sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Juruá sedia Primeira Conferência Indígena da Ayahuasca

Cena da animação 'Aware Nanê Putani', mito que conta a história do uso da ayahuasca entre os povos pano
Entre os dias 13 e 17 de dezembro, acontece a 1° Conferência Indígena da Ayahuasca. O encontro será na Terra Indígena Puyanawa, em Mâncio Lima –AC, extremo oeste da Amazônