliança entre PV, PSDB e DEM. Esta aliança não é apenas um produto de uma conjuntura particular, é o resultado de uma forma de pensar típica do chamado "primeiro mundo."São aqueles que querem exercer sobre o Norte-Nordeste do Brasil a mesma relação "Metrópole- Colônia" a que se submetem.

São estes que condenam veementemente a destruição da floresta amazônica, o “pulmão do mundo”, mas jamais cogitam abrir mão dos confortos da vida moderna, mesmo que isso signifique a destruição dos recursos naturais do planeta. Também não aceitam dividir a riqueza conquistada em séculos de exploração e opressão. Mas ainda assim, querem ter direitos sobre a maior floresta tropical do mundo, sem nunca ter pisado neste solo.

Não por acaso, já aparecem na TV comentários de que “a descoberta do petróleo do pré-sal não tem tanta importância assim, afinal, em 20 anos teremos uma mudança na matriz energética”. Comentário "ambiental" muito oportuno para quem quer reduzir a importância desta descoberta.

Esta aliança política colocou dentro do mesmo grupo que defende a preservação da floresta amazônica os que, por exemplo, defendem a ampliação da marginal Tietê para dar mais fluxo à já gigantesca frota de veículos de São Paulo (há mais carros em São Paulo do que pessoas em qualquer cidade brasileira), mesmo que isso signifique destruir o pouco que ainda resta de cobertura vegetal na megalóple.

Também há neste grupo severos críticos à política do presidente Lula de promover o poder de compra nas camadas mais baixas da população, e diminuir as desigualdades regionais. Para eles, um pobre ter geladeira é um problema, uma vez que vai aumentar o consumo de energia, e ái do meio ambiente! Os que dizem isso, provavelmente têm mais de um carro na garagem (para fugir do rodízio em São Paulo), almoçam em restaurantes de luxo e viajam de avião pelo menos uma vez por ano.

Ou seja, não é novidade a utilização do discurso ambientalista para justificar e manter as desigualdades sociais e econômicas, produto do capitalismo. Infelizmente é preciso dizer que o IBAMA e sua política são fruto deste pensamento. A importância do órgão é inegável, mas sua atuação rende-se à lógica capitalista. Por esta razão que os pequenos agricultores padecem para tirar uma licença para abrir o seu roçado, enquanto alguns dos maiores devastadores do Juruá, passeiam em automóveis de luxo pelo centro da cidade de Cruzeiro do Sul, depois de fazerem “um termo de ajustamento de conduta” em que, por exemplo, constroem um muro para o escritório do órgão. A população entende o recado de que os grandes devastadores são hoje os maiores parceiros do IBAMA e crime mesmo, é ser pobre.

Para não terminar esta postagem apenas com uma interrogação, digo que enquanto o ambientalismo estiver à serviço do capitalismo, não terá respaldo popular. Será apenas a bandeira de uma “minoria consciente”, mas privilegiada. Marina, por sua história, tem toda condição de levar este debate a um outro nível. As questões ambientais são sim, urgentes, mas mais urgente ainda, é a mudança de uma visão de mundo, de atitude, de comportamento, enfim, de um paradigma, algo que somente uma revolução no pensamento ocidental é capaz de realizar.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Mariátegui: Pensador do Socialismo Indígena

Leandro Altheman


A idéia de que a vida comunitária dos povos indígenas da América poderia servir de base para um novo tipo de socialismo, precisava de um teórico que pudesse romper as barreiras do marxismo ortodoxo e enxergar na realidade particular dos povos indígenas, a possibilidade de uma revolução autêntica. Este teórico é José Caros Mariátegui. Peruano de Moquégua, já nos anos 20 do século passado, viu esta possibilidade real. Hoje assistimos ao fenômeno Evo Morales, na Bolívia, em parte fruto destas reflexões que começaram na década de 1920 com Mariátegui.


* Ilustração de capa do jornal "Amauta" editado pr Mariátegui. A palavra "Amauta" em quetchua que significa "sábio" ou simplesmente "semeador".

Seguem abaixo a seleção de algumas frases de seu livro: “O Homem e o Mito”. O que surpreende é que Mariátegui deixa de lado o materialismo para propor a necessidade de um mito que possa catalizar o potencial revolucionário.


“Todas as pesquisas da inteligência contemporânea sobre a crise mundial deságuam nesta unânime conclusão: a civilização burguesa sofre da ausência de um mito, de uma fé, de uma esperança. Ausência que é a expressão de sua falência material. A experiência racionalista teve a paradoxal eficiência de conduzir a humanidade à triste convicção de que a Razão não lhe pode oferecer nenhum caminho. O homem ocidental colocou, durante algum tempo, no retábulo dos deuses mortos a Razão e a Ciência. Entretanto, nem a Razão nem a Ciência podem ser um mito. Nem a Razão nem a Ciência podem satisfazer toda a necessidade de infinito que há no homem. A própria Razão encarregou-se de demonstrar aos homens que ela não lhes basta. Que unicamente o Mito possui a preciosa virtude de preencher seu eu profundo.”


“Mas o homem, como a filosofia o define, é um animal metafísico. Não se vive fecundamente sem uma concepção metafísica da vida. O mito move o homem na história. Sem um mito a existência do homem não tem nenhum sentido histórico. A história, fazem-na os homens possuídos e iluminados por uma crença superior, por uma esperança sobre-humana; os demais constituem o coro anônimo do drama. “


“O que mais nítida e claramente diferencia, nesta época, a burguesia e o proletariado e o mito. A burguesia já não tem mito algum. Tornou-se incrédula, cética e niilista. O mito liberal renascentista envelheceu demasiadamente. O proletariado tem um mito: a revolução social. Em direção a esse mito move-se com uma fé veemente e ativa. A burguesia nega; o proletariado afirma. A inteligência burguesa entretém-se numa crítica racionalista do método, da teoria e da técnica dos revolucionários. Que incompreensão! A força dos revolucionários não está na sua ciência; está na sua fé, na sua paixão, na sua vontade. É uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito. A emoção revolucionária, como afirmei num artigo sobre Gandhi, e uma emoção religiosa. Os motivos religiosos deslocaram-se do céu para a terra. Não são divinos; são humanos, são sociais.”


Face aos acontecimentos na América do Sul, com a organização dos movimentos indígenas e camponeses demonstrando uma formidável capacidade de organização e de ocupação de um certo vácuo-político ideológico pós-guerra fria e pós-neoliberalismo, uma releitura de Mariátegui é essencial para a melhor compreensão destes fenômenos.


Na Bolívia, forças ancestrais de um tempo anterior aos próprios Incas são despertadas por um ideal próprio de socialismo, renovado por mais paradoxal que seja, nos mais profundos mistério das tradições.