terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Guerra à Consciência

Para Graham Hancock a chamada Guerra às Drogas nada mais é do que uma Guerra a Consciência. Ele discorre sobre o papel que os chamados enteógenos ou psicoativos podem ter tido na evolução da consciência humana. 

O que o soma indiano, o cogumelo muscária, a acácia ou "sarça ardente" de Moisés, e a ayahuasca têm em comum? O chamado DMT, uma substância presente em muitos seres vivos capaz de alterar a consciência. 



Leia abaixo trechos transcritos da palestra de Graham Hancock, ou se preferir, assista ao vídeo:

"Depois de entediantes 6 milhões de anos, o centro evolucionário de nossa espécie do último de nossos 
ancestrais com os chimpanzés, uma coisa extraordinária aconteceu menos a de 100 mil anos atrás, que a propósito é muito antes de nos tornarmos anatomicamente modernos.
Isso foi um tipo de emergência da consciência em menos de 100 mil anos atrás.
na verdade, menos de 40 mil anos atrás, quando nos tornamos criaturas totalmente simbólicas.
E essa grande mudança tem sido definida como o único e mais importante passo 
no avanço da evolução no comportamento humano, está intimamente associado com o aparecimento das grandes e transcendente artes em cavernas em todo o mundo.
E nos últimos 30 anos, pesquisas lideradas pelo Prof. David Lewis Williams 
da University of the Witwatersrand no Sul da África, e muitos outros, tem sugerido uma intrigante e radical possibilidade, que essa emergência da consciência foi desencadeado 
pelo encontro dos nossos ancestrais com plantas visionárias e o começo do xamanismo. 

Se analisarmos as pinturas em cavernas muitos detalhes deixam claros que tratam-se de estados alterados de consciência de visões. 


E que plantas como o cogumelo Amanita Muscaria ou o psilocybin parecem ter uma ligação direta com essa mudança repentina e radical.
Então para investigar essa possibilidade, eu fui até a Amazônia, onde ainda existem culturas xamânicas que bebem o poderoso e visionária bebida chamado ayahuasca que tem como o seu ingrediente ativo o Dimethyltryptamine (DMT), que é intimamente relacionado no nível molecular com o psilocybin...

Ayahuasca 

... o que nos leva ao impulso cosmogênico criativo da ayahuasca nas pinturas dos xamãs amazônicos da ayahuasca  do Peru, como as pinturas de Pablo Amaringo aqui, com cores ricas e a surpreendente visão que elas reproduzem.
E esses impulsos criativos tem também se espalhado por artistas do Ocidente.
Muitos artistas do Ocidente tem sido influenciado pela ayahuasca e também estão pintando suas visões. E o que essas pinturas mostram como uma outra experiência universal da ayahuasca, é o encontro com entidades aparentemente inteligentes, que aparentemente se comunicam conosco telepaticamente.
Agora; eu não estou fazendo nenhuma reivindicação que os encontros com essas entidades são reais, estou simplesmente dizendo que fenomenologicamente na experiência com ayahuasca elas são encontradas por pessoas em todo o mundo.
E o mais frequentemente de todos é o espírito da ayahuasca, a mãe ayahuasca, que é curadora e que embora é a mãe deusa do planeta, ela tem um interesse pessoal direto por nós como individuais, para nos curar de nossas doenças, e querer que nos tornamos os melhores que possamos ser para corrigir erros em nosso comportamento que pode estar nos encaminhando para o caminho errado, e talvez seja por isso que essa é uma história que não foi contada, 

Ayahuasca tem sido extremante bem sucedida em curar pessoas de vícios em drogas destruidoras como heroína e cocaína.

O Julgamento de Osíris

"... A mãe ayahuasca me deu uma inacreditável chamada de atenção, ela me colocou 
por uma espécie de revisão da vida, e não é por acidente que ayahuasca é a "videira dos mortos".
Ela me mostrou minha morte, ela me mostrou se eu morresse, o que me esperava depois da morte 
se eu não corrigir os erros que fiz durante a vida.
E que isso seria uma coisa muito ruim para mim, e na verdade mãe ayahuasca me levou literalmente para o inferno, e esse inferno era parecido com essa pintura do inferno pintado por Jeronimus Boch - Um lugar verdadeiramente terrível, que os Egípcios antigos chamavam de "O julgamento de Osiris", 
onde almas são pesadas em balanças na presença dos Deuses, contra a pena da verdade e da justiça da harmonia cósmica.
... E isso me faz perguntar o que é a morte? Nossa ciência materialista reduz tudo em matéria, 
a ciência materialista no ocidente nos diz que somos somente carne, somente um corpo, e se o cérebro morre, isso é o fim da consciência, não existe vida após a morte,  não existe alma, nos simplesmente apodrecemos e desaparecemos.
Mas, na verdade, muitos cientistas honestos deveriam admitir que consciência é o grande mistério da ciência, e que nós não sabemos exatamente como isso funciona.
O cérebro está envolvido com isso de alguma forma, mas nós não sabemos como.
Poderia ser que o cérebro gera consciência, da mesma forma que um gerador gera eletricidade se você acreditar nisso, mas claro que você não acreditaria em vida após a morte, pois se o gerador quebra, a consciência desaparece.
Mas é também possível, pois nada em neurociência é descartado que a relação é mais uma relação entre sinal de TV com o aparelho de TV, e nesse caso, 

quando o aparelho de TV quebra, claro que o sinal de TV continua.
E isso é o paradigma de toda tradição espiritual, que nós somos almas imortais 

que estamos temporariamente encarnados nessa forma física, para aprender, crescer e desenvolver.
E na verdade se realmente queremos saber sobre esse mistério, as últimas pessoas 
que deveríamos perguntar, é para nossos cientistas materialistas e reducionistas.
Eles não tem absolutamente nada a dizer a esse respeito.

Guerra à Conciência 

É interessante que a árvore da vida dos antigos Egípcios, tem sido recentemente identificada como acacia nilotica, que contém altas quantidade de DMT, Dimethyltryptamine, o mesmo ingrediente ativo 
encontrado na ayahuasca.
É difícil imaginar uma sociedade mais diferente do que a sociedade antiga Egípcia do que a nossa.

A nossa sociedade odeia estados visionários. Em nossa sociedade, se queremos insultar alguém, o chamamos de sonhador, em sociedades antigas isso era elogio.

E, nós demos início a grandes aparatos armados, burocráticos que invadem nossa privacidade, que vão arrombar nossas portas, que nos prenderão e mandarão para a cadeia, as vezes por anos, por possuir pequenas quantidades de psilocybin, ou substâncias como DMT, seja para fumar ou em 
forma da bebida ayahuasca.
E ironicamente, hoje sabemos que DMT é um hormônio natural do cérebro que carregamos 
em nossos corpos, e que suas funções permanecem desconhecidas por falta de pesquisas.
E não que nossa sociedade é oposta por princípios à estados de consciência alterados, pois bilhões são ganhos pela "santa" aliança de psiquiatras e indústrias farmacêuticas, prescrevendo demasiadamente drogas para controlar (as chamadas) síndromes, como depressão ou transtorno de déficit de atenção em adolescentes.

No entanto adoramos álcool, nós glorificamos esta que é a mais chatas das drogas, apesar das consequências que ela frequentemente trás.

E claro que adoramos nossos estimulantes, como chá, café, bebidas energéticas, açúcar, e indústrias enormes são formadas ao redor dessas substâncias, que são valorizadas pela forma que alteram a consciência.
Mas o que todos esses alteradores de consciência aprovados tem em comum é que nenhum deles contradiz ou entra em conflito com o básico estado de consciência valorizado por nossa sociedade, o que eu chamaria de um estado de consciência alerta e resolvedor de problemas, o que é bom para os aspectos mais mundanos da ciência, é bom para perseguição, é bom para o comércio, para política, mas eu acho que todos nós entendemos que a promessa de uma sociedade demasiadamente monopolizada e baseada nesses estados de consciência tem se provado vazia, e que esse modelo de sociedade não está mais funcionando; que está quebrada em todos os sentidos possíveis em que um modelo possa falhar.
E devemos encontrar com urgência algo para o substituir.

Vastos problemas com a poluição global, que resultaram pelo pensamento único 
da busca de lucros, os horrores da proliferação nuclear, o fantasma da fome de milhões que vão para a cama toda a noite com fome, e nem esse problema conseguimos resolver. Apesar de nosso estado de consciência alerta e resolvedor de problemas.

E olhe o que está acontecendo na Amazônia, o pulmão de nosso planeta, esse precioso abrigo de biodiversidade. Essa floresta tão antiga vem sendo cortada e substituída por plantações de soja para alimentar gado, para que possamos comer hambúrguer.

Só um verdadeiro insano estado de consciência global permitiria que tal abominação ocorra.

... E isso seja talvez a razão, que xamas da Amazônia estão montando um tipo de atividade reversa missionária, quando eu perguntei aos xamas sobre insanidade do Oeste, eles disseram: 
"É bem simples, vocês cortaram suas conexões com os espíritos, a menos que vocês se reconectem com os espíritos, e façam isso rápido, o castelo de cartas desmoronará nas suas cabeças, e nas nossas".

Certo ou errado eles acreditam que ayahuasca é o remédio para essa insanidade, 
E muitos agora estão sendo chamados na Amazônia para beber ayahuasca. E ayahuasca xamas estão viajando por todo o ocidente oferecendo a bebida, por baixo dos panos, arriscando-se pessoalmente, para trazer mudança de consciência. E é verdade dizer que a mensagem da ayahuasca, a mensagem universal é sobre a sagrada, encantada e infinita preciosa natureza da vida na terra.
E a interdependência dos elmos materiais e espirituais. É impossível fazer trabalhos com ayahuasca por muito tempo, sem ser profundamente afetado por essa mensagem. E não vamos esquecer que ayahuasca não está sozinha, e que é parte de uma antigo sistema mundial alvejado cuidadosamente na alteração responsável da consciência.
Foi recentemente mostrado por estudiosos que os kaikions usados enos chamados "Mistérios Elêusis" na Grécia antiga, era quase com certeza uma bebida psicodélica. E que os Soma dos Vedas poderia muito bem ter sido uma bebida feita do cogumelo Amanita Muscaria Temos o DMT na árvore da vida 
dos Egípcios. Temos toda a cultura global do xamanismo sobrevivente. E isso tem tudo a ver com o estado de consciência desenvolvido para ajudar-nos a encontrar harmonia e balanço que os Egípcios antigos teriam chamado isso de conexão com o universo e manter-se atento para o que estamos aqui para realizar na Terra, enquanto imerso em matéria é fundamentalmente uma jornada espiritual com o objetivo do crescimento e aperfeiçoamento da alma.

Uma jornada que pode retornar as origens do que nos fez humanos em primeiro lugar.

E eu estou aqui encovando o direito de liberdade de expressão. Para pedir e demandar outro direito a ser reconhecido, e esse é o direito de liberdade 
do adulto sobre sua consciência. 

Existe uma guerra contra a consciência em nossa sociedade, e se nós, como adultos não somos permitidos de tomar decisões soberanas sobre o que experienciamos com nossas próprias consciências, 
sem trazer nenhum dano a outros, incluindo a decisão de usar antigas 
plantas visionárias e sagradas de forma responsável.
Então não podemos nos considerar livres de forma alguma.

E é inútil para nossa sociedade ir em todo o mundo impondo nossa forma de democracia em outros, enquanto nutrimos essa podridão no coração de nossa sociedade. E não permitimos liberdade individual sobre a consciência.

Talvez isso até seja que estamos rejeitando nosso próximo degrau vital na nossa própria evolução, simplesmente para permitir que essa situação continue.

Texto adaptado a partir da transcrição da palestra

Legendas pela comunidade Amara.org 

* Graham Hancock (EdimburgoEscócia2 de agosto de 1950) é um jornalista e escritor britânico. Seus livros incluem Lords of PovertyEm Busca da Arca da AliançaAs Digitais dos Deuses,Keeper of Genesis (lançado nos EUA como Message of the Sphinx), O Mistério de MarteHeaven's Mirror (com a esposa Samantha Faiia), Underworld: The Mysterious Origin of Civilization eTalisman: Sacred Cities, Sacred Faith (com Robert Bauval).

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Povo Navajo cria programa "Adote um Ancião"




O programa pretende criar uma ponte da esperança entre os americanos nativos e outras culturas.

"Ela nos permite chegar a um outro, partilhar nossos dons , e consertar o círculo quebrado da nossa relação com a terra e os nativos americanos que segurá-la no dever sagrado." Explica o site oficial do programa.

O programa suporta os anciãos tradicionais que vivem nas tradições culturais e espirituais do povo Navajo " maioria vive em partes remotas da reserva Dine ( Navajo ). Vivem em Hogans (habitações tradicionais) , e criam algumas ovelhas como um meio de se manterem ..

Lutie Cly (pequeno)

O Programa fornece alimentos, medicamentos simples , roupas , tecidos e fios para ajudar essas Elders viver na Terra em seu estilo de vida tradicional. Como eles se tornaram idosos , tornou-se mais difícil para eles para se sustentar na Terra em suas formas tradicionais .

Milagres do céu : O Programa é organizado  dentro da tradição nativa do Círculo "Giveaway" (Deixar ir). O Círculo Giveaway tem uma tradição de dar o melhor que temos. Isso pode ser um presente de tempo, talentos ou habilidades , ou doações de alimentos e roupas. Quando perguntado o que as caixas de alimentos e roupas significava para ela , Ruth Benally explicou que eles eram como " milagres do céu . " O milagre é as cartas e presentes que chegam de pessoas que eles não conhecem e nunca pode atender.

Para mais informações sobre o fundo e âmbito do Programa visite o site : Adopt- A - Native

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Embiaras Petroleiras

Quando vou para o interior sempre aprendo uma coisa nova. Neste fim de semana foi essa: “galinha que canta de galo é mau agouro, vai logo para a panela”. Deixa as feministas saberem disso!

Bem, eu não sou machista, as mulheres que passaram em minha vida é que eram

Mas vamos ao que interessa. A bola da vez é ... petróleo

Eu, é claro, sou sempre a favor do progresso, do desenvolvimento e do crescimento econômico.

Imagine só o quanto de renda irá gerar o petróleo para a região?

Assim, teremos não mais apenas UM Camaro Amarelo , mas meia dúzia deles cruzando as largas avenida de nossa megalópole.

Em breve poderemos reivindicar o status dos países sauditas: os maiores PIB, com as piores distribuições de renda do planeta.

Mas falar contra o petróleo é um tabu tão grande que pouca gente ousa. A unanimidade burra se instalou definitivamente na política acreana. Situação e oposição são favoráveis à exploração. Revelam o que já deveria ser “óbvio e ululante” (mais uma vez Nelson Rodrigues): a aparente disputa de “idéias” apenas mascara a verdadeira disputa que é pelas benesses do estado, sem a qual a “pujante” e “competitiva” classe empresarial acreana, não sobrevive.

Talvez Henrique Afonso pudesse ter o diferencial caso se lançasse como terceira via e candidatura anti-petróleo. Perderia, mas marcaria terreno na política e na história. Preferiu seguir o mesmo caminho de 

Marina Silva: trocou a coerência pelo pragmatismo.

Muito curioso em saber o que vai dar o cruzamento de vaca mecânica com ambientalista cristão.

Do ponto de vista do coeficiente eleitoral dos dois, a chapa é forte. Mas os dois estavam há bem pouco tempo em campos opostos no que se refere à questão ambiental: Henrique dizendo que a FPA perdeu o foco da sustentabilidade, e Bocalom dizendo que sustentabilidade é balela. Bom mesmo é monocultura de soja.

São muitas fissuras que serão exploradas pelos adversários.

Encontram o tom comum do discurso lá no gênesis, onde diz que a natureza deve servir ao homem.

Ufa! Que bom, pensei que estivéssemos lutando para preservar água, ar, terra e florestas para alguma raça de alienígenas!

A cantilena de Bocalom é a mesma de sempre: “entre preservar a vida de um macaco e de uma criança, eu prefiro preservar a vida da criança.”

A pergunta é: o que fará um pai, quando não tiver nem macaco para alimentar as crianças?

Certamente terá que procurar um lugar na fila da vaca mecânica, para receber sua cota de leite de soja.

O que ninguém quer falar e nem mostrar é que experiências com petróleo na Amazônia são desastrosas. 

Vazamentos são muito difíceis de serem contidos, praticamente impossível nos populares “baixos” (várzeas).

Com tanta gente doida para lucrar, lutar contra o petróleo parece ser causa perdida. Mas deveríamos fazê-lo, nem que seja para dizer “eu te disse” quando o primeiro vazamento ocorrer. E ele vai ocorrer.

Quando ocorrer, teremos contaminação de água e solo, prejudicando seres humanos que dependem diretamente do meio ambiente para sobreviver. Mercadores são como gigolôs da natureza, que a exploram para alimentar sua vaidade.

Se criticam os ambientalistas por estarem em “gabinetes” e “poltronas”, o mesmo pode ser dito dos “desenvolvimentistas”, que compram sua feira no supermercado.

Acho engraçado quando ouço petistas dizendo que o petróleo vai “combater a miséria”. Os companheiros deveriam no mínimo ser coerentes com a história do partido que sempre defendeu que a causa da miséria é a má distribuição de renda e não a falta dela. Quem defendia que deveria crescer o bolo para depois dividí-lo era Delfim Neto, economista da ditadura. 

Acho interessante que sempre se faz esta oposição: “humano x natureza, quem é mais importante?” Talvez a pergunta que deva ser feita seja: “humano X dinheiro, quem, é mais importante?”   

Na prática estão oferecendo dinheiro para que abandonemos nossas vidas supostamente “miseráveis”, quando na verdade não atentamos para a riqueza que é viver aqui, cercado de floresta, e em relativa paz. 

Algo que nas cidades onde o “progresso” já tocou, não existe mais.

Esta é a verdadeira miséria: não enxergar a riqueza em que se vive.

Deveríamos atentar também para as questões econômicas e sociais trazidas pelo petróleo. Podemos esperar mais concentração de renda. Quem já tem vai ter mais e quem não tem terá que pagar mais caro por tudo na cidade. Pode-se esperar mais especulação imobiliária. Aumento no preço da cesta básica, também. 

Alguém acha que a gasolina vai ficar mais barata por conta disso?

Com tantos engenheiros, técnicos e trabalhadores circulando pela cidade, a única coisa que vai ficar mais barato vai ser o preço do chifre.


Já que nem a defesa dos rios, peixes e florestas parecem mobilizar os cruzeirenses, quem sabe a perspectiva de ser corno possa despertar o que resta do brio dessa brava gente.        

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Amansando os Brabos

Muita gente estranhando e até revoltada com o convite feito ao deputado estadual Denilson Segóvia (PEN) para que o mesmo participasse do Festival Yawanawá, realizado este mês de outubro na Aldeia Novas Esperança, Rio Gregório.

A primeira reação é ver no convite um “desrespeito” com os povos indígenas convidar o deputado que recentemente em um rompante fundamentalista e anti-indígena acusou a cultura indígena de “atrasada”, condenado a pedofilia e a embriagues, supostamente presentes nas aldeias (e, na visão do deputado, aparentemente inexistente nas ruas das cidades acreanas).

O deputado-pastor também atacou a religiosidade indígena, denominada de forma genérica como “pajelança”.

Bem, quero dizer aos colegas jornalistas e antropólogos que não compartilho deste ponto de vista.
Conhecendo um pouco da história do povo Yawanawá, vejo que estender o convite ao deputado é mais uma prova da força deste povo, que não teme preconceitos e sabe lidar muito bem como fundamentalistas como Segóvia.

Os Yawanawá já fizeram o favor, para si e para o mundo, de botar para correr os missionários protestantes dos EUA que dominaram o povo por cerca de uma década. Desde então, vêem lutando pelo reavivamento e manutenção de sua cultura original.

A cerimônia espiritual com a ayahuasca, chamada “pajelança” fornece os elementos necessários para o resgate e aperfeiçoamento dos cantos, orações e ideogramas simbólicos (os kenês, utilizados nas pinturas corporais e em adornos), de uso proibido por décadas pelos missionários.

Mas, vejo muito mais que isso por trás do gesto. Lembre-me de uma conversa que tive com o antropólogo Terry Aquino.

Dizia ele, enquanto nós os “brancos”, falávamos de “amansar os brabos”, os índios também adotavam comportamento semelhante. Ou seja, em alguns casos esta aproximação com os “brancos” foi intencional pela parte dos indígenas.

Para eles estavam também “amansando os brabos”, no caso, seringalistas e seus empregados que partiam com toda a fúria em busca das árvores-de-leite, passando por cima de quem estivesse no caminho. Para estes famintos, entregar um veado abatido, poderia lhes aplacar a ira motivada pelo preconceito e pela ignorância e iniciar a partir dali, uma história de contato, mais vantajosa aos indígenas.

Os Yawanawá são prodigiosos nisto, sabem conquistar e cativar pela simpatia, pela simplicidade e pela autenticidade.

Além disso, seus principais líderes são mestres na arte da diplomacia. Não é à toa que os Yawanawá hoje possuem aliados ao redor do mundo, uma aliança que a cada dia torna-se mais forte.

A ignorância do deputado-pastor da “gospelândia” não afeta em nada estas alianças, pelo contrário, somente as fortalece ainda mais, ao fazer o mundo conhecer a mentalidade do parlamentar acreano, em nada diferente aqueles “brabos” chegaram no início do século XX.

Fico imaginando a grande satisfação dos líderes Yawanawá, ao verem o deputado-pastor entre o público presente, inevitavelmente se encantando com os cantos, danças, brincadeiras e lutas ensaiadas. Ouvindo a palavra dos “sheni” (sábios) e dos “shaneihu” (líderes) enquanto queima a fumaça do “sipá” (incenso natural).


Com sua cultura rica e encantadora, os yawanawá sabem como ninguém como é que se faz para “amansar os brabos”.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Pajelança vai bem, obrigado

O recente episódio envolvendo a declaração estapafúrdia do deputado estadual Denilson Segóvia (PEN) de que os costumes indígenas “são culturas destruidoras da moral, da cultura da bebedeira, da pedofilia, da pajelança” têm rendido boas polêmicas na imprensa e nas redes sociais.

Mas não surpreende, é apenas mais uma abobrinha da “Gospelândia”, o estado teocrático em que está se convertendo o Acre. Um lugar onde cada vez mais os argumentos  são menos importantes de que a crença religiosa.

Ainda assim, a declaração do deputado-pastor não poderia ser mais imprópria: nossa própria sociedade acreana é pródiga na bebedeira e na pedofilia.

Quanto à pajelança, vai bem obrigado.

A tradição de mais de cinco mil anos, nascida nestas florestas e não nos desertos estéreis do oriente médio, sobreviveu a séculos de opressão e perseguição e hoje, em torno dela, os povos indígenas voltam a se reorganizar.

Enquanto isso, os limitados padrões ditos “evangélicos” procuram seguir os ditames de um velho testamento, “satanizando” o uso das pinturas corporais, os cantos, as danças, e o uso ritualístico das plantas de poder, entre elas, a ayahuasca.

Em nada disso há a chamada “Boa Nova” anunciada por Jesus Cristo. Há apenas o repetido eco dos velhos preconceitos praticados nas sinagogas dos fariseus.

Entre as diversas organizações missionárias, destaco o trabalho de duas. O CIMI, ligado à Igreja Católica e o COMIM, ligado à Igreja Luterana (e portanto, evangélica). Estas duas organizações há muito abandonaram o conceito ultrapassado de que para “levar a Boa Nova” seja necessário destruir costumes, tradições, enfim, uma cultura.

Ambas as organizações trabalham com a ideia de que levar a "Boa Nova"seja na verdade lutar para que os povos indígenas tenham reconhecidos os seus direitos à terra, à saúde, à educação e principalmente, o direito de terem estes direitos reconhecidos sem que para isso tenham que se adequar aos preconceitos ditos cristãos.

O ataque às culturas indígenas perpetrado pelo deputado-pastor no mesmo tempo em que circula na internet a farsa “Hakani” tem objetivos políticos bem claros.

Demonizar ou ridicularizar a cultura indígena parece ser vital para a sobrevivência de ruralistas e madeireiros, atividades que dependem de constantes avanços sobre áreas de florestas.

Ocorre que, os povos indígenas, além de ocuparem estas áreas preservaram um sistema de relação com o universo que se opõe frontalmente ao pré-capitalismo do agronegócio.
“Evangelizá-los” significa entre outras coisas torná-los mais dóceis para aceitar a destruição de suas áreas naturais, enquanto avançam os tratores e motosserras. Afinal como disse um pastor evangélico aos Yawanawá “índio precisa de deus, e não de terra”.

Enquanto isso, os descendentes de Abraão e Moisés na sua sacro-santa Israel, cuja bandeira é idolatrada nas “Marchas para Jesus” continuam a expulsar palestinos de sua terra natal, mesmo que para isso seja necessário cometer os mais abjetos crimes, entre eles, o infanticídio.

A cultura indígena tem cada vez mais ultrapassado o limite das aldeias e alcançado corações e mentes até mesmo nos grandes centros urbanos do mundo. Talvez isso aconteça por oferecer respostas aos grandes dilemas do terceiro milênio, algo que o calvinismo protestante em que o capitalismo está fundamentado, já se demonstrou incapaz.

A chamada “pajelança” a que o deputado–pastor se refere sem um pingo de conhecimento do assunto, trata, entre outras coisas, de colocar o homem em seu verdadeiro lugar no universo: ao lado da criação e não acima dela.

E talvez essa sim, seja a verdadeira “Boa Nova” de que necessitamos para viver em um mundo de paz, harmonia e abundância para todos.

* Na foto o centenário “Sheni”(sábio, pajé) Vicente Yawaraní, guardião da cultura e da memória da ancestralidade Yawanawá

Leandro Altheman

sábado, 12 de outubro de 2013

Nuke Kenê, Xarakapá *

Compreendo que seja prosaico que o apresentador do principal telejornal da cidade não apenas utilize adornos indígenas, mas como despudoradamente os exiba ao vivo.
Para quem não sabe, não é de hoje que ando com os “kenês” (palavra de amplo significado, mas que designa principalmente os desenhos em padrões que representam a identidade indígena). 
Desde minhas primeiras reportagens, sempre usei os “kenês”, não apenas como forma de me enfeitar, mas sobretudo como forma de homenagear aos primeiros habitantes desta terra.
A diferença é apenas que literalmente “arregacei as mangas”, deixando-os à mostra.
Até o momento não houve repreensão por parte da direção da emissora, que é quem literalmente, paga o meu salário.
No entanto já tem gente reclamando nas redes sociais. No status de um conhecido professor da cidade foi postado: “Imagine se Willian Bonner apresentasse o Jornal Nacional com aquelas pulseiras”.
Bem, o fato é que nem eu sou William Bonner e nem o professor ministra aulas na UFRJ, na USP ou na UNB. Ou, nas palavras de Elza Soares “posso não ser a garota de Ipanema, mas você também não é o Tom Jobim”.
O professor deve saber que a Aldeia Nova Esperança no rio Gregório está bem mais próxima dos estúdios da TV Juruá, do que os transmissores da Rede Globo, no Rio de Janeiro.
Como educador deveria saber que não podemos construir uma realidade melhor para nossa região, forjando-a com base em outra realidade distante, enquanto viramos as costas parta a nossa.
A história dos kenês me lembra a história de uma advogada negra nos EUA, que foi admoestada pelo seus superiores por esbanjar uma bela cabeleira afro. Disseram-na que era por demais “étnico”.
Ora, qualquer educador, minimamente preparado sabe que ditar roupas, costumes, moda, podem se tornar um instrumento de dominação, de padronização, onde não há lugar para o diferente.
Podem argumentar que não sou índio. De fato não sou. Mas carrego no sangue de minhas veias um juramento na qual compartilho uma cosmovisão de mais de cinco mil anos. Com a mesma tranquilidade com que pessoas públicas, da política ou da comunicação, citam versos bíblicos, orgulhosamente exibo os meus kenês.
Em um momento em que jovens brasileiros adotam o nome de algum dos 180 povos indígenas do Brasil como forma de somar-se a luta dos primeiros habitantes, usar os meus “kenês” ao vivo não deixa de ser também um ato político, e por que não dizer, educativo.

*Nosso "Kenê" é bonito

terça-feira, 24 de setembro de 2013

“Ritual do Santo Daime deve ser examinado à luz de um direito fundamental”, diz juiz federal

Altino Machado - Blog da Amazônia
O juiz federal Jair Araújo Facundes dedicou os últimos dois de seus 43 anos a realizar uma pesquisa para dissertação de mestrado em que aborda aspectos relacionados aos direitos fundamentais a partir do estudo de uma reivindicação concreta do direito à liberdade consubstanciada no caso ayahuasca. Trata-se do controvertido uso ritual de uma bebida psicoativa, mais conhecida como Santo Daime, que contém uma substância, o alcalóide dimetiltriptamina (DMT), proibida em tratado internacional e na legislação de vários países.
Titular da 3ª Vara da Seção Judiciária do Acre, Jair Facundes examina decisões proferidas no âmbito administrativo e judicial e conclui que permitir ou negar o exercício de uma prática religiosa somente se justifica quando amparada por uma teoria política mais ampla acerca de como os bens, espaços e liberdades escassos devem ser ordenados no interior de uma comunidade política que busca se organizar por princípios que garantam a todos a mesma consideração e o mesmo respeito por parte do governo e da comunidade.
Em certa medida a pesquisa é sobre um processo registrado em 1974, em Rio Branco, envolvendo Leôncio Gomes, dirigente do centro original da doutrina do Daime, que foi intimado pela Polícia Federal para que se abstivesse de fazer uso da bebida psicoativa de origem indígena, feita a partir do cozimento de duas plantas, conhecidas, entre outros nomes, por ayahuasca, yagé, uascar, huni etc. A notificação policial relatava que várias “organizações altamente especializadas e laudos foram elaborados que comprovam, sem margem de dúvidas, a periculosidade de tal xarope”. Qualificava a bebida como droga, e afirmava que seu uso causa mal “não só físico mas à mente”.
Leôncio Gomes moveu uma ação contra o governo em que pedia à Justiça Federal a proteção do que compreendia como seu direito de praticar livremente sua religião, conforme a liberdade de religião assegurada na Constituição. Argumentou se tratar de prática religiosa secular entre os indígenas e que, no meio urbano e arredores, contaria com mais de 50 anos de uso, que se tratava de uma religião popular e que nos dias de grandes festejos compareciam as autoridades locais, como governadores, prefeitos, parlamentares federais e estaduais, pessoas de todas as classes sociais, evidenciando que se tratava de uma religião integrada à paisagem moral e cultural da região, sem registro de malefícios à saúde física ou mental de seus adeptos.
O então juiz federal Ilmar Galvão, que posteriormente se tornou ministro do Supremo Tribunal Federal, determinou que a PF explicasse as razões da proibição. A PF justificou que a bebida continha substância capaz de causar dependência psíquica. Juntou três laudos divergentes quanto à composição da bebida. A sentença de Ilmar Galvão reconheceu que os laudos eram imprestáveis tanto para demonstrar a composição química da bebida quanto sua periculosidade ou nocividade.
- Não se sabia se alguma das substâncias proibidas se encontrava presente na bebida, mas a proibição foi mantida, com a afirmação de que a ausência de prova da periculosidade não ensejava a conclusão de que o preparo e uso da bebida fossem lícitos – lembra o magistrado.
Existem inúmeros estudos (antropológicos, sociológicos, psicológicos, musicais, farmacológicos, químicos, médicos sob várias perspectivas e em várias idades e estados etc) sobre ayahuasca. Porém, a arena onde as batalhas acerca do reconhecimento da legitimidade de seu uso se deu e se dá é no campo do direito. Apesar dessa circunstância, não havia um estudo jurídico que investigasse as decisões em si mesmas, sua estrutura interna, sua lógica e argumentação. Quando muito havia alguma pesquisa que descrevia as decisões, mas não havia uma crítica sistematizada acerca de seu conteúdo. A pesquisa busca iniciar o debate ao sugerir um referencial a partir do qual o assunto possa ser visto sob um prisma comum, ao afirmar que devem decidir ou propor alguma teoria mais ampla acerca de como as diferenças devem ser tratadas em sociedades complexas.
Jair Araújo Facundes, juiz federal há 13 anos, tem mestrado em Constituição e Sociedade pelo Instituto Brasiliense de Direito Oúblico (IDP), em Brasília. Ele integrou o Grupo Multidisciplinar de Trabalho da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas  (Senad), em 2006,  que elaborou a resolução que regulamentou o uso religioso da ayahuasca no país e é membro do Grupo de Trabalho Legislação sobre Drogas, do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad/Senad), ligado ao Ministério da Justiça.
A pesquisa fornece elementos capazes de aumentar a qualidade do debate jurídico sobre ayahuasca a policiais federais, delegados, promotores, juízes e agentes públicos com atuação decisiva na questão.  Muitos desses profissionais,  oriundos de estados fora da Amazônia, se veem obrigados a decidir a cultura local, e o fazem sem maiores elementos e contextualização, adotando pré-concepções e correndo o risco de incorrer em preconceito.
- Num resumo, a pesquisa versa sobre o que é um direito fundamental, seja a liberdade religiosa, seja a liberdade de expressão, seja a igualdade etc. Por incrível que pareça, há várias definições que determinam vereditos diferentes. A pesquisa examina o que é um direito a partir de um caso concreto: a ayahuasca.
Veja os melhores trechos da entrevista exclusiva de Jair Araújo Facundes:
BLOG DA AMAZÔNIA – Do que trata a sua pesquisa?
JAIR FACUNDES - O objeto central da pesquisa é oferecer uma resposta consistente e funcional sobre o que é o direito, os direitos e as liberdades fundamentais. Então adentramos em vários campos, como a teoria do direito, teorias políticas, teorias da interpretação e da decisão judicial, da democracia etc. Para não ficar uma investigação muito ampla e genérica, nos concentramos no exame de um direito fundamental em especial, a liberdade de religião, considerada por muitos teóricos como a “mãe de todas de todas as liberdades”, pois o reconhecimento histórico desta liberdade deu origem a várias outras. E a fim de que a pesquisa não se tornasse muito teórica e enfadonha, o estudo se desenvolveu a partir do exame de uma prática religiosa que tem suas raízes na Amazônia e que é imensamente controvertida, a ayahuasca, permitindo ver como algo tão controvertido é debatido por operadores do direito em vários países, âmbitos e no decorrer dos anos.
Como o uso da ayahuasca se relaciona com o direito?
As várias decisões sobre ayahuasca ao longo de mais de 40 anos, em vários países e sistemas judiciais diferentes, tornam esse assunto singularmente emblemático do que é uma liberdade fundamental ou o que é o direito, e de como o veredito varia segundo o sentido (forte, fraco) que o intérprete lhe atribui. Todas as decisões são equacionadas na forma de um confronto entre a liberdade religiosa e outros interesses – saúde do indivíduo, evitar uso recreativo e abusivo de uma substância, cumprimento de tratado internacional que proíbe tal substância.
Como é se dá no Brasil essa liberdade fundamental em relação à ayahuasca?
Mesmo no interior de um mesmo país, de um mesmo órgão, as opiniões sobre o que implica tal liberdade variam, ora essa liberdade resistindo a certos argumentos e interesses, como proteção da saúde, cumprimento de tratado internacional, ora sucumbindo frente aos mesmos interesses. Se temos dois termos numa equação e um deles se mantém fixo -as características da ayahuasca, sua composição, seus efeitos, a lei proibitiva-, então o diferencial é a variável, ou, no caso, aquilo que entendemos por liberdade religiosa. Em larga medida não haveria maior diferença entre a decisão mais antiga que se tem notícia, envolvendo Leôncio Gomes da Silva, e a mais recente. O veredito depende mais de como o intérprete define o que é um direito do que dos outros interesses confrontados. Podemos comparar um direito ou liberdade fundamental a um escudo, mas esse escudo pode ser imensamente frágil, como papel, sucumbindo a qualquer pretensão em sentido contrário, como em Leôncio, ou gradativamente mais forte e robusto, de madeira, ferro, aço, resistindo a confrontos com outros interesses.
O que isso resulta?
Diante de uma liberdade fundamental, no sentido forte acima definido, não basta dizer que há lei proibindo dada conduta ou prática. Enquanto expressão da maioria, a lei, por si só, é insuficiente para afastar um direito. Exige-se mais. Bem mais.
Mas a ayahuasca contém DMT, a dimetiltriptamina, substância proscrita em vários países. O que dizer?
Frente a essa noção de liberdade fundamental é insuficiente dizer que a maioria não concorda com a prática religiosa, ou que ayahuasca contém DMT, ou que esta substância tem o potencial de desencadear certos estados mentais alterados. Há de se demonstrar que o exercício desse direito afeta direitos de terceiros, ou que impõe ao restante da comunidade algum custo insuportável ou severo demais. Algumas decisões claramente tomam esse sentido forte de direito, de barreiras das minorias contra a maioria.
Quais os exemplos disso?
A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, proferida em favor da União do Vegetal, a UDV, ou a decisão proferida pelo extinto Conselho Federal de Entorpecentes, em 1987, entre várias outras. Direito fundamental assim configurado deixa de ser discutido no âmbito exclusivamente jurídico e passar a ser discutido no âmbito de uma teoria mais ampla, política e moral. Pressupõe algumas respostas que devem ser dadas antes da leitura da própria Constituição. Criamos uma Constituição para atribuir a cada um o mesmo respeito e consideração? Algum grupo deve ser merecedor de maior respeito e consideração? Se sim, por quê? As pessoas devem ser reconhecidas como detentoras de autonomia ou devem ser tratadas como crianças passíveis de paternal proteção governamental? Que tipo de autonomia uma constituição pressupõe reconhecer nas pessoas? Essas perguntas e respostas são anteriores à leitura da Constituição, e guiarão ou não a interpretação.
O título da pesquisa é “Pluralismo, Direito e Ayahuasca: Autodeterminação e legitimação do poder no mundo desencantado”. Por que “mundo desencantado”?
Utilizei uma ideia de Max Weber, pensador alemão. O modelo de sociedade que nos antecedeu ficou conhecida como tradicional. Sua estrutura e organização se baseava na tradição, que explicava as posições de poder, o sentido da própria vida, a distribuição dos bens e recursos escassos na sociedade, e remetia à ideia de que se vivia uma realidade divina. Se alguém adoecia, era pobre, nobre ou príncipe, se havia fome, tudo era justificado à luz de um mito; o mundo era encantado, explicado através de um mito, uma tradição religiosa. Com a chegada do capitalismo, do iluminismo, o mundo desencantou-se. Já não se aceitava que alguém devia governar apenas por ser filho do rei, ou por ser nobre; já não se aceitava que alguém fosse pobre ou rico apenas em razão do berço. O catolicismo deixa de ser a única opção religiosa, o absolutismo e o “direito divino” são questionados por ideias como democracia, república, governo popular e mesmo anarquia etc.?
Como é na sociedade moderna?
Na sociedade moderna o poder deixa de ter origem divina e passa a ter gradativamente origem mundana, humana. A ideia de igualdade se expande e exige que as posições de poder sejam justificadas por alguma ideia como autogoverno ou democracia. Neste mundo desencantado não se aceita o argumento da autoridade religiosa ou outro dogmático, mas caminha-se para a autoridade do argumento, fundado em razões e em princípios que possam ser compartilhados.
Como o caso de Leôncio se relaciona com isso?
O mundo pode ser encantado não só no sentido religioso, mas sempre que o enxergarmos como se dotado de um sentido indiscutível e “natural”, ou dogmático, mas a sociedade é uma construção bem humana. Leôncio questiona e se insurge contra uma realidade que queria se impor a ele como encantada, imune a qualquer justificação, acima de qualquer questionamento.  Nesse sentido Leôncio, aqui representando vários outros líderes, como Raimundo Irineu Serra, Daniel Pereira de Matos, Gabriel Costa, os seguidores destes, é exemplo de resistência política, moral e cultural.
O que diz o processo?
Lendo o processo, a petição inicial, em particular, percebe-se que Leôncio não aceita a validade da lei em si mesma, da autoridade por si mesma. Ele buscava, na forma de se conduzir e de argumentar, alguma razão que tivesse apelo para ele, que o convencesse que seu direito deveria ser restringido ou negado, que era uma questão de respeito e igualdade que o Governo, representado pela Polícia Federal ou pelo juiz, mostrasse a fonte da legitimidade de sua ordem, que esta ordem fosse aceitável à luz da legitimidade. Isso porque Leôncio questionou o fundamento da lei.
A ayahuasca ainda é uma prática alvo de preconceito?
Sim, demais. Imagine isso em pleno regime militar, de exceção, quando Leôncio e vários outros se insurgiram contra uma decisão da instituição que representava o regime militar, a Polícia Federal, com toda sua estrutura técnica e seu prestígio.
Diria que naquela época se exigia certa coragem para praticar essa religião?
Muita. Hoje não podemos aquilatar o que foi o regime militar. Ministros do STF, senadores, governadores e prefeitos perdiam o mandato a partir de informações prestadas pela Polícia Federal, entre outros órgãos, acerca de quem era “subversivo”. Não era algo prudente se insurgir contra suas decisões. Havia clima de medo. Se um ministro do STF perdia o cargo sem processo ou defesa, por uma mera “canetada”, deputados perdiam mandatos, pessoas eram presas sem explicação, exigia-se redobrada coragem para assumir certas posturas, mesmo que tais posturas não fossem explicitamente político-ideológicas. Mesmo hoje há pessoas que tem receio de assumir tal prática religiosa, por exercerem posições de destaque na sociedade, com medo de integrarem uma religião de pobres, de seringueiros, índios, enfim, uma religião marginal.
Há, na sua pesquisa, uma parte em que é analisada a questão num país hipotético que tenha constituição ou carta de direitos. Por que?
Abordo uma hipótese no qual levo às últimas consequências o argumento central da pesquisa: que os direitos fundamentais são melhor compreendidos e extraem seu significado no âmbito mais profundo de uma teoria da justiça ou sobre moralidade política, sobre quais princípios devem reger a vida em comunidade, que direitos temos contra o Estado, se temos algum, e contra a maioria da sociedade, sobre como devem se relacionar maioria e grupos minoritários. Confesso desconhecer se há algum país em tal situação. Mesmo a Inglaterra tem carta de Direitos, e ali nasceu a própria ideia de uma carta de direitos, com a Magna Carta, e de controle de poder, com a Revolução Gloriosa. As piores tiranias publicam constituições para conferir um verniz de legitimidade ao exercício do poder. E mesmo constituições aprovadas por assembleias populares não garantem legitimidade. A Constituição brasileira de 1934, aprovada por assembleia constituinte regularmente eleita, determinava a educação eugênica, por exemplo, prestigiando brancos e ricos.
Como deveria agir um juiz num país sem liberdades fundamentais consagradas em algum texto positivado.?
A resposta é a mesma: essa sociedade quer, almeja ou declara se organizar atribuindo a cada o mesmo respeito e mesma consideração?  Todos seus cidadãos detêm o mesmo status? Se sim, então os direitos fundamentais surgem desse autorreconhecimento de que não é possível se sustentar nenhum direito que não possa ser compartilhado pelo outro, porque os direitos, as liberdades fundamentais surgem quando nos percebemos no mundo com o outro, e aí surge a dimensão de moralidade política, pela qual eu sou obrigado a reconhecer no outro aquilo que quero para mim mesmo. E aí a Constituição já não é tanto constitutiva, mas declarativa de um direito moral que aspira concretização como condição de legitimidade da Constituição em si mesma e para o exercício legítimo do poder: a igualdade, porque ninguém é capaz de provar para os outros que é merecedor de algum valor a mais, ou que seja superior ao outro.
A ayahuasca…
Veja que não se afirma que há um direito moral a usar ayahuasca, mas que há um direito moral à liberdade religiosa que goza de supremacia e prioridade. Permitir ou proibir qualquer religião, não só ayahuasca, depende então de o governo ser capaz de demonstrar que uma prática religiosa agride direitos de terceiros, impõe severo ônus à sociedade ou outra razão passível de aceitação entre pessoas dotadas de autonomia.
Há quem sustente que, no caso brasileiro, a lei 11.343/06, ao autorizar o uso de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso, como a ayhauasca, violaria a Convenção de Viena de 1971. Alega-se que o tratado internacional, subscrito pelo Brasil, permite o uso ritual, desde que o país tenha feito reserva quanto à substância. Como o Brasil não fez tal reserva, então, mesmo a lei atual seria “ilegal”. Como interpreta isso?
Por primeiro, imagine a situação em 1971. Representantes do governo brasileiro, resolvem assinar um tratado pelo qual o Brasil assumirá a obrigação de proibir várias substâncias, e estão cientes, os representantes, de que poderão excetuar da proibição as substâncias nativas utilizadas em ritual religioso. Vamos submeter essa situação a um exame severo e bem estrito, sem atentar para outros detalhes bem mais importantes. Pois bem, esses representantes, em 1971, sabiam que várias e várias substâncias nativas eram utilizadas em rituais? Temos algum dado para presumir que eles tinham essa informação? Temos, em sentido contrário, isto é, somente após 1971 o governo brasileiro, através da Polícia Federal, tomou ciência de que grupos faziam uso de substâncias psicoativas em rituais religiosos. Agora temos duas opções: podemos entender que aquele momento para apresentar reservas era único, e que se os representantes dos países não sabiam das plantas utilizadas em rituais religiosos, azar, que se prenda e reprima quem assim faz uso. Mas podemos entender que a Convenção não proibia a exceção na hipótese de o governo somente anos depois descobrir que havia uso de substâncias psicoativas em rituais religiosos.
Além disso, os grupos que faziam uso ritual de substâncias psicoativas não tinham representação política, ou eram minorias sem voz e sem acesso aos canais de deliberação política, como índios, caboclos, analfabetos, seringueiros, agricultores.
Se eles tinham voz ativa, se tinham representantes, é razoável e plausível que os consideremos representados, e podemos impor a eles todas as decisões tomadas pelos representantes brasileiros. Mas talvez a outra opção se mostre mais plausível. Os representantes políticos e diplomáticos não os representavam, Nessa hipótese, aquela decisão governamental não os vinculava, porque eles não foram ouvidos. Mas ultrapassemos essa dificuldade. Aceitemos por hipótese, que em 1971, em pleno regime militar, o governo brasileiro representava não os interesses de uma classe bem definida no extrato social brasileiro, que podemos sem receio de errar acreditar que o governo era representativo e se preocupava com todos os grupos da realidade cultural brasileira, que se esforçava para ser imparcial e ouvir todos os reclamos e interesses dos vários segmentos sociais. Não vale rir, é apenas uma hipótese.
Como os demais países interpretaram a cláusula?
Peguemos o país que não só assinou mas promoveu, estimulou essa convenção, os Estados Unidos. Ele não apresentou reservas para o peyote, cacto com propriedades psicoativas utilizado em rituais em vários estados americanos, mas, apesar de não ter feita a reserva, não proibiu essa prática religiosa, nem saiu prendendo seus nativos. Se os Estados Unidos, um dos principais proponentes da Convenção, compreendia e compreende que a reserva não era condição para o uso religioso, por que o Brasil deveria optar por uma interpretação mais rigorosa? Que razões teríamos para sustentar essa interpretação diferenciada? Observe que os Estados Unidos aplicaram o mesmo raciocínio, explicitamente, para a ayahuasca, proclamando que a ausência de reserva não era, por si só, suficiente para excluir a permissão de uso ritual. Agora temos duas interpretações possíveis: uma interpretação é formal; uma outra é substancial, considera que na essência, na substância, a comunidade internacional aprovou o uso religioso, e que a formalidade não deve ser obstáculo ao reconhecimento daquele direito substancial.
O STF já decidiu o assunto?
Diretamente não, mas extrai-se de sua jurisprudência duas orientações importantes. A primeira é que o STF tem decidido que os tratados internacionais são incorporados ao ordenamento brasileiro com o status de lei, de modo que uma lei poderia revogar, no âmbito interno, um tratado, exceto se o tratado verse sobre direitos fundamentais. O tratado continua em vigor até ser denunciado, que é o meio adequado para que percam a validade no âmbito internacional, mas internamente perderia sua eficácia. Há precedentes nesse sentido. Há também na ADPF 187, expressamente uma referência de que a reserva não seria condição para reconhecimento do uso ritual, no voto do ministro Celso de Mello. Porém, Altino, debater esse tema nesses termos escamoteia um aspecto essencial, e acaba revelando mais das intenções de quem sustenta esse tipo de discussão.
Como assim?
Não se pode debater liberdade sem previamente decidir o que é uma liberdade, qual seu sentido, função, força. Somente depois de definirmos o que é uma liberdade, podemos confrontá-la com leis, tratados, portarias, resoluções, recados, instruções normativas, memorandos, bilhetes. Veja como ao longo da entrevista tenho enfatizado esse aspecto, e quando tocamos no assunto “Convenção de Viena” a discussão quis tomar outro rumo, focando detalhes, formalidades. Essa é uma discussão lateral. A discussão de fundo é sabermos o que é uma liberdade fundamental, e ao que essa liberdade é capaz de resistir, que tipos de argumentos podem afastá-la. É bem sintomático que o artigo da Convenção de Viena, que permite o uso religioso, só veio para o Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas, o Conad, quando as entidades foram chamadas para participação da elaboração das normas. Até então a Convenção era lida só na parte da proibição. Pulava-se, suprimia-se o artigo que tratava da liberdade. Não interessava à então Divisão de Medicamentos, à Anvisa, à Polícia Federal. A Resolução 1/2010, do Conad, refere então essa Convenção e então se seguiu uma discussão secundária: “ok, o tratado internacional permite o uso ritual, mas o Brasil não fez reservas quanto ao DMT”, e com isso se foge do debate central: o que é uma liberdade? Na Suprema Corte dos Estados Unidos e no Supremo Tribunal Federal no Brasil, entre outros, tem-se afirmado, em vários casos, que o tratado internacional deve ser interpretado em harmonia com as liberdades reconhecidas pela Constituição. Não o contrário. Não devemos interpretar a Constituição com base no tratado: é o contrário, sob pena de “a carroça puxar o boi”.
Sua pesquisa descreve e examina o conjunto das decisões proferidas pelo Confen e Conad. Que conclusões podemos extrair das deliberações?
Várias, e sob múltiplos aspectos. Na pesquisa enfatizei apenas o aspecto jurídico e alguns outros correlatos imediatamente. Mas caberia um trabalho autônomo. São várias decisões que vão de 1985, proferida pela Dimed, órgão integrante do Ministério da Saúde, até 2010, com a Resolução 1/2010 do Conad. O Confen, mais tarde substituído pelo Conad, é um órgão que mudou ao longo do tempo tanto na sua composição, gradativamente aumentou a representação da sociedade civil na sua composição, na sua localização topográfica ou institucional – ora integrava a Presidência da República, ora na Secretaria ora o Ministério da Justiça.
Mudanças que espelharam as mudanças no quadro político brasileiro?
Sim. Quando se examina suas decisões ao longo do tempo, verifica-se algumas constantes. Houve decisões originadas de relator e houve decisões originadas de grupos de trabalho integrados por profissionais de várias áreas.  As decisões restritivas provieram de relatores individualizados, em geral, ligados à área médica, quando se enfatizava a razão médica, farmacológica, enquanto as decisões multidisciplinares reconheciam a liberdade, enfatizando o uso concreto e socialmente localizado da bebida, com argumentos não só farmacológicos, mas provenientes das ciências humanas – antropologia, política, sociologia, filosofia etc.
Ao longo de suas decisões o extinto Confen ou Conad não proibiram a ayahuasca.
Não e no máximo impôs, durante algum tempo, algumas restrições. A decisão de 1985, a primeira decisão governamental brasileira sobre o tema, foi proferida pela Dimed e se revestiu de várias falhas tanto jurídicas quanto técnicas, quando afirmou, por exemplo, que o DMT era presente no cipó, quando é encontrada na folha utilizada no preparo da bebida. Há inúmeros outros aspectos, mas quero destacar um para não me alongar. A análise das várias decisões do órgão é, em seu conjunto, um reconhecimento às entidades pioneiras e tradicionais que fazem uso de ayahuasca.
A primeira decisão conclusiva do Confen é de 1987?
Sim, mas em 1986 houve uma decisão provisória baseada em estudos de campo, com visitas às principais entidades. Esse contato permitiu aos pesquisadores constatar que os efeitos do DMT, abstratamente considerados, são diferentes dos efeitos da ayahuasca no uso ritual. Com base no que viram, pesquisaram, fotografaram, decidiram que o uso ritual devia ser liberado integralmente.
Mas os estudos detectaram, já naquela época, outro uso, digamos não tradicional, que se distanciava do modelo compreendido e aceito como uso ritual da ayahuasca.
Esse outro uso era uma espécie de desdobramento do uso tradicional, e incorporava outros elementos e, em especial, maconha. Na época, as entidades que faziam esse outro uso, comprometeram-se a interrompê-lo. Ocorre que esse outro uso, não-tradicional, continuou e expandiu-se ao abrigo genérico daquela permissão para o uso ritual tradicional. As decisões supervenientes do Confen/Conad são respostas a esse uso alternativo. Com o tempo aquele uso alternativo passou a ser confundido com o uso tradicional, e as decisões, embora visassem o uso alternativo, faziam uso de uma linguagem que confundia. Publicava-se uma decisão e dali algum tempo o Confen/Conad recebia várias denúncias, algumas graves, envolvendo comércio, adolescente viciada em maconha com a mãe pedindo providência para resgatar sua filha, mortes etc. Mas quando se examina as decisões, suas razões, seus considerandos, seu histórico, percebe-se que esses fatos posteriores não disseram respeito às entidades tradicionais. Curiosamente, quando se publicava na imprensa escândalos, quem veio a público, quem comparecia aos órgãos públicos foram as entidades tradicionais. A mídia, e por vezes até o poder público, não fazia nem faz essas distinções.
O ministro Gilmar Mendes participou da sua banca de exame, aprovando e recomendando a publicação da pesquisa. Como isso aconteceu?
O ministro Gilmar Mendes é mais conhecido como um integrante do Supremo Tribunal Federal, e autor de várias contribuições jurisprudenciais importantes. Mas o ministro é, de longa data, professor universitário e um pesquisador com enorme produção teórica e acadêmica, um dos mais influentes constitucionalistas brasileiros. Foi meu professor no mestrado. É autor de várias obras sobre interpretação constitucional, dogmática constitucional e sobre direitos fundamentais, algumas das quais indispensáveis para quem quer conhecer o direito constitucional brasileiro. Nessa condição de acadêmico, o professor que foi meu orientador, Álvaro Ciarlini, enviou para ele a pesquisa, e ele considerou a possibilidade de participar da banca, pelo ineditismo do assunto. Para mim, foi uma enorme honra e uma grande oportunidade, como um acreano, nascido na zoa rural comendo pão de milho com leite de castanha, defender uma dissertação sobre teoria do direito através de um tema tipicamente acreano, perante uma banca formada por pessoas tão eruditas. Não sonhava tanto.