quarta-feira, 26 de setembro de 2018

É pior do que parece


Em seu texto na Folha de São Paulo, o jornalista Pablo Ortellado afirma que o fenômeno do bolsonarismo não é fascismo, pois estariam ausentes os traços do nacionalismo que o caracterizariam.

Para quem não o conhece, Pablo Ortellado tornou-se um crítico da chamada ‘narrativa do golpe’. Sua crítica, fundamental aliás, é produzida a partir de um lugar de análise que se coloca fora do campo das militâncias políticas. Digo fundamental, pois a contaminação ideológica produz corpos de análise comprometidos em seu resultado e nesse sentido, nada melhor que um ‘isentão’, frio e distante do campo de embate imediato, para tentar lançar alguma luz e produzir compreensão sobre temas onde a cacofonia ideológica tomou de conta. Nesse sentido, as posições de Pablo Ortelllado sobre a ‘narrativa do golpe’ têm produzido um ambiente de análise dos fatos mais arejado do que o que é oferecido pelo discurso partidário e ideologizado.

Em seu artigo sobre o bolsonarismo, o autor busca um lugar analítico análogo, o que lhe concede o poder de uma posição crítica em relação ao seu objeto de análise, o bolsonarismo.

Sustento que definir se o bolsonarismo é ou não fascismo, é em realidade, um falso problema.

O ponto de partida: 'não é fascismo porque não é nacionalismo' faz tratar duas ideologias com distintos graus de rigor. Enquanto ao fascismo é exigida uma filiação a um conjunto rigoroso de preceitos, ao nacionalismo bastaria a defesa da indústria, empregos e cultura nacional para caracterizá-lo. Sem uma desambiguação do sentido de nacionalismo em um contexto europeu para um contexto latino americano ou terceiro mundista, não é possível compreender de que nacionalismo está de fato se falando.
   
Mas é fato que Bolsonaro não seria nacionalista em nenhum sentido, exceto talvez, alguém poderia dizer, por uma xenofobia não muito marcada em relação aos imigrantes, o que o ligaria muito mais à extrema direita europeia.   

Não se trata apenas da ‘falta de pautas nacionalistas concretas’, mas de uma política anunciada de alinhamento sem sentido pleno à política dos EUA. Este é um traço que liga o bolsonarismo muito mais ao regime de 64, rendido à lógica da guerra fria, do que ao fascismo italiano propriamente dito.

A referência portanto deveria ser antes o regime de 64 ao invés do fascismo de Mussolini.  

O golpe que instaurou o regime militar foi em sua maior medida contra o grupo político dos nacionalistas representados pelo então PTB de Jango, da qual fez parte Leonel Brizola e cuja ascendência política remonta a Getúlio Vargas. 

Ora, se o próprio Bolsonaro se coloca em filiação política aos militares do regime, ele não é apenas deixa de ser nacionalista, como é em verdade, anti-nacionalista. 

Mais central para entender o bolsonarismo, é o papel da doutrina de segurança nacional. Os militares anti-nacionalistas de 64 aderiram à ideologia que transformou nossas Forças Armadas em agentes de segurança interna em busca do 'inimigo interno'.  

Se no regime de 64, o ‘inimigo interno’ era o ‘comunista’, ou o ‘subversivo’, desta vez a categoria se amplia para além da esfera imediata de participação política, para abarcar o comportamento sexual, minorias étnicas, classe artística, grupos religiosos, e etc.

É preciso não apenas compreender, mas repetir sobre como os ecos da doutrina de segurança nacional estão sendo utilizados para criar uma nova categoria de inimigo interno, mais abrangente do que a anterior.

Nesse sentido, o bolsonarismo é ainda pior do que o fascismo. O nazismo produziu mais claramente essa categoria de inimigo interno especialmente na figura do judeu. Aqui, esta categoria é maleável de acordo com a percepção do que é normativo para um setor dominante da sociedade.

Dizer que ele é um ‘soldado das guerras culturais’ não define por exemplo, em que campo se dá essa guerra e menos ainda a respeito do que pode ser considerado válido nessa guerra cultural. 

Defesa à tortura, por exemplo, é um argumento válido e aceitável nas atuais guerras culturais em nossa sociedade?

