sábado, 20 de junho de 2015

Ágora X Púlpito

Parodiando o relógio do apocalipse do filme "Watchmen" é possível dizer que o recente entrevero virtual entre Boechat e Malafaia, adiantou em um minuto o relógio da contagem regressiva para a "Gospelândia", o estado teocrático que dia após dia cresce como um câncer dentro do sistema polítoco e da sociedade brasileira. Já afirmei em postagens anteriores que a "gospelândia" que há menos de uma década atrás apresentava-se como um projeto político, já deixou de ser projeto.

A Gospelândia não é mais um pesadelo, porque ela já é uma realidade com cor, forma, tamanho e sobretudo, líderes. adquire consistência e materialidade física e jurídica através do Congresso nacional.

A cada dia, o centro da vida política do país se desloca da Ágora, para o Púlpito.

A existência de nossa moderna democracia só foi possível por ter existido lá em seus primórdios, um espaço de discussão civil, justamente, a ágora. Nela, os cidadãos exerciam o seu direito à voz. Pontos de vista divergentes eram postos à prova por seus debatedores e argumentadores que aí tinham a oportunidade de fazer vencer suas teses.

O púlpito é o oposto da ágora. É onde um líder pretensamente ungido fala sozinho pelo tempo necessário a produzir uma catarse no público.

O problema destes supostos líderes é que eles não se contentam com o público de suas igrejas. Sentem-se capazes de ditar as normas da vida civil do país. (Bom dia, fundamentalistas!).

É o caso de Malafaia. Após produzir a catarse hipnótica nas ovelhas que zelosamente tosquia dia após dia, sente-se capaz de voos mais altos. Por isso intromete-se descaradamente na vida política do país.

Boechat está coberto de razão quando afirmou que "no âmbito das igrejas neopentecostais tem acontecido incitação ao ódio e á intolerância religiosa, mais do que em outros ambientes".

Há vídeos que comprovam isso. Pregações religiosas que incitam os fiéis a atacar membros das religiões afro-brasileiras e destruição de imagens católicas. Há vídeos inclusive protagonizados por Marco Feliciano. Em um deles, um pastor não apenas incita o ataque às imagens como ainda reforça a ideia de que o fiel que seja preso e penalizado por tal ato, seria recompensado por estar sendo preso "por amor à Jesus". Para reforçar o efeito dramático, o pastor beija algemas imaginárias num púlpito para centenas de pessoas. Se isso não é incitação à intolerância, o que é então? Esse é o caminho seguro para um estado fundamentalista: a "República da Gospelândia"

Depois de nos acostumarmos com as notícias de ataques a templos e imagens a novidade agora parece ser agressões a pessoas também. Quando nos acostumarmos a isso, não mais nos importaremos que figuras como Malafaia decidam o destino da vida social do país.

Cada vez menos importa o debate entre juristas para definir, por exemplo, questões como a maioridade penal. Isto está sendo decidido nos púlpitos de templos e igrejas, para somente depois ir à ágora, que cada vez mais perde seus espaço de debate, para apenas referendar o que já foi incutido na cabeça das ovelhas pelos seus pastores.

E se existe hoje dentro do meio evangélico vozes contrárias à tragédia que se anuncia, é bom que comecem a falar e se expressar, a saírem do púlpito e virem a ocupar o espaço público da ágora e questionar estes supostos líderes que se arvoram ao papel de "porta-vozes" de todos evangélicos. Se estes não forem questionados "de dentro", continuarão suas pregações fundamentalistas até que toda "ágora" seja apenas uma extensão do seu "púlpito".

Caso resolvam se calar e deixar "o barco correr" é bom que estejam preparados para depois, ocuparem o mesmo lugar na história ocupado pelos alemães que, mesmo não sendo nazistas, deixaram a serpente crescer no jardim de suas casas.








terça-feira, 9 de junho de 2015

Vistamos a irracionalidade de amor

O episódio do Boticário já cantado e decantado em versa e prosa, me levou a algumas reflexões e a pelo menos duas conclusões.
A primeira é de que resultou em uma vitória sem precedentes sobre o dito “movimento evangélico”, ou mais precisamente, sobre a parte dele que é capitaneada pela banda podre desta imensa comunidade evangélica. Comunidade que, diga-se de passagem, reagiu de maneiras diferentes ao episódio, tornando mais evidente algo que já se sabia: nem todo evangélico é “Malafaia”. Pior para ele, que se portava como espécie de porta voz desta comunidade. Perdeu liderança dentro do movimento.
A participação de evangélicos na “Marcha par Jesus” em São Paulo, certamente é mais um demonstrativo de que uma parcela cada vez maior de evangélicos, busca se distanciar da pecha de “homofóbica” e que rejeita a suposta liderança de Malafaia, Cunha e companhia bela.
Tenho lido com satisfação, vozes dissonantes de teólogos protestantes (ou seriam “evangélicos”?) que conseguem se contrapor aos discursos totalitários destes barões midiáticos do movimento evangélico. Quero crer que estes teóricos tenham conseguido se fazer ouvir por uma parcela importante da comunidade evangélica, talvez apenas lembrando o óbvio da mensagem da “boa nova” uma redenção para todos através do amor incondicional. Ora, se o amor é incondicional, não faz sentido pensar em um amor seletivo apenas para “escolhidos” que de preferência, recolham dízimo.
Não diria que foi apenas uma vitória dos homossexuais sobre este “movimento”. Diria que foi uma vitória da lógica sobre a irracionalidade.
Malafaia ao sugerir o boicote ao boticário, expôs a irracionalidade de sua aparente lógica. De fato, pelo mesmo motivo a comunidade evangélica por “coerência” seria “obrigada” a rejeitar o próprio mundo em que vivemos hoje, com destaque à Alan Turing um dos principais responsáveis pelo advento do computador. Ele próprio um homossexual que sofreu perseguições inimagináveis nos tempos de hoje, mas sobretudo um cientista e matemático brilhante que nos legou uma das maiores “bênçãos” do mundo moderno.
Antes que os ateus militantes e cientificistas toquem suas trombetas, faço a ressalva, em boa hora, que sem irracionalidade, tampouco haveria amor também. Sem amor, sem dia dos namorados, sem dia dos namorados, sem propaganda do boticário.
Não senhores, a lógica sozinha não “salva”. Pelo contrário: é na razão insensível que se encontram algumas das mazelas de nosso mundo. O poder do comercial reside justamente na sensibilidade com que tratou o tema.
Proponho portanto, um brinde: Neste Dia dos Namorados brindemos à irracionalidade vestida não de ódio e segregação, mas do amor e da paixão em todas as cores. Afinal, eu também tenho a minha.
...
Opa... tava tão bom que eu ia me esquecendo do resto. Culpa de uma morena.
Vamos à segunda conclusão.

A dois passos da “gospelândia”

A aprovação do projeto de lei que amplia ainda mais o benefício de imunidade tributária aos pastores foi mais uma demonstração de que, parafraseando a música da Blitz dos Anos 80 “estamos a dois passos da ‘gospelândia’ ”, estamos cada vez mais próximos do fim de um estado laico de direito.
Para quem ainda não sabe, a “Gospelândia”, é uma alcunha para uma espécie de “reino dos escolhidos” que virá em substituição ao estado laico. Este reino, não será encantado, mas pelo contrário, totalmente desencantado, porque encanto não é coisa de deus e se não é de deus, é pecado e o pecado não entra na Gospelândia: o reino dos escolhidos.
A “Gospelândia” é a falência, o fracasso do estado laico. Um estado que permanecerá apenas nominalmente laico, mas que deverá perder cada vez mais espaço para uma concepção religiosa específica, pois em torno dela se agregam todos os medos. É o “nazi-fundamentalismo”, um bunker contra as mudanças trazidas pelos ventos da contemporaneidade.
A “Gospelândia” é a realização suprema da frase que nos é esfregada na cara quando entramos em uma cidade e nela está estampada a frase “Cidade tal é do Senhor Jesus”.
Na sua célebre exortação “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”, o pastor Ricardo Gondim captou a essência da frase: não há aí uma preocupação genuinamente “espiritual” de salvação, mas um projeto político pernicioso, totalitarista que pretende submeter não apenas a política do estado, mas a cultura, a arte e o comportamento civil do país.
Com Cunha à frente deste projeto, a “Gospelândia” toma corpo, cor e forma. Não é mais apenas um fantasma na cabeça de teólogos e pastores descontentes como Gondim: é agora fato consumado pelo legislativo e sancionado pelo executivo.
Não é a uma democracia capenga como a nossa que fará frente ao “Triunfo da Vontade” de milhões de crentes. Aliás, democracia alguma faz frente. Weimar não fez frente à Hitler e não será a nossa que o fará. Quando se forma uma maioria, esta é esmagadora.
Mas mesmo nessa nossa histriônica republiqueta, também há limites para a “Gospelândia”.
E os limites são impostos pelo capitalismo. Este sim é o terreno sagrado que não pode ser maculado por Malafaia, e nem por ninguém.
A lógica (ou seria dogma?) do capitalismo diz que homossexuais são consumidores e é por esta razão que merecem respeito. Malafaia pecou contra o sacro-santo princípio do capitalismo ao propor boicote. É por isso que não vai pro céu.
Capitalismo e Protestantismo são duas cabeças da mesma cobra. É impossível distinguir qual é o criador e qual é a criatura.
Mas é o Capitalismo que dá as regras deste mundo. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Ideólogos embandeirados defendendo suas teses cinzentas não são capazes de perceber a sutil ironia. Somente a leveza de um sufi pode apreciar a visão de uma cobra comendo a si mesma. E dançar ao seu redor.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Charlie, Charlie - Respeitem os espíritos. E os espíritas

Estava relutante em escrever sobre o tal assunto: "Charlie, Charlie".

Mas há um momento em que não é mais possível se furtar sobre determinado tema, principalmente quando este passa perigosamente a ser usado como mais um instrumento de discriminação religiosa nas escolas.

O fato do assunto ter se tornado pauta na imprensa, não deveria ser motivo de surpresa, princialmente nesta semana em que a revista de maior circulação no país escolhe o OVO como matéria principal de sua edição na mesma semana em que houve o escândalo dos dirigentes da CBF e as manobras de Cunha no Congresso.

Pelo ponto de vista comportamental, o assunto já virou pauta.

A questão é portanto, como abordar o tema, sem ser piegas, sem cometer achismos e principalmente, sem cometer preconceito religioso.

Na internet, já circulam inúmeros posts explicando que o tal "Charlie, Charlie" não passaria de uma jogada de marketing do filme "A Forca".

Poderia escrever falando sobre a vocação maldita do cinema de hollywood em legitimar preconceitos de toda ordem, incluso aí os de ordem religiosa. Mas precisaria fazer outra postagem para tanto.

O tal "Charlie, Charlie", ainda que possa ser fruto de uma jogada de marketing, não é mais do que uma derivação empobrecida da Tábula Ouija, assim como é também a famosa "Brincadeira do Copo".



Dito isto, seria preciso dizer quais as explicações possíveis para este fenômeno.

Há pelo menos três.

A primeira delas nos fala do efeito ideomotor, em suma, as pessoas moveriam estes objetos (copo, caneta e etc) de maneira involuntária e inconsciente, possibilitando tais especulações.

A segunda delas, é a radiestesia. Críticos do efeito ideomotor buscam explicações através do eletromagnetismo e de mudanças na percepção que ainda assim não seriam necessariamente, sobrenaturais.

 A terceira delas é a explicação espiritualista, na qual de fato espíritos dos mortos poderiam se comunicar através destes instrumentos.

É importante fazer a seguinte ressalva: O códice espírita kardecista não aprova tais práticas. Em O Livro dos Médiuns, Alan Kardek afirma que este tipo de prática seria mais propícia a atrair espíritos zombeteiros e levianos.

Sobre isto, vivenciei uma situação na minha adolescência que foi deveras instrutiva, e que gostaria de compartilhar por meio desta postagem.

Tinha por volta de 16 anos de idade e na escola de ensino médio que frequentava surgiu a tal "brincadeira do copo". Para quem não conhece a brincadeira, ela segue os mesmos princípios da tabula Ouija: as letras do alfabeto dispostas em circulo e as palavras sim e não. Os participantes colocam seus dedos em cima do copo e passam a fazer perguntas. O copo então se move na direção das letras e das palavras sim e não, respondendo às perguntas.





Fizemos a tal "brincadeira" algumas vezes. Lembro-me que havia uma sequência de perguntas iniciais. - Tem alguém aí? - Você é um espírito de luz?

Em uma destas ocasiões após as duas respostas afirmativas do "copo", tiveram início uma série de respostas desconexas, gerando conflito entre os participantes que passaram a acusar um ao outro de estarem manipulando o copo de acordo com sua vontade.

Foi então que um dos participantes falou:

- Gente, se ele fosse um espírito de luz, nós não estaríamos brigando.

E nesse momento, o copo realmente parou de se mover

Na terceira e última vez que participei da tal "brincadeira", após responder afirmativamente às duas perguntas iniciais, o copo não mais se movia. Foi quando então algum de nós resolveu perguntar.

- O que você quer que a gente faça?

O Copo então começou a se mover na direção das letras E, depois um S, depois um T, depois um U, depois um D... então quando a palavra se tornou óbvia, alguém disse:

E-S-T-U-D-A-R

E o copo não mais se moveu.

Na ocasião interpretei o ocorrido de duas maneiras. A primeira que aquele deveria ser de fato um espírito de luz, que não queria nos fazer perder tempo com tais bobagens e nos mandava para algo mais produtivo; Estudar.

A segunda, é de que se realmente eu tivesse interesse em conhecer tais fenômenos, também deveria, estudar.