sábado, 29 de março de 2014

Daniel, um produtor

Coalhada, Leite de cabra e derivados, doces e bolos artesanais, frutas de época.

Com um chapéu de vaqueiro e uma “guampa”de tereré na mão, um sujeito simpático com sotaque interiorano que atende  pela alcunha de Daniel “Cowboy” mostra com orgulho a sua produção familiar.
Ou melhor, o que restou dela depois que consumidores ávidos por produtos orgânicos levaram a maior parte.

“A coalhada e o queijo de cabra acabaram. Temos ainda pamonha de forno, bolo de macaxeira, beléu, tudo feito com ovos caipira”, conta.  

Com sua produção diversificada, Daniel poderia estar na Feira do Produtor Orgânico no Parque da Água Branca em São Paulo, mas está no Mercado do Produtor em Cruzeiro do Sul.

Na sua fazendinha, na Estrada no Canela Fina, Daniel cria cerca de 100 cabeças de caprinos e possui ainda outras 70 cabeças de gado bovino leiteiro, divididos em duas propriedades.

Goiano vivendo há 36 anos no Juruá e casado com uma cruzeirense, Daniel   produz leite de gado e de cabra em uma área de 40 hectares. “Eu preservo as APP`s e reservas legais da minha área total que é de 90 hectares. Não uso nenhum tipo de agrotóxico e a produção é satisfatória ”. A experiência de Daniel prova que não sãos as famigeradas “leis ambientais” que impedem a produção e ainda que é possível produzir de forma competitiva sem se render ao paradigma da agroindústria.

O segredo está não apenas na produção mas também na comercialização familiar. Esposa, filho, nora e cunhadas participam das vendas fazendo o contato direto com os fregueses.

Daniel não tem queixa de falta de apoio por parte do poder público.
“Da parte do governo, recebemos apoio do programa  Balde Cheio. Tive dois hectares mecanizados e calcariados. onde eu criava uma vaca por hectare, vou poder criar de quatro a até seis cabeças. Eles também dão assistência técnica. Basta ligar e vai um técnico na minha propriedade.”

Da parte da prefeitura, a mesma satisfação.

“A prefeitura também mecanizou uma área e o prefeito Vagner nos incentivou a trazer nossa produção para cá”, explica.

Apesar do jeito interiorano, a sistema de produção de Daniel representa hoje uma tendência contemporânea: produção orgânica e familiar e venda direta ao consumidor.

Isto acontece porque muitos produtores perceberam que a produção para a agroindústria, não deixa de certa, à sua maneira, uma “tirania” sobre a terra. Produtores engajados nos grandes mercados estão à mercê da agroindústria desde à compra de sementes e insumos, passando pela exigência de padrões cada vez mais rigorosos e sujeitos à endividamentos, caso a o clima e a natureza não funcionem como nas planilhas.  

A modalidade orgânica da agricultura tem se revelado vantajosa nas duas pontas: consumidores adquirem um produto saudável, enquanto produtores tem mais liberdade para trabalhar a suas propriedades de acordo com suas potencialidades e disponibilidade de mão-de-obra, água, sementes e adubos orgânicos, diminuindo sua dependência das grandes empresas e bancos.

Será que nós, consumidores acreanos, vamos primeiro “sabotar” a produção regional, comprando apenas das grandes redes de supermercados, para somente depois descobrir o valor e a importância desta produção?

*A propriedade de Daniel está localizada na Estrada do Canela Fina, próximo à entrada da UFAC.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Crise = Perigo & Oportunidade

Instalada a crise de abastecimento no estado (mais precisamente Rio Branco, já que em Cruzeiro do Sul não falta nem danoninho), a sociedade se divide entre aqueles que olham perplexos para s prateleiras vazias e lamentam tentando achar um culpado, e aqueles que buscam tentar entender por que chegamos a tamanho grau de dependência externa.

Talvez uma resposta adequada não seria de como chegamos a esta dependência, mas por que permanecemos nela após mais de cem anos.

Afinal, o Acre nasceu sob o signo desta dependência. Só existimos enquanto espaço integrado à geografia nacional por produzir borracha para o mercado externo. Em outras palavras: ninguém veio ao Acre para produzir comida, mas para produzir borracha, e comprar alimentos é parte desta relação.

O mesmo se deu em outras partes do Brasil, em outros momentos de nossa longa história colonial. No Nordeste, enquanto os solos mais ricos eram usados para produção de cana-de-açúcar para exportação, a produção de alimentos era legada a regiões “menos importantes” a grupos familiares com menos recursos.

Em Minas Gerais, durante o Ciclo do Ouro, a produção de alimentos foi delegada aos paulistas, expulsos da rica região das minas após terem sido derrotados na guerra dos emboabas.

A mesma paulicéia teve, mais tarde, de deixar em segundo plano a produção de alimentos para se curvar ao café.

Hoje quem dá as cartas no Centro-Oeste é a soja, e se engana quem imaginar que não existe ali, também uma dependência de alimentos oriundos de outras regiões.

Quem vê as prateleiras vazias logo se pergunta: e onde está a nossa produção regional?

Basta dar uma olhada do lado de fora dos supermercados. Nossa produção regional está nos mercados municipais e dos “colonos”, em barracas improvisadas com guarda-sóis, em isopores e na caçamba de pampas e saveiros.

Frutas, verduras e legumes, aves, ovos além de produtos extrativos como açaí, buriti e pupunha. Com alguma sorte podemos também encontrar leite e derivados e para minha surpresa, até mesmo linguiça suína.

É preciso um pouco de paciência para entender que a lógica de produção agroindustrial é totalmente diferente da diversificada produção familiar.

A agroindústria depende de uma produção especializada e uniformizada que exige dedicação integral, muitas vezes, a uma única cultivar.

Quem por exemplo produz batata do tipo “bintje” que será usada para fazer aquelas famosas fritas industrializadas, não dispõe de tempo, dinheiro ou mão-de-obra para produção diversificada. Ou seja, se sua propriedade ficar isolada, provavelmente faltarão itens básicos.

Por vezes esta especialização atinge regiões inteiras, aumentando a dependência externa.

A diversificada produção familiar segue outros parâmetros. É a produção que irá para as feiras livres e mercados.


E é exatamente esta a produção que vem sendo negligenciada, não apenas pelos governos, mas também pelos consumidores, simplesmente por ficar de fora da cadeia produtiva que atende os supermercados.

A regra começa a mudar. De olho na mudança de preferência dos consumidores, muitos supermercados estão adotando em suas gôndolas um espaço dedicado à agricultura orgânica.
E o que é a agricultura orgânica senão a agricultura familiar sem agrotóxicos? Em nossa região, a maior parte do que é produzido bem poderia receber selo de produto orgânico, simplesmente porque os produtores da região não dispõem de recursos para adquirir tais insumos.
Talvez esta propalada crise seja também uma grande oportunidade para que possamos repensar as cadeias produtivas e de consumo. 

Não se trata nem de longe de impor alimentação “natureba” como querem alguns.

A produção familiar bem pode fornecer carne, ovos, frango e até suínos e derivados, se for pensada adequadamente, não apenas a “porteira pra dentro”, mas principalmente a “porteira para fora”. 

* O ideograma chinês para crise é composto de dois ideogramas, significando conjuntamente risco(ou perigo) e oportunidade.  

domingo, 23 de março de 2014

Indígenas, estudantes e professores manifestam preocupação com Petróleo no Juruá

Entre os dias 19 e 21 de março o CIMI (Conselho Indigenista Missionário- Ligado à CNBB) promoveu um encontro em Cruzeiro do Sul-Ac para tratar da temática do Petróleo na região. 
O bloco AC-T8 arrematado em leilão pela Petrobrás localiza-se cerca de 10 metros da Terra Indígena Nukini, e 30 mts da TI Puyanauá.
Além dos indígenas o encontro teve a presença de professores e estudantes universitários e secundaristas que também manifestaram preocupação com os impactos não apenas ambientais, mas também econômicos e sociais na qualidade de vida de Cruzeiro do Sul região.

Leia abaixo a Carta-manifesto produzida durante o encontro. 


“O petróleo é nosso”! Deixem-no na terra! 
Fora da Amazônia, petroleiras!

Nós, povos da floresta do Vale do Juruá, reunidos no Seminário “Petróleo, você compra a natureza é quem paga: Vale do Juruá, construindo alternativas”, organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e realizado de 19 a 21 de março de 2014, viemos manifestar nossa prioridade de defender a todo custo a vida, estando portanto preocupados com a exploração de petróleo e gás na nossa região, bem como com a implementação de projetos de pagamentos por serviços ambientais, a exemplo do REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal).

Depois de debatermos e trocarmos experiências e opiniões não apenas entre os povos da floresta, mas com universitários, estudantes de Ensino Médio e representantes de movimentos sociais localizados na cidade, pudemos perceber que, ao contrário do que nos tem sido passado, o chamado ‘desenvolvimento sustentável’ tem contribuído significativamente para a degradação não apenas do meio em que vivemos, como dos nossos modos de vida, excluindo-nos de participação efetiva nesses processos. Os “Plano (s) de Manejo Florestal Sustentável” nos servem como claro exemplo da falência deste conceito, ao reprimir e criminalizar os povos da floresta, enquanto de fato barganham seus meios de subsistência, pois entrega os bens naturais para consumo das sociedades industrializadas, em troca do lucro de poucos empresários.

É preciso compreender que serviços básicos de assistência aos povos da floresta são de inteira responsabilidade do Estado, tal como garante nossa legislação. Estes serviços nos estão sendo oferecidos como moeda de troca por tais projetos. Representantes do governo e instituições privadas condicionam a realização daquilo que já é do nosso direito à nossa aceitação de tais projetos.

Após tomarmos conhecimento das consequências desastrosas e irresponsáveis da exploração petroleira em outros lugares da Amazônia, como Bolívia, Peru e Equador (Parque Nacional Yasuni), entendemos que a vida na floresta está iminentemente ameaçada nos seus alicerces, uma vez que o risco mais evidente é a contaminação das nossas nascentes, o que afetaria drasticamente a vida de todos os seres não apenas da região amazônica, mas de todo o mundo. 

É evidente que a riqueza da floresta não apenas foi preservada, mas foi produto de uma coevolução com os povos que originalmente nela habitaram. Até muito pouco tempo, éramos autossuficientes e não necessitávamos da produção capitalista. Hoje, pouco nos beneficiamos dos artigos oriundos deste modo de produção. Ao contrário, somos vítimas de discursos que nos desqualificam enquanto aqueles que cuidam do próprio espaço: ou significamos entraves para o progresso (no caso da exploração petroleira) ou nos tornamos possíveis destruidores da biodiversidade vendida como mercadoria (no caso do REDD). Os discursos ignoram completamente nosso modo de vida, porque trazem um modelo sabidamente fracassado de progresso, que beneficia grupos cada vez menores, detentores do grande capital e porque numa lógica inversa, mas igualmente perversa, se arrogam de especialistas da biodiversidade, minando nossos saberes e vivência, ao impor um modelo trazido pronto.

Tendo por base os parágrafos 6 e 7 da Convenção 169 da OIT, que confere aos povos indígenas e tribais a consulta, “mediante procedimentos apropriados” e “o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”, consideramos ilegítima a implementação de obras que viabilizarão a exploração do petróleo no Vale do Juruá, assim como a criação da Lei 2308, de 22 de outubro de 2010, que cria o Sistema Estadual de Incentivos por Serviços Ambientais (Lei SISA). Tivemos nossos direitos violados e exigimos revisão imediata desse processo, pois o que se chama de consulta, não atendeu aos critérios estabelecidos pela mencionada Convenção.

Queremos ainda reiterar o posicionamento presente na Carta do Acre, de 11 de outubro de 2011 e a Carta da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA, que, tal como nosso manifesto, rechaçam o modelo desenvolvimentista com suas falsas soluções da Economia Verde. 

Dado que nossas lutas históricas foram as únicas responsáveis pelas conquistas que tivemos até hoje, nós, os povos da floresta, nos comprometemos a firmar aliança coletiva, para o enfrentamento deste modelo de morte, que vem invadindo nossos espaços de vida. 

Desta forma, nos posicionamos veementemente contra a exploração petroleira tanto no Vale do Juruá, quanto em toda a Pan Amazônia, por entendermos que os grupos afetados não estão restritos à floresta, mas aos núcleos urbanos e todas as áreas presentes nas proximidades deste ecossistema. Queremos convocar toda a sociedade do Vale do Juruá, que certamente será afetada por uma exploração que apenas retirará nossas riquezas e trará transformação daquilo que temos de mais precioso: o nosso modo de vida ainda bastante diverso dos grandes centros insustentáveis. 

Participantes: Lideranças dos povos Apolima-Arara do Amônia; Ashaninka do Breu; Huni kuin do Breu, do Jordão e do Envira; Nawa e Nukini do Môa; Shawandawa do Cruzeiro do Vale; Katukina; Jaminawa Arara do Bagé e Igarapé Preto; Jaminawa do Bagé; Apurinã do Purus-AM; Marubo do Ituí-AM; Ribeirinhos do Val-Paraíso; CIMI; Diocese de Cruzeiro do Sul; CPT de Cruzeiro do Sul; estudantes universitários e secundaristas, professores; agentes de pastorais; jornalistas e membros da sociedade civil organizada.

Cruzeiro do Sul, 21 de Março de 2014

sábado, 22 de março de 2014

Cansado dos impostos e leis trabalhistas do Brasil? Vá para o Peru!

Uma rápida conversa com um amigo peruado radicado no Brasil atualizou-me sobre o andamento geral do governo Ollanta Humala no Peru. Não precisaram 30 segundos de conversa, para que ele, de pronto afastasse qualquer sinal do antes ”perigo vermelho” representado pelo militar serrano que venceu as últimas eleições presidenciais.

-Aumentaram as “inversiones” (investimentos) de capital estrangeiro no país. Por este lado está bem. Para quem tem dinheiro, o Peru está muito bem. Já para quem tem apenas o seu trabalho...

Isso é fato observável. Basta sair um milímetro das rotas turísticas proporcionadas pelas riquezas arqueológicas e naturais país para se perceber as incríveis contradições do país andino.
Poderíamos começar por Machu Pichu. De longe o destino turístico mais importante do país. Visitado anualmente por até dois milhões de turistas, é explorado por empresas estrangeiras das mais diferentes formas.

Os principais hotéis, restaurantes, empresas de transporte, locadoras de carros, motos ou bicicletas, pertencem a normalmente a estrangeiros. Aos peruanos cabe carregar bagagens, arrumar as camas, servir o café, almoço e jantar dos visitantes.
As taxas tributárias permanecem atrativas mesmo com o “vermelho” Ollanta na presidência. Mas o “melhor” de tudo não é isso. Não há leis trabalhistas. De modo que se o empregador, por algumas razão não quiser mais um funcionário, ou todos eles, poderá demiti-lo(s) sem qualquer ônus trabalhista e ainda dispor de um farto mercado de trabalho de desempregados e sub-empregados como mão-de-obra. Um verdadeiro paraíso.

- Se o dono da empresa quiser demitir 100 funcionários, ele faz, sem problema algum e contrata outros cem, com a mesma facilidade. Por isso que os estrangeiros gostam de investir no Peru. Quando se fala em aprovar leis trabalhistas, eles ameaçam a economia do país, dizendo que vão se retirar. E tudo continua o mesmo.

O resultado da baixa carga tributária também é muito promissor para o capital estrangeiro, mas totalmente danoso à sociedade peruana.

- Quando minha mulher engravidou, pedi a Deus que não fosse cesárea, por que uma cesariana, em HOSPITAL PÚBLICO custa o equivalente a 1.800 reais.

Também são bastante curiosas as leis previdenciárias do país. Quem tiver a sorte de trabalhar com registro e recolher imposto a vida toda, poderá se aposentar com o equivalente a cerca de 300 reais mensais. Quem não tiver esta sorte, pode recorrer ao estado através de um “atestado de pobreza” e quem sabe, conseguir uma ajuda de custo para a compra da cesta básica.

Que meus amigos peruanos não entendam mal este texto. Amo de paixão o país vizinho, e se escrevo estas linhas é sobretudo pelo amor e carinho que adquiri pelos povo peruano em inúmeras viagens, e pelo desejo de que as gerações futuras de peruanos possam desfrutar das muitas riquezas representadas na cornucópia presente na bandeira peruana .

De volta ao Brasil, lembrei-me das longas noites na varanda de meu avô: agricultor, operário e pescador, que com brilho nos olhos lembrava-se da aprovação das CLTs brasileiras, lá pelos anos 30, pelo mitológico Getúlio Vargas (“façamos a revolução antes que o povo a faça”, era um das frases do “pai dos pobres”).

Nunca me senti tão grato pelas nossas “antiquadas leis trabalhistas” e “ultrapassados sindicatos” que meu avô ajudou a construir.


Mas, se você é um daqueles que acha que o problema todo do Brasil é a alta carga tributária e as leis trabalhistas, fica a dica: Vá para o Peru. E reze para que tarde o dia em que o povo peruano irá tornar-se dono de seu destino e de suas riquezas.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Falta de regularização fundiária é obstáculo à agricultura familiar

Por ocasião da entrevista, Zeca também comentou sobre o alto preço da farinha de mandioca e sobre os programas dos governos federal, estadual e municipal para a agricultura familiar.
“A produção de farinha caiu muito, e com a estrada, aumentou o mercado consumidor. Hoje dois ou três agricultores podem fretar um caminhão e levar a farinha para vender em Rio Branco”.
Zeca atribui a queda na produção, ao impedimento de se poderem desmatar novas área de floresta. “Área de floresta virgem quando derrubadas produzem até 200 sacas de farinha por hectare. Áreas de capoeira produzem apenas 75 sacas.”
Segundo Zeca, prefeitura (neste caso, Mâncio Lima) e governo do estado têm enviado cada qual uma máquina para “aradagem” da terra.
Por parte do governo do estado, sua propriedade foi beneficiada com calcário desde 2012.
“Com o calcário podemos produzir até 175 sacas/há, sem ter o trabalho de desmatar e queimar. Isso por quatro anos consecutivos.”

Desfazendo mitos

Beneficiário do programa Bolsa Família, Zeca nem de longe se parece com a caricatura de brasileiro indolente e preguiçoso popularizada sobretudo nas redes sociais.
Evangélico e pai de quatro filhos, sua esposa recebe 390 reais mensais do programa, que têm sido de grande ajuda sobretudo nos períodos de entressafra. A dificuldade de escoamento da produção durante o período chuvoso obriga a estocar o produto durante meses, tornando a renda familiar perto de zero naqueles meses.
Além do óbvio Bolsa Família, Zeca também foi beneficiado com o Programa Luz para Todos e será em breve contemplado com o PNHR (Minha Casa, Minha Vida).
Segundo Zeca, a maior parte dos produtores vem sendo beneficiada com o PRONAF B, microcrédito rural que não necessita de comprovação de título de propriedade para ser acessado.

Contudo, justamente pela falta de regularização fundiária, a maior parte das famílias não têm acesso aos programas de financiamento que poderiam resultar em um aumento mais significativo da produtividade, como na aquisição de implementos e insumos agrícolas.
Segundo Zeca, das 350 famílias de agricultores do Alto Pentecostes, apenas 37 detém título de propriedade, sendo os demais apenas posseiros, sem grandes garantias à produção ou mesmo à permanência na terra.

"Se o povo da cidade pode protestar, porque nós não podemos?" questiona líder rural

Nesta sexta-feira, tive a oportunidade de entrevistar "Zeca do Alto Pentecostes" dos líderes do movimento que fechou a rodovia estadual AC 405 entre quarta e quinta-feira desta semana.
O movimento tinha por objetivo, cobrar do governo do estado, um compromisso para que o ramal do pentecostes fosse asfaltado este ano. Segundo documento apresentado, com a assinatura de seis lideranças, desde 2012 os trabalhadores rurais veem lutando pelo asfaltamento dos 12 km do ramal, um dos mais populosos e produtivos da região.
O saldo foi positivo: na quinta-feira o vice-governador César Messias comprometeu- se em destinar sete milhões de reais para o asfaltamento do ramal.

Direito à Voz

O principal objetivo da vinda de “Zeca” do Alto Pentecostes foi contudo defender o direito á manifestação por parte dos trabalhadores rurais. Na quarta-feira houveram desentendimentos entre manifestantes e pessoas que se dirigiam ao aeroporto internacional para embarcar, culminando com lesões corporais leves em um professor que tentou passou pela barreira.
Desde então choveram críticas ao movimento dos trabalhadores nas redes sociais, associando a ação a atos de “vandalismo”. Houve também a suspeitas de que o movimento havia sido patrocinado por grupos políticos contrários ao atual governo.
Zeca do Pentecostes defendeu os trabalhadores rurais:
“Um dia antes, taxistas e mototaxistas fecharam á ponte para protestar contra o alto preço dos combustíveis. Se as pessoas da cidade podem protestar, porque nós não temos este direito também?”
Zeca também se desculpou por possíveis excessos cometidos por manifestantes;
“Todo mundo ali estava com sangue quente. Mas não somos vândalos. Somos trabalhadores”, disse.

“Eu aproveito este espaço para me desculpar com qualquer pessoa que tenha sido ofendida. Mas nossa causa é válida”, concluiu.

Zeca também falou sobre produção e produtividade e sobre programas de fomento  agricultura familiar, tema da próxima postagem.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Motociclistas pucalpinos planejam cruzar a fronteira para Cruzeiro do Sul-AC

Um grupo de motociclistas da cidade de Pucallpa, no Peru selvático, planeja cruzar a fronteira em direção à cidade de Cruzeiro do Sul - AC.

A expedição é organizada pelo “Charapas Rally Club” de Pucallpa que promove o motociclismo de aventura na região.

Segundo Ricardo “Naysha” Cárdenas, empresário e presidente do moto clube, os motociclistas devem sair de Pucallpa no dia 23 de julho e pretende chegar a Cruzeiro do Sul, no dia 28 de Julho, dia da independência do Peru e data cívica mais importante do país vizinho.  

O trajeto deverá percorrer 92 km da localidade Masaray até o marco 67 da fronteira, e de lá até Cruzeiro do Sul.


Distante cerca de 250 km Cruzeiro do Sul e Pucallpa não possuem ligação rodoviária. A região de floresta possui apenas trilhas utilizadas por madeireiros, por onde os motociclistas deverá se deslocar.  

Os “Charapas” já realizam expedições e rallys pela região do Ucaially e possuem experiência no deslocamento em áreas de floresta amazônica.

quarta-feira, 12 de março de 2014

MP determina expulsão de fazendeiros da Terra Indígena São Paulino do Povo Jamináua

Os Ministérios Públicos do Acre e Amazonas determinaram um prazo de 15 dias, para que a PF realize a retirada de fazendeiros da Terra Indígena São Paulino.

Segundo o cacique Francisco Jamináua, os indígenas vinham sofrendo ameaças constantes por parte dos fazendeiros. “Ficou perigoso andar à noite. Eu não podia mais ir para o rio, pescar de madrugada”, relata.

A população indígena é de aproximadamente 120 pessoas, num total de 23 famílias. Os fazendeiros seriam apenas cinco.

Francisco Jamináua relata que as primeiras famílias teriam se instalado na região há cerca de 50 anos. A maioria delas teria vindo do igarapé Chandless, afluente do Purus, e teriam sido também expulsos também por fazendeiros.    

Localizada no rio Purus, estado do Amazonas, os indígenas, que não possuem terra demarcada (apenas identificada) e não recebem nenhuma política pública, muitas vezes eram vistos perambulando pelas ruas do município de Sena Madureira-AC.

Os fazendeiros teriam chegado a partir de 2004 e iniciado o desmatamento para a abertura de áreas para a pecuária.

Uma possível indenização ou reassentamento ficará à encargo do INCRA.

Com informações do CIMI e COMIM

quinta-feira, 6 de março de 2014

Auto-suficiência só existe em aldeia isolada e comunidade hippie (e olhe lá)


Não falta gente para anunciar que o isolamento do Acre provou a “falência do modelo produtivo do estado”.

Aparentemente, isso se deve ao fato de que Rio Branco não consegue se manter pelas suas próprias pernas e que o isolamento trouxe graves consequências ao abastecimento da cidade. 
Na mente de muitos, uma consequência da baixa produtividade do estado.  

Isso pode nos levar a imaginar que uma cidade com grande produção agrícola no interior do Mato Grosso, ou do Paraná, caso sofressem um isolamento rodoviário, seriam capazes de suprir sozinhos a todos os itens de consumo básico de sua população. Certo? 

Errado. Nada mais equivocado, e quem professa tamanha asneira ou o faz por desconhecimento fundamental de história e geografia ou por desonestidade intelectual e oportunismo de véspera de campanha.

Vejamos, por exemplo, um município qualquer do estado de MT, um dos maiores produtores de soja do país. Alguém acredita que se esse município por qualquer razão sofrer um isolamento rodoviário, não vai faltar nada para os seus cidadãos? Adeus pão, porque farinha de trigo não se produz no MT.  

Mesmo em um estado como São Paulo, grande produtor de hortifrutigranjeiros, a maior parte do arroz e do feijão consumidos veem de outros estados. São Paulo, cidade e estado mais desenvolvidos do país dependem de pelo menos três safras anuais de feijão: sul, nordeste e centro-oeste.

Ou seja desenvolvimento não tem relação com auto-suficiência. Quem o afirma o faz de modo enganado, ou pior, enganoso. 

Na verdade quanto maior o desenvolvimento maior é o grau de dependência.

Tampouco a meta do capitalismo é a auto-suficiência. Pelo contrário: é aumentar o fluxo de mercadorias e capitais, ou seja, a interdependência entre os mercados produtores e consumidores.

A população do Acre é “punida” sim, mas não por não ser capaz de produzir os itens de que sua população necessita, mas por não ser capaz de produzir um item forte de exportação que o integre a esta rede de mercados.

A questão passa então a ser outra: o Acre somente existe como território civilizado a partir da exploração econômica da borracha. Findo este ciclo, o que colocar no lugar: madeira, pecuária, soja, petróleo?


Comecemos então a debater a questão a partir daí. Por que se a agenda para o estado for a alegada “auto-suficiência” de alguns incautos, talvez seja melhor se basear no modelo de algum povo indígena isolado, ou quem sabe, alguma comunidade hippie do Alto Paraíso.

Se é para anunciar alguma falência, que se anuncie a falência deste modelo de capitalismo que nos obriga a explorar povos e natureza em nome de um progresso e desenvolvimento que apenas nos coloca a cada dia, mais próximos do abismo. 

sábado, 1 de março de 2014

Hábitos de consumo elitizados e negligência no abastecimento marginalizam a produção regional

A cheia do rio Madeira e conseqüente isolamento rodoviário do Acre em relação ao restante do país, novamente acendeu o debate sobre a suposta baixa produção do estado. Sempre em comparação ao vizinho estado de Rondônia, políticos em véspera de campanha tratam de alimentar a baixa estima do acreano, como um povo “vagabundo”, incapaz de se adaptar aos “tempos modernos”, sustentado tão somente pela providencial folha de pagamento de estado e municípios e mais ainda pelo execrável “bolsa-miséria”: a mãe de todas as preguiças e indolências.

No entanto, uma rápida visita à esquina do bairro da Cohab, em Cruzeiro do Sul pode ser revelador sobre o que de fato vem acontecendo no setor produtivo.

Do lado de dentro do mercantil do bairro (um dos melhores da cidade) em um ambiente agradável e climatizado, uma quase centena de pessoas aguarda na fila do caixa, com seus carrinhos cheios de itens retirados das prateleiras. Itens que, obviamente são produzidos em todas as partes do Brasil, e alguns até fora. Produzidos em larga escala, graças ao milagre dos fertilizantes e agrotóxicos, embalados em máquinas que garantem a aparência, a marca e procedência do produto. Permitem ainda que sejam acomodados em prateleiras por dias ou semanas, sem que se estraguem. Um código de barras facilita com que o caixa saiba o seu preço que pode ser pago através da comodidade de um cartão.

“– É no crédito ou no débito, senhor?”  


Quanto contraste com o que acontece do lado de fora.

“-Olha, o açaí! Vai uma verdura aí, chefe?”  

Protegidos cada qual por um colorido guarda-sol, uma quase dezena de vendedores oferecem em voz alta seus produtos para transeuntes.

Entre os vendedores estão também algumas mulheres. Tendo em comum, o fato de serem beneficiárias do programa bolsa família, e que contrariando o senso-comum, estão trabalhando em um sábado ensolarado.

Bancas improvisadas, caixas de isopor ou a caçamba da saveiro revelam o colorido de uma produção regional nada desprezível.

Açaí, buriti e pupunha, mandioca e goma, mamão banana, cajarana, alface, tomate, cebolinha e cheiro verde. Peixe e ... frango?

Paro diante do isopor de frangos, congelados e embalados manualmente.

- De onde vem este frango? Pergunto ao rapaz moreno, que depois descubro se chamar Valdeci.

- Nós mesmos, lá em Assis Brasil. Tudo isso aqui fomos nós que produzimos.

- Puxa, e ainda dizem que o acreano não produz

- Produz sim. Dizem que o PT não deixa trabalhar, mas deixa sim. Se não pode brocar 10 quadras, broca uma, broca duas. De que adianta desmatar um monte se depois não dá para zelar.

Desisto de enfrentar a fila do caixa, pois afinal é dia de pagamento do funcionalismo e o mercantil está lotado de funcionários públicos fazendo a sua feira. Decido comprar açaí e pupunha. Ainda pensei em comprar uma goma, mas o dinheiro acabou e infelizmente ali  não dá para passar o cartão.

Apesar de toda falta de comodidade, ainda assim, a venda parece ser razoável e percebo, que a cada semana, um novo produtor se junta a eles nesta feira improvisada, o que certamente já deve começar a incomodar o trânsito da região.

- Dizem que vão nos tirar daqui.

Sem um local adequado, sem uma feira livre, os produtores são tentados a repassar suas mercadorias para atravessadores, que como sempre, levarão a um acréscimo no preço da mercadoria, tornando o produto regional, ainda menos competitivo em relação ao importado.

Não há nada de errado em se preferir o pão à tapioca, a batata à mandioca, o iogurte ao açaí, o presunto ao peixe. Errado é desqualificar a produção do Acre por que não somos capazes de produzir açúcar e farinha de trigo refinados.