sábado, 28 de maio de 2016

Sobre a Cultura do Estupro

O estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro popularizou o uso da expressão ‘cultura do estupro’. Aparentemente, na minha Time Line, muita gente teve contato com o termo pela primeira vez, e a julgar pelas postagens, de homens e de mulheres, há muita incompreensão do significado e consequentemente uma rejeição ao uso da expressão ‘cultura’ associado ao ato violento do estupro.

A expressão refere-se a um conjunto de normas e crenças que resultam na banalização do ato do estupro, ou, ainda mais frequentemente, a culpabilização da vítima pela violência sofrida.
São as ‘tradicionais’ (e portanto, sim, culturais) ‘explicações’ ou ‘justificativas’: ela usava roupas curtas demais, ela provocou, ela queria, e etc...  

O termo  cultura do estupro foi cunhado pelo movimento feminista ainda na década de 70 aplicada á cultura dos EUA como um todo.  Posteriormente foi identificada pela sociologia, antropologia e psicologia. Parte integrante dessa ‘cultura’ estaria a transformação da mulher em objeto.

“Há culturas em que isso é coibido. E são culturas em que há uma disparidade menor entre gêneros, em níveis diversos - na representatividade política, na igualdade de salários, na divisão de tarefas dentro de casa. Não é apenas um viés [de igualdade].”
Arielle Sagrillo Scarpati, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e doutoranda em Psicologia Forense pela University of Kent, na Inglaterra

Contudo, o tema é controverso e também há críticos desta concepção.

Caroline Kitchens, pesquisadora do American Researsh Institute, por exemplo, rejeita a ideia de que a responsabilidade do estupro seja de uma ‘cultura’ e não de indivíduos. E argumenta:

“Temos leis rigorosas que os americanos querem ver aplicadas. Embora o estupro seja certamente um problema sério, não há nenhuma evidência de que ele é considerado uma norma cultural. Século XXI América não tem uma cultura de estupro; o que temos é um átrio fora de controle, levando o público e os nossos líderes educacionais e políticas para o caminho errado.”

Ainda em seu texto ‘Its time to end rape-culture hysteria’, Caroline sugere que a concepção de uma cultura do estupro esteja levando o país a uma espécie de ‘histeria‘ , em que músicas, peças de teatro e até mesmo esculturas, são classificadas como ‘cultura do estupro’, perdem espaços públicos e chegam a ser censuradas.

Pode ser que de fato, alguns exageros estejam sendo cometidos nos EUA em nome de se combater a ‘cultura do estupro’. Aqui nessas plagas latinas, pode-se perceber que existe sim, uma cultura muito forte de objetificação da mulher e que a ideia de se culpar a vítima pela violência sofrida, ainda é um argumento muito comum. Não por acaso foram criadas as delegacias da especializadas nos crimes contra a mulher, já que muitas vítimas, após terem sofrido ainda tinham (e ás vezes ainda tem), de lidar com preconceito e machismo de delegados mau preparados.

Há duas imagens que ilustram bem a ideia de ‘cultura do estupro’. A primeira delas, do desenhista Milo Manara, em que retrata o estupro, e o sentido de posse, intimamente ligado ao primado da violência.

A segunda, uma campanha da Dulce & Gabana, que francamente, não remete a outra coisa senão a um estupro. Uma campanha publicitária como esta é praticamente uma prova física de que não apenas existe uma cultura do estupro, fundamentada nos aspectos mais atávicos da humanidade, mas como se renova através da comunicação de massas.




Homem, branco, e heterossexual, certamente não é a minha opinião a que mais importa para dizer se há, ou se não há uma cultura do estupro. Francamente, não gostaria de que uma histeria, como a descrita por Caroline, viesse a pautar as relações entre homens e mulheres. Tampouco desejo que a impunidade continue a limitar a liberdade das mulheres sobre seus próprios corpos e suas relações. 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

A Educação na República dos Coxinhas

Alexandre Frota, com o invejável currículo de ator pornô apresenta propostas para a educação, que não por acaso, tem a sua frente 'Mendoncinha', criatura do DEM cuja experiência é o de criador de aves no interior de Pernambuco.

Alexandre, o Frota, foi levar ao 'sinistro da educação', uma proposta que pasmem, foi criada pelo 'Revoltados On Line'. Agora quem sabe, seremos o primeiro país com um modelo de educação pautado em uma página de facebook, que entre outras coisas não prima pela verdade

Esta não é uma situação à toa. Não é nenhum 'ponto fora da curva' ou acidente de percurso do governo Temer. É resultado direto da paranoia anti-comunista que se instalou no país, através de sites de desinformação. Para estes, o modelo de educação de Paulo Freire, educador reconhecido mundialmente, não serve, bom mesmo é o modelo do 'Revoltados On Line'.

Em pauta, a 'desideologização da escola'. Como se tal coisa fosse possível. Como se não tivéssemos no âmago da educação o positivismo cientificista que nos enfiam goela abaixo desde o inicio do século XX, o cristianismo católico que está na base da primeira educação dos jesuítas, o calvinismo presente em instituições de ensino anglo-saxãs instaladas no país, o liberalismo que permeia praticamente toda e qualquer instituição de ensino que tenha por objetivo 'preparar para o mercado de trabalho'. E por aí vai. Desde a disposição das carteiras, o quadro negro, o sino do recreio, TUDO É IDEOLOGIA, pois em tudo há uma visão de mundo presente e uma necessidade de 'formar' para esta visão.

Agora patético mesmo, é que a corramos o risco de ter, daqui pra frente, uma educação montada em cima de IDEOLOGIA criada a partir do rebotalho de quem nunca estudou a questão à fundo, e que apenas reproduz asneiras de uma página de facebook.

Parabéns, esse é o modelo de educação na República dos Coxinhas



sábado, 21 de maio de 2016

Ode a 'Vagabundagem': do ócio criativo de Masi ao não-fazer de Dom Juan e Heidegger

Desde manhã vinha pensando em escrever uma espécie de ‘Ode à vagabundagem’. Mas... pense numa preguiça...

Desisti várias vezes. Qual é afinal a utilidade de um texto sobre a vagabundagem? A maior ‘ode’ seria não fazê-lo.

Então me recordei de uma história que ocorreu comigo há uns dez anos atrás.

Encontrei-me com um amigo, um jovem huni kuin, no centro da cidade de Cruzeiro do Sul. Ao me ver, ele exclamou:

-Nossa, você está tão magro! Andou doente?

-Não, é muito trabalho!

-E para que tanto trabalho? Você se acaba e o trabalho não se acaba! 

Aquelas palavras ficaram ‘coçando’ em minha cabeça durante anos, como uma caspa ou um piolho pelo lado de dentro do crânio.

Naquele tempo, trabalhava de manhã em uma rádio, à tarde em uma televisão e à noite, três vezes por semana, ainda dava aulas de história em um cursinho pré-vestibular.

Sentia-me bem e útil. Importante.  E as palavras do índio, simplesmente viraram do avesso meu modo de pensar.

Encontrei em sua maneira de pensar, ecos com o chamado ‘Ócio Criativo’ defendido pelo filósofo italiano Domenico de Masi.

"O homem que trabalha perde um tempo precioso" Domenico de Mais.

Filho da sociedade industrial, nasci e cresci em um bairro industrial, estudei em escolas que preparavam para o ‘mercado de trabalho’, e mesmo apesar de toda visão crítica em relação a isto, seguia reproduzindo o mesmo modelo de meus pais e avós: produzir para consumir, como um robô. Satisfação zero.

E essa forma de pensar, e agir, tão arraigada. Trabalhar, produzir, consumir. Trabalhar mais, produzir mais, consumir mais e a vida se esvaído com as areias do tempo, escorrendo por entre os dedos. Tão ‘útil’.
Domenico de Masi propõe a superação da sociedade industrial por meio de uma forma de ‘trabalho’ que confunda-se com estudo, jogo e lazer:

"O futuro pertence a quem souber libertar-se da idéia tradicional do trabalho como obrigação ou dever e for capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre, com o estudo e com o jogo, enfim, com o 'ócio criativo'".

O não-fazer

Um dos conceitos mais intrigantes apresentados a Carlos Castañeda por seu mestre Dom Juan, é justamente o do não-fazer.

Dom Juan explica o fazer como um processo mental em que reproduzimos os aspectos já conhecidos da realidade. Enquanto fazemos, diz Dom Juan, não somos capazes de realmente ver a realidade. 
Estamos simplesmente dizendo para nós mesmos, através de nosso diálogo interno, que as coisas são como são porque são assim que as conhecemos.

E aí chego no ponto que queria.

Não há processo criativo possível dentro do fazer. Somente no não-fazer é possível criar.

Dom Juan descreve a realidade como pulsante e mutável. O fazer torna as coisas ‘mais simples’ para nós. È um espécie de ‘piloto automático’ da consciência que faz nos enxergar o caminho onde ele de fato nunca esteve, pois de fato, não há caminho algum.

-Aquela pedra ali é uma pedra por causa de fazer, disse ele. ...não havia entendido o que ele queria dizer.

-Aquilo é fazer! - exclamou.

-Como?

-Isso também é fazer.

-De que é que está falando, Don Juan?

-Fazer é o que torna aquela pedra uma pedra e um arbusto um arbusto. Fazer é o que torna você, você e eu, eu. (...)

-Tome aquela pedra por exemplo. Olhar para ela é fazer, mas vê-la é não fazer. Tive de confessar que as palavras dele não estavam fazendo sentido para mim.

-Ah, fazem, sim! - exclamou. - Mas você está convencido do contrário porque isso é você fazendo. É assim que você age em relação a mim e ao mundo...

-O mundo é o mundo porque você conhece o fazer necessário para torná-lo mundo - disse ele. - Se você não soubesse o seu fazer, o mundo seria diferente (Castaneda, 1972/2006, p. 237).

A concepção do índio mexicano Dom Juan dialoga com o filósofo alemão Heidegger:

Em sua analítica da existência, Heidegger aponta que o nosso modo predominante de ser é o estar absorvido na ocupação com as coisas. Essa "ocupação" não é para ele a mera lida objetiva com coisas previamente dadas, mas uma relação intencional, no sentido fenomenológico, de constituição de sentido. Ocupar-se com as coisas é participar de modo irrefletido da dinâmica de realização de um mundo. Nos deixamos absorver tão firmemente a essa lida ocupacional que deixamos escapar o aberto do mundo.’

É este aberto que permite o processo criativo para Heideger. Fora disso, está apenas a reprodução irrefletida, a desumanização e consequente robotização do ser humano por meio da técnica.

‘Na "era da técnica", como é denominada, por ele, a época atual, o homem toma todos os entes como recursos para os seus afazeres, como se toda a realidade se reduzisse a mera reserva de energia disponível para sua exploração e consumo (Novaes de Sá & Rodrigues, 2007).’

O músico, xamã e filósofo da cosmovisão andina, Alonso Del Rio atribui a eminência do desastre ecológico ambiental que ameaça a existência humana, ao que denomina a ‘tripla maldição’ do pensamento ocidental. Argumenta que a concepção da expulsão do paraíso, significou o sentimento de que a Terra é maldita, e portanto não é lugar de ser feliz. O trabalho, também é maldito: uma obrigação enfadonha determinada pelo deus patriarcal. Nas palavras de Alonso, o mito do gênese torna maldita também a mulher através da menstruação e as dores do parto.

Contudo, o Calvinismo, transformou o que trabalho, que na sociedade cristã medieval era simplesmente uma obrigação, em uma maneira de chegar aos céus. Afinal, a proposta calvinista que libertou a burguesia de suas amarras teológicas, é a de que riqueza é sinônimo de salvação e que portanto, o lucro, proveniente de trabalho honesto, leva aos céus.

Resta saber se a concepção de trabalho honesto se aplica aos próprios religiosos que constroem verdadeiros impérios empresariais, midiáticos e políticos com base nas doações dos fiéis, mas isso é tema para outra discussão.

Veja que o Calvinismo não libertou a concepção de trabalho como castigo, libertou somente a consciência do ‘pecado’ da ganância. O trabalho continua sendo uma obrigação, mas você pode ao menos, agora, usufruir através do consumo.

Alguém tem dúvida de que estes são os paradigmas em execução questão nos conduzindo ao cadafalso?

A questão passa a ser portanto: e o que temos para substituir este paradigma?

Talvez possam nos ajudar aqueles que foram, e são, justamente chamados de ‘vagabundos’: os índios.

Penso que não foi por acaso que aquele jovem huin kuin advertiu ‘você se acaba, e o trabalho não se acaba’. Penso que seja fruto realmente de uma concepção ancestral, de uma lida com a natureza onde o acumular não faz muito sentido.

Aliás, que sentido faria o conto infantil da ‘cigarra e a formiga’ em um lugar onde não há invernos rigorosos, e onde a escassez de um tipo de alimento, é substituído pela fartura de outro?

Nos breves períodos em que estive com os yawanawá, por exemplo, pude presenciar período de trabalho bastante intenso que movimentavam toda a comunidade, precedidos de dias de descanso, em que a presença familiar é valorizada e aspectos culturais são enfatizados. São noitadas de cantorias, são as brincadeiras, são as histórias. É o viver que em uma existência automatizada torna-se apenas consumo de lazer e entretenimento.

Bem, meu texto já vai chegando ultrapassando as 1.200 palavras. Muita coisa para quem se propôs a escrever uma ‘ode à vagadundagem’.


Por ser este um tema, praticamente inesgotável, preferia não fechá-lo em uma conclusão, como seria de praxe, mas deixá-lo em aberto como sugere Heideger, pois afinal é somente não-fazendo que é possível existir em plenitude... E criar.

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Referências:
1.Castaneda, C. (1968). A Erva do Diabo. Rio de Janeiro: Record.
2.Castaneda, C. (1974). Porta para o infinito. Rio de Janeiro: Record.
3.Castaneda, C. (2006). Viagem a Ixtlan. Rio de Janeiro: Nova Era (Original publicado em 1972).
4.Castaneda, C. (2009). Uma estranha realidade. Rio de Janeiro: Nova Era (Original publicado em 1971).
Ana Gabriela Rebelo dos SantosI; Roberto Novaes de SáII
IGraduada em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense / Bolsista REUNI (UFF) e Arteterapeuta integrante da equipe da Clínica Pomar no Rio de Janeiro. Email: anagabrielarebelo@gmail.com
IIProfessor Associado da Universidade Federal Fluminense, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFF. Endereço Institucional: Universidade Federal Fluminense, Centro de Estudos Gerais, Departamento de Psicologia. Campus Gragoatá, bl. O, sala 218 (São Domingos). CEP 24210-350, Niterói (RJ). Email: roberto_novaes@terra.com.br

domingo, 15 de maio de 2016

Ao vencedor, as bananas

Mesmo diante de seu 'Rei Nu', setores da imprensa ainda se esforçam para elogiar suas vestes, ao professar legitimidade à farsa que segundo a opinião corrente, transformou o Brasil em uma ‘República das Bananas’: associação imediata com uma republiqueta onde as regras do jogo são torcidas e distorcidas para se chegar ao resultado que afinal, se queria desde o início, mas que, não sendo possível por meios legítimos busca-se dar ao menos a aparência de legalidade.

Temer em seu Trono de bananas. Imagem: Mídia Ninja*
A expressão tem origem na atuação da United Fruits Company, corporação estadunidense que determinou a política local da maioria das repúblicas centro-americanas durante o século XX.

Eram elas, afinal, as bananas, principal produto de exportação, quem de fato importavam na política nacional destes países. A democracia, nada mais que uma pantomima, destinada a dar a aparência de que havia ali, o aval da vontade popular.

Em editorial deste dia 15 de maio do Jornal O Globo, repete à exaustão a catilinária de que ‘o Brasil não é a Venezuela’, como uma contra medida à imagem maculada do país no exterior com a suspeita de que tenha sido vitima de um ‘golpe’.

Ainda que alguns meios de comunicação estrangeiros ainda se ressalvem de utilizar a palavra ‘golpe’, a noção de que o processo todo foi uma grande farsa está cada vez mais evidente.

O editorial tenta pregar a ideia de que a reação da imprensa internacional tenha sido fruto de movimentos de bastidores daquilo que denomina ‘lulopetismo’.

Com a acusação, tenta se defender da triste sina que carrega desde que foi criada para dar sustentação ao regime ditatorial militar instaurado com o Golpe de 64.

A argumentação de que o processo transcorre na mais absoluta normalidade institucional, tramitando por duas casas legislativas com o amparo do STF pode até, para os mais incautos, servir de base para sedimentar a opinião de que não há golpe algum.

Contudo, mesmo uma avaliação das mais superficiais, dá conta do tamanho da farsa perpetrada justamente sob as barbas, togas e mandatos de quem deveria resguardar não apenas a constituição, mas a essência da vontade popular.

Pois bem, recordemos:

1-      Um processo de impeachmeant é instaurado contra uma presidente eleita tendo como acusação as benditas ‘pedaladas fiscais’, expediente comum utilizado por presidentes anteriores e repetido por dezenas de governos estaduais, como o de SP, para citar um
2-      Mobilizações populares são estimuladas e incentivadas pela mídia, tendo como motivação central a (justa) indignação popular contra a corrupção. A imprensa, aí incluída as organizações Globo, ajudam a construir a ideia de que o impeachmeant de Dilma, seria apenas o começo de uma ‘grande limpeza’.
3-      O processo é conduzido por um presidente da câmara sob graves acusações de enriquecimento ilícito, recebimento e distribuição de propina entre outros parlamentares e lavagem de dinheiro através de uma igreja evangélica. É réu no STF, que contudo o permite continuar todo o processo, para logo em seguida ao impeachmeant, ter o mandato cassado
4-      Finalmente após a aprovação no senado, Dilma é afastada e assume Michel Temer, já declarado inelegível por estar enquadrado na ficha suja. Temer compõe o governo com o PSDB, partido derrotado nas eleições anteriores. Entre eles estão ao menos sete investigados pela Lava Jato.
5-      Temer anuncia um plano de governo que prevê cortes em programas sociais e uma política de austeridade que jamais seria aprovada em referendo popular
6-      O PMDB tenta ‘garrotear’ a Operação Lava Jato, levando a considerar, por exemplo, a anistia de Cunha, para evitar a sua delação, ou mudar a lei de delações no congresso.

Não é preciso ser ‘lulopetista’ para enxergar a grande ‘Ópera Bufa’ que se tornou o processo de imepachmeant.

A alegação de que toda esta farsa ocorre justamente com tramites e ritos supostamente respeitados nas duas casas legislativas e no judiciário, longe de conferir legitimidade ao processo, tão somente denunciam o quão podres e carcomidas estão as instituições a ponto de permitir tamanha ruptura institucional.

Fato é que, se nossa democracia permite que esta ‘ruptura’ tendo as instituições preservadas, o mesmo não se pode dizer do pacto representado pelo momento das eleições.

Nela, é facultada uma escolha. O eleitor opta por um candidato, um partido, um programa de governo.

Vota-se inclusive, no conjunto, também em um vice-presidente com atribuições constitucionais bastante claras, que certamente não incluem a conspiração com o seu partido para comprometer a governabilidade do governo pela qual foi eleito e implantar o programa político adversário.

Farsa.

Durante anos, a Rede Globo que vinham anunciando à população ‘abram o olho, vejam quanta corrupção’, faz o movimento contrário: ao defender a ‘legalidade’ da farsa, dizem com isso: -’podem fechar os olhos, está tudo sob controle e absoluta normalidade democrática’.

Farsa

O editorial de ‘O Globo’ busca exaltar as instituições brasileiras festejando como a prova definitiva de que ‘O Brasil não é a Venezuela’. Repete-se ad nauseum os adjetivos ‘lulupetista’ e ‘bolivariano’, como se fossem aplicáveis a meios de comunicação internacionais como Whashington Post, New York Times, The Guardian, Liberation, Le Monde, El País.

Todos estes jornais, com maior ou menor grau assumem o caráter de farsa do impeachmeant. Alguns claramente aplicam o nome definitivo: ‘golpe’, mas mesmo os mais cautelosos apontam os desvios e vícios do processo.

Certamente que não o Brasil não é a Venezuela, já que aqui, comprovadamente as instituições: legislativo e judiciário, não serviram aos interesses do executivo, o que não significa dizê-los dignos de isenção.

A acintosa seletividade, denunciada desde o início, primeiro pela imprensa declaradamente de esquerda, e agora pela imprensa internacional, somente revela que nossas instituições tem claramente servido a um projeto de poder que não por acaso, é o exato oposto daquele referendado pela população nas últimas eleições.

O episódio servirá de ilustração para os historiadores quando estes quiserem exemplificar de como um projeto neoliberal falido, incapaz de vencer pela via eleitoral, volta do túmulo como um morto-vivo por meio de uma ‘farsa’ institucional, que na prática trata-se de uma eleição indireta para presidente.

Se isso não faz de nós uma ‘Venezuela’, certamente nos aproxima de outros exemplos de ‘farsas’ e ‘manobras’ perpetradas em outros países do continente, como Paraguai e Honduras, para citar dois exemplos.

Uma nova classe de golpe, em que não se dispara um único tiro, em que os militares não saem as ruas, mas que tão somente as instituições que deveriam  ser as guardiãs da vontade popular, tornam-se sua algoz, usurpando para si um poder que não lhes pertence por direito.

De nada irá adiantar que se repita 24 horas por dia que ‘não houve golpe’. Podemos passar anos discutindo a semântica da palavra ‘golpe’ cada qual defendendo um ponto de vista. O fato é que, houve uma ruptura, um pacto foi quebrado, e as chances de que um governo sem legitimidade possa a vir resgatá-lo são praticamente nulas.
A imprensa não irá lidar mais com a classe média bestializada, mas com setores organizados, conscientes e agora libertos de qualquer compromisso com a manutenção do governo.  

Temer, o conspirador, irá herdar não somente um país quebrado do ponto de vista fiscal, mas completamente cindido em vários níveis.

Irá herdar uma República nascida da promessa de uma era de combate à corrupção, mas que já inicia-se desmoralizada com sete ministros investigados pela Lava Jato e manobras para diminuir o alcance das investigações.

Quincas Borba, personagem imortal de Machado de Assis traduzia sua filosofia particular, o ‘humanitismo’, na célebre frase ‘ao vencedor, as batatas’ – como maneira de justificar todos os atos que levem à vitória

Àqueles que procuram naturalizar o conjunto de manobras e farsas, algumas sutis e outras nem tanto, para alterar por completo o resultado das últimas eleições, fica o recado, prenhe de simbolismos, seja pela herança que terão de uma República das Bananas, desmoralizada em sua essência, seja pelo gesto familiar de quem não aceita as condições impostas de maneira arbitrária e sorrateira:


Ao vencedor, as bananas.

* Não consegui identificar o autor da caricatura. A imagem foi publicada pelas páginas 'Mídia Ninja' e 'Jornalistas Livres'.