Isso é que está de fato em jogo e não tanto a definição precisa do termo fascista. Por rigor analítico, o III Reich, o anunciado ‘império de mil anos’ da Alemanha Nazista também não foi um Reich, nem mesmo nos cerca de 12 anos que durou.   

O problema real aqui não é de definição rigorosa de termos, mas sim, do que pode ser considerado tolerável em uma sociedade democrática.

Aqui caímos novamente no já tão evocado paradoxo de Popper, sobre o custo de ser tolerante com a intolerância.

Afirmar que ‘não é o que parece’ e que Bolsonaro é um ‘soldado das guerras culturais’ revela que o autor, ao menos por hora, se coloca entre aqueles que consideram que devemos ser tolerantes com a intolerância, ou, por talvez considerar que as posições levadas em conta na ‘guerra cultural’ travada pelo ‘soldado Bolsonaro’ possam ser consideradas válidas e toleráveis em um ambiente democrático.

Aqui caímos em outro problema: o que pode ser considerado tolerável, varia muito, principalmente em função do lugar que cada pessoa ocupa em uma sociedade. É absolutamente tolerável ao senhor de engenho que haja escravidão, assim como é até certo ponto tolerável, ao cidadão de classe média alemã, que os judeus sejam segregados em campos de concentração. 

Para um homem branco heterossexual de classe média, pode não haver nada de muito intolerável no discurso de Bolsonaro. Ainda que pessoas fora dessa marca, possam também considerá-lo, o grau de tolerância costuma a diminuir na medida em que se afasta dela. Ao menos é o que sugerem as pesquisas de intenção de voto. É preciso alertar, mais uma vez, sobre a forma como o conceito de inimigo interno vem sendo evocado. Como afirmei antes, a categoria tem se alargado cada vez mais.

Imaginar o que acontecerão a essas pessoas, em um eventual governo Bolsonaro não se trata de futurologia ou profetização, mas exercício analítico. Mesmo descartada a hipótese de campos de concentração, teríamos algo como uma cidadania de segunda classe legitimada pelo discurso do líder da nação. Seriam legitimados também, o cometimento de atos civis de violência. Na ausência de instrumentos institucionais para levar a cabo, a tortura, a segregação e o assassinato, estes poderiam vir praticado por pessoas comuns inspiradas pelo novo ideário.

Este quadro que não coincide com o fascismo italiano ou o nazismo alemão, ou mesmo da extrema direita que rói o calcanhar das democracias europeias, mas certamente, é ainda pior do que parece.  

* Foto postada nesta quarta-feira no perfil do Instagram de Carlos Bolsonaro. Trata-se, sim, de uma simulação, retirada de um perfil de um artista. Mas não deve fugir ao bom analista, que a mesma imagem pode comunicar mensagens muito diferentes, opostas até. Se no perfil do artista tem caráter de denúncia da tortura, no perfil de um Bolsonaro, adquire caráter oposto, de apologia poderia-se dizer, especialmente quando há um histórico de declarações nesse sentido.      

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O desconforto de um (ex) marinista


Escrevo esse texto após muita relutância. Não tenho nenhuma satisfação em dirigir críticas à candidata Marina Silva, e se o faço, não é por desrespeito à própria, mas muito mais pelo respeito aos seus eleitores e simpatizantes, entre os quais eu próprio me identifico. 

Antes, faça-se a ressalva que continuo a admirar e respeitar a figura púbica de Marina Silva, bem como de considerá-la uma das pessoas mais capacitadas do país em temas contemporâneos como sustentabilidade, mudanças climáticas, matriz energética e outras.  Marina ainda é uma das raras figuras políticas do país que enxerga potencial civilizatório na diversidade bio-cultural do Brasil, e só por essa razão, já deveria estar à frente de um programa de governo.

Absolutamente repudio a desconstrução de sua imagem, tal qual foi feita pelo PT em 2014. Marina segue sendo muio melhor de que a maioria que a critica.

Contudo, como ex-eleitor me sinto no dever de apontar as razões pela qual não o farei, ao menos nesse ano. O desconforto inicia quando a mesma passa a adotar um discurso juriquista como ‘solução’ para o Brasil. Ora, é preciso ter coragem e encarar, e encarnar o projeto que representa. O ‘juriquismo lava-jatino’ de Marina é um aceno para um perfil de eleitor de classe média que já a abandonou há pelo menos três anos. É uma proposta que se constrói pelo negativo: 'não sou corrupta'. Sim, mas e daí, quer saber o eleitor.

Esse perfil de eleitor hoje segue e firme forte com Bolsonaro, e não está nem um pouco preocupado se ele contrata uma vendedora de açaí para seu gabinete ou se usa dinheiro do auxilio moradia para 'comer gente'. Marina ou sua equipe parecem não ter percebido isso, ou perceberam tarde demais.

Marina ter um lugar cativo no coração de muita gente, mas seus atos demonstram que ela não quer ocupar esse lugar. Seu eleitor de perfil progressista é hoje um órfão que enxerga em Marina, a mãe que ela não quer ser.

Marina tem conseguido a proeza de cair na preferência do eleitorado ao mesmo tempo em que aumenta sua rejeição. De segundo lugar nas pesquisas, hoje está em quarto e terá de se esforçar para não cair abaixo dos 6% de intenções de voto que hoje possui.

Isso tudo é muito lamentável na verdade. Marina representa um ideal de Brasil contemporâneo, mas ela própria não foi capaz de fazer disso um sentimento. Quem perde não é ela, é uma ideia de Brasil.

Nem tudo é culpa dela, é verdade. As circunstâncias não ajudam.

Mas o fato é que Marina adotou um perfil político que se opõe ao perfil de seus eleitores mais fiéis.
Gostaríamos nós, eleitores de Marina, que ela fosse uma daimista ou ayahuasqueira, que fizesse yoga, que brincasse o mariri na aldeia, que se pintasse de jenipapo, que dançasse com as bruxas à luz do fogo. Mas Marina não é nada disso. Marina é na verdade uma calvinista cinzenta que manda esconder a carranca do São Francisco por que é ‘coisa do diabo’. Precisamos encarar essa realidade. E tentar tecer, em nosso meio, uma proposta política em que essas possibilidades civilizatórias estejam contempladas.

Tenho dito que a noção de sustentabilidade deve ser defendida dentro de um programa nacional de desenvolvimento, e não fora dele. Mas isso é tema para outra conversa.

Falta comando, ordem e disciplina na campanha de Bolsonaro


O episódio Paulo Guedes revelou para o país, um aspecto da campanha de Bolsonaro que para muitos já era evidente: falta comando em sua campanha.

Tendo em vista que parte significativa de seus eleitores busca justamente em sua candidatura um sentido de ordem e disciplina, é importante pontuar, que são justamente nestes aspectos onde Bolsonaro é mais fraco.

Que não existe um programa claro de governo, é lugar comum, mas o que vemos agora é que não existe tampouco uma cadeia de comando de decisões e que as mesmas estão sujeitas a avanços e recuos ao sabor dos ventos.

A escalada/desescalada de Mourão é outro exemplo. Como não existe um programa mínimo pactuado internamente, as decisões dependem inteiramente do desejo imediato de Bolsonaro e de seu carisma pessoal. Não é preciso argumentar muito para provar que isto é receita certa para o fracasso.

Associado muitas vezes à Trump, faltaria a Bolsonaro o essencial para ser ao menos assemelhado ao governo Trump: uma proposta econômica minimamente clara. Trump adota um modelo que é protecionista, ou seja, taxa produtos importados como forma de preservar a capacidade de concorrência da indústria dos EUA. Em que pese todo retrocesso que significa o governo Trump, medidas como essa tendem a surtir efeito positivo na geração interna de emprego, ao menos em determinado período.

Esse modelo contudo, é o oposto ao liberalismo defendido por Paulo Guedes. Para gerar um efeito de recuperação do emprego, no Brasil, as medidas tem de ser outras, mas precisaríamos crescer em setores estratégicos, precisamos reverter a desindustrialização e conseguir transferência de tecnologia para produzir, ao menos uma fatia maior, dos bens de que hoje consumimos. O modelo Paulo Guedes irá acentuar nossos problemas mais graves: desindustrialização, desemprego, concentração de renda.

Tudo isso, quem tem um pouco de noção já sabe. O que ficou evidente contudo, é o grau de desorganização interna da campanha de Bolsonaro: num primeiro momento Paulo Guedes tem a ‘carta branca’ para dirigir a economia, mas bastou se pronunciar para que fosse desautorizado em sua fala. Bolsonaro precisaria saber o mínimo de economia, até para dar ordem em Paulo Guedes.

Aqui, do lado de fora do quartel, a autoridade não é dada por patentes, mas é algo que se constrói ou com conhecimento técnico-científico dos temas, ou com legitimidade popular.

A pequena frente partidária que apoia a campanha de Bolsonaro é justamente a antítese do que desejam seus eleitores: uma farândola desordenada, sem comando, ordem ou disciplina, sem estatuto ou regimento interno, cujo sentido de autoridade tem muito de arte teatral e dramática e pouca eficácia além do espetáculo.

Este não será o principal motivo de sua derrota. Mas será um deles. Isso já parece tão auto-evidente entre seus apoiadores que desde já alegam 'fraude nas urnas' para justificar a 'fraquejada' que seu candidato está construindo.

*Imagem: Cartaz do filme 'O Incrível Exército Brancaleone', simboliza a desordem e a falta de disciplina e de metas claras. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Pautas ambientais e indígenas: onde estão no debate?

Já seria de se esperar que as pautas ambientais e indígenas estariam no rodapé de qualquer discussão presidencial.

O que ocorre contudo, é muito mais grave.

De um lado há, a ameaça real de um candidato que declara-se frontalmente contra as pautas ambientais e indígenas.

Do outro, temos, ao lado de Ciro Gomes, Katia Abreu, que dispensa apresentações. Ao lado de Haddad, Manoela D’Ávila, que ainda que pese seu perfil progressista em tantas questões, no que se refere a estas pautas, permanece atrelada a uma visão de que tais assuntos seriam contrários aos interesses nacionais. Não é demais lembrar o papel que o PCdoB teve na aprovação do novo código florestal, para satisfazer interesses justamente do grupo representado por Kátia Abreu.
Nesse sentido, as duas chapas compartilham da mesma miopia do nacional desenvolvimentismo, que ainda não soube olhar com a devida atenção para o potencial destas pautas para a nação.

Marina Silva, por seu turno, parece ter essa visão. Ao menos é o que sugerem declarações a respeito do potencial ambiental e humano do país. Contudo Marina Silva, parece sempre estar sempre um passo atrás no debate político e ainda empenha-se em cativar eleitores de uma parcela de classe média que já aderiu a Bolsonaro. Sua insistência no tema da corrupção e no seu juridiquismo quando estes já foram dragados pela espiral dos debates só mostra sua falta de ‘feeling’.

No outro polo temos Sônia Guajajara, onde estas pautas assumem tons mais ligados às demandas das comunidades afetadas diretamente pelo nacional-desenvolvimentismo do que aos gabinetes do Ibama e ICMBio.
A chapa Boulos-Guajajara contudo, não decolou minimamente e amarga pífios 0,7%. Ainda assim, mesmo nessa chapa, tais pautas sequer ocuparam o rodapé das discussões.

O máximo que poderemos ter para estas eleições, seria uma pactuação no segundo turno através da condicionante de apoio mediante compromissos de agenda.

É o que temos para hoje.

Para amanhã, quem sabe rediscutir e aprofundar o papel destas pautas em um programa de desenvolvimento, e mais do que isso, repactuar mesmo o sentido de (pluri)nação.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Nacionalismo X Patriotismo


A disputa entre Ciro e Bolsonaro é também uma disputa ideológica entre duas formas: de um lado o nacionalismo de Ciro, pensado como modelo que busca o desenvolvimento e a soberania nacional e do outro, o dito 'patriotismo', um movimento um tanto confuso de suas bases, mas que na prática é mais uma ação simbólica sem discutir as condições materiais, humanas e históricas de produção d o ideal de soberania nacional. Historicamente, o patriotismo na América Latina, tem sido uma evocação do símbolos pátrios, em um contexto político, econômico, social centrado dos EUA. 


Existe lugar para o nacionalismo no século XXI? Começando com essa pergunta, talvez antes deva lembrar de outro fato, que tenho certeza, a maioria de meus leitores não sabem, e outros tantos, provavelmente o esqueceram: de que o golpe de 64 não foi contra o comunismo como bem querem nos fazer crer determinados setores ditos patrióticos, mas contra o nacionalismo.
João Goulart era representante do PTB, partido que seguia a linha deixada por Getúlio Vargas e retomada  por Juscelino, Marechal Lott, Brizola e o próprio Goulart. Tratava-se  exatamente dos setores nacionalistas, que pelas inconveniências históricas que se atribiu ao nome, teve de ser renegociado em termos de trabalhismo, desenvolvimentismo e social-democracia.
As atribuições negativas do termo se devem sobretudo ao caráter que teve a denominação nacionalismo face aos movimentos totalitários da Europa.

Contudo, ninguém que tenha minimente lido um pouco de história saberá que o nacionalismo foi, fora da Europa o principal instrumento de descolonização do Terceiro Mundo. Basta olhar África e Ásia para ter clareza do papel do nacionalismo como elemento de descolonização.
Aí entram as rupturas entre concepções de direita e de esquerda, que acabam por fazer pender a balança para um lado ou outro.

Mas o fato é que se nos remetermos a teoria do choque entre civilizações de Huntington, logo percebamos o quanto a guerra fria penetrou nossas fronteiras para nos fazer mais fracos.
É onde entra o ‘patriotismo’.

O patriotismo é uma ideologia pensada de modo mimetizar um valor fundamental de qualquer nação que é o APREÇO POR SI MESMA. Na América Latina, regimes democráticos que defendiam a soberania popular perante Washington foram derrubados e seguidos de regimes ditatoriais alinhados aos interesses da civilização estadunidense (mais uma vez, Huntington).

É onde entra o papel da DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL, que na prática transformou nossas FAs em uma espécie de polícia ideológica interna, eternamente a buscar um inimigo interno dentro de suas fronteiras.   

Não nos esqueçamos também de que setores integrantes das Forças Armadas resistentes à tal doutrina, foram igualmente perseguidos pelo regime militar. Basta lembrar que, em 1960, Marechal Lott, um militar de alta patente portanto, evitou um golpe militar contra Juscelino Kubitcheck. O mesmo Marechal Lott acabou derrotado por Jânio Quadros, protagonizando o arquétipo do aventureiro político que depois se repetiu em Colllor e agora, em Bolsonaro.
Fato é que o nacionalismo, pensado em base de fato nacionais, foi perseguida mesmo dentro das FAs. Vale lembrar o nome do Nelson Werneck Sodré, historiador militar que chegou a comandar a Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Sua defesa da soberania do petróleo, o colocou em choque com os setores ‘patrióticos’ que justamente eram contra o modelo soberano de exploração pela Petrobrás.
Bem verdade que Werneck Sodré se converteu ao comunismo, como é bem verdade que os comunistas no Brasil tem sido os defensores históricos desse modelo de soberania e desenvolvimento nacional.

O resto da história sabemos, Getúlio Vargas deu-se um tiro no peito que adiou ali, o golpe que viria contra o modelo de soberania nacional.
Entre a soberania e o golpe, estiveram ainda, além de nomes como GV, JK, os menos conhecidos Marechal Lott e Nelson Werneck Sodré, e é claro Brizola e João Goulart.

Não resta dúvida de que é esse o segmento político representado por Ciro Gomes, nessas eleições. O PTB que após o regime militar voltou como o PDT de Brizola é exatamente o representante do nacionalismo, e aí, é preciso que se insira a insígnia terceiro mundista, para mais uma vez assinalar a distância entre o nacionalismo europeu que esteve na base do fascismo e do nazismo, do nacionalismo do terceiro-mundo, que esteve na base dos fenômenos de independência e de descolonização, na África, Ásia e Américas.       

Mas ainda não respondi a pergunta sobre se haveria um lugar para o nacionalismo hoje. Se olharmos a nossa volta, a resposta parece ser sim. Quando até mesmo os EUA evocam a ideia de pátria e nação para redefinir-se em função não apenas de um protecionismo econômico e como de um maior fechamento de suas fronteiras. Não resta dúvida que essa é a política que pauta os EUA hoje. Mas mesmo se olharmos para o outro lado, a Rússia também hoje pauta sua política em um ‘nacional-bolchevismo’ para definir seu lugar de civilização no mundo. Mais uma vez é muito mais Huntingon, do que Marx que está operando nessas dinâmicas da política internacional do século XXI.

Haveria mais ainda a dizer sobre a China, que sob o comando do Partido Comunista conduz uma política que vem sendo chamada de socialismo de mercado, o que poderia ser resumido em termos de altos investimentos do estado em áreas estratégicas para o país seguidos de dezenas ou até centenas de empresas privadas que se beneficiam das oportunidades oferecidas pelas ações do governo. Fato é que a China opera seus negócios a partir da escala de nação, pouco a pouco redefinindo suas fronteiras como império. Enquanto o gigante capitalista se fecha sobre si mesmo, a China socialista estica seus longos braços pelas redes de mercados do mundo capitalista. O quanto tais movimentos irão durar desse modo é coisa que não ouso dizer, mas não é preciso sequer esforço intelectual para perceber o que ocorre hoje.

Isso significa dizer que estivermos onde estivermos como nação, teremos de estabelecer uma relação com a China. A questão passa a ser portanto que papel iremos ocupar nesse cenário. Um modelo soberano de desenvolvimento nos coloca como ‘sócios do clube’ dos BRICS, uma posição central neste novo bloco. Fora dos BRICS seremos suplicantes a bater nas fronteiras fechadas de uma nação imperial em processo de encolhimento sobre si.
Inevitável portanto, abordar a questão do agronegócio. Este já é, querendo ou não, parte do que nos une a esse novo arranjo econômico mundial com a China à frente.

O convite de Ciro à Katia Abreu tem sido um espinho duro de engolir para muitos setores que antes desse anúncio, talvez votassem de bom grado em Ciro. A importância dada ao agronegócio, contudo, não pode ser negada. A diferença está em Ciro ter tanto insistido no problema da desindustrialização do país. Parece óbvio que qualquer tentativa de estímulo à reindustrialização do país deve começar a partir daquilo que produzimos hoje como comodities. É o mesmo que dizer que as novas tecnologias de energia alternativa devam ser financiadas justamente pelo petróleo.

Começo a tangenciar aquilo que justamente ficou fora da noção de nacionalismo, ou mais propriamente nacional-desenvolvimentismo: as questões indígena e ambiental. Nesse sentido, percebo que Marina Silva, ao afirmar o valor potencial soberano e civilizatório de nossas riquezas perante o passivo mundial, parece ter justamente captado um valor que o nacional desenvolvimentismo deixou escapar. Bem, Marina tem se revelado pouco competitiva por outros fatores, alguns intrínsecos à sua personalidade, outros ao modelo de desenvolvimento sustentável, que seja por pouca explicação, seja por pouca recepção do eleitor, tem se revelado pouco sustentável do ponto de vista eleitoral. Ainda assim, a capacidade de mobilizar setores importantes e criativos, deve ser olhado com atenção. O pedaço que falta ao nosso nacionalismo talvez seja justamente esse olhar focado para quem de fato somos, nos sentidos: humano, geográfico, histórico, social, cultural. Quais desses potenciais possam ser vistos como mais do que comoditties, mas como os valores intrínsecos de nossa civilização brasileira.

Não resta dúvida que há rupturas. Casa Grande e Senzala não podem mais nos definir como nação. Fato é que se quisermos uma Nação, é preciso nos Descolonizar e redefinir o pacto nacional sobre quem de fato somos.

Conclusão

Muita tarefa à frente, com o fantasma do ‘patriotismo’ aparelhado com as piores das intenções batendo à nossa porta, é importante lembrar e evocar  o sentido de Nação mais alto do que estes que batem continência aos EUA.
Vale dizer, e lembrar sempre, o papel que o nacionalismo teve na descolonização, o golpe movido contra ele e que papel pode ocupar ainda hoje, e lembrando, que na crise civilizatória e de identidade em que vivemos, poderemos encontrar valores em nós mesmos: enquanto país megadiverso em nossa humana geografia, que tanto podem nos ajudar a nos redefinir como sociedade, quanto nos inserem em posição de destaque no cenário mundial.