O episódio do Boticário já cantado e decantado em versa e
prosa, me levou a algumas reflexões e a pelo menos duas conclusões.
A primeira é de que resultou em uma vitória sem precedentes
sobre o dito “movimento evangélico”, ou mais precisamente, sobre a parte dele
que é capitaneada pela banda podre desta imensa comunidade evangélica.
Comunidade que, diga-se de passagem, reagiu de maneiras diferentes ao episódio,
tornando mais evidente algo que já se sabia: nem todo evangélico é “Malafaia”.
Pior para ele, que se portava como espécie de porta voz desta comunidade.
Perdeu liderança dentro do movimento.
A participação de evangélicos na “Marcha par Jesus” em São
Paulo, certamente é mais um demonstrativo de que uma parcela cada vez maior de
evangélicos, busca se distanciar da pecha de “homofóbica” e que rejeita a
suposta liderança de Malafaia, Cunha e companhia bela.
Tenho lido com satisfação, vozes dissonantes de teólogos
protestantes (ou seriam “evangélicos”?) que conseguem se contrapor aos
discursos totalitários destes barões midiáticos do movimento evangélico. Quero
crer que estes teóricos tenham conseguido se fazer ouvir por uma parcela
importante da comunidade evangélica, talvez apenas lembrando o óbvio da mensagem
da “boa nova” uma redenção para todos através do amor incondicional. Ora, se o
amor é incondicional, não faz sentido pensar em um amor seletivo apenas para “escolhidos”
que de preferência, recolham dízimo.
Não diria que foi apenas uma vitória dos homossexuais sobre
este “movimento”. Diria que foi uma vitória da lógica sobre a irracionalidade.
Malafaia ao sugerir o boicote ao boticário, expôs a
irracionalidade de sua aparente lógica. De fato, pelo mesmo motivo a comunidade
evangélica por “coerência” seria “obrigada” a rejeitar o próprio mundo em que
vivemos hoje, com destaque à Alan Turing um dos principais responsáveis pelo
advento do computador. Ele próprio um homossexual que sofreu perseguições
inimagináveis nos tempos de hoje, mas sobretudo um cientista e matemático
brilhante que nos legou uma das maiores “bênçãos” do mundo moderno.
Antes que os ateus militantes e cientificistas toquem suas
trombetas, faço a ressalva, em boa hora, que sem irracionalidade, tampouco
haveria amor também. Sem amor, sem dia dos namorados, sem dia dos namorados,
sem propaganda do boticário.
Não senhores, a lógica sozinha não “salva”. Pelo contrário:
é na razão insensível que se encontram algumas das mazelas de nosso mundo. O
poder do comercial reside justamente na sensibilidade com que tratou o tema.
Proponho portanto, um brinde: Neste Dia dos Namorados
brindemos à irracionalidade vestida não de ódio e segregação, mas do amor e da paixão
em todas as cores. Afinal, eu também tenho a minha.
...
Opa... tava tão bom que eu ia me esquecendo do resto. Culpa
de uma morena.
Vamos à segunda conclusão.
A dois passos da
“gospelândia”
A aprovação do projeto de lei que amplia ainda mais o
benefício de imunidade tributária aos pastores foi mais uma demonstração de
que, parafraseando a música da Blitz dos Anos 80 “estamos a dois passos da
‘gospelândia’ ”, estamos cada vez mais próximos do fim de um estado laico de
direito.
Para quem ainda não sabe, a “Gospelândia”, é uma alcunha
para uma espécie de “reino dos escolhidos” que virá em substituição ao estado
laico. Este reino, não será encantado, mas pelo contrário, totalmente
desencantado, porque encanto não é coisa de deus e se não é de deus, é pecado e
o pecado não entra na Gospelândia: o reino dos escolhidos.
A “Gospelândia” é a falência, o fracasso do estado laico. Um
estado que permanecerá apenas nominalmente laico, mas que deverá perder cada
vez mais espaço para uma concepção religiosa específica, pois em torno dela se
agregam todos os medos. É o “nazi-fundamentalismo”, um bunker contra as
mudanças trazidas pelos ventos da contemporaneidade.
A “Gospelândia” é a realização suprema da frase que nos é
esfregada na cara quando entramos em uma cidade e nela está estampada a frase
“Cidade tal é do Senhor Jesus”.
Na sua célebre exortação “Deus nos Livre de um Brasil
Evangélico”, o pastor Ricardo Gondim captou a essência da frase: não há aí uma
preocupação genuinamente “espiritual” de salvação, mas um projeto político
pernicioso, totalitarista que pretende submeter não apenas a política do
estado, mas a cultura, a arte e o comportamento civil do país.
Com Cunha à frente deste projeto, a “Gospelândia” toma
corpo, cor e forma. Não é mais apenas um fantasma na cabeça de teólogos e
pastores descontentes como Gondim: é agora fato consumado pelo legislativo e
sancionado pelo executivo.
Não é a uma democracia capenga como a nossa que fará frente ao
“Triunfo da Vontade” de milhões de crentes. Aliás, democracia alguma faz
frente. Weimar não fez frente à Hitler e não será a nossa que o fará. Quando se
forma uma maioria, esta é esmagadora.
Mas mesmo nessa nossa histriônica republiqueta, também há
limites para a “Gospelândia”.
E os limites são impostos pelo capitalismo. Este sim é o
terreno sagrado que não pode ser maculado por Malafaia, e nem por ninguém.
A lógica (ou seria dogma?) do capitalismo diz que
homossexuais são consumidores e é por esta razão que merecem respeito. Malafaia
pecou contra o sacro-santo princípio do capitalismo ao propor boicote. É por
isso que não vai pro céu.
Capitalismo e Protestantismo são duas cabeças da mesma
cobra. É impossível distinguir qual é o criador e qual é a criatura.
Mas é o Capitalismo que dá as regras deste mundo. Manda quem
pode, obedece quem tem juízo.
Ideólogos embandeirados defendendo suas teses cinzentas não
são capazes de perceber a sutil ironia. Somente a leveza de um sufi pode
apreciar a visão de uma cobra comendo a si mesma. E dançar ao seu redor.
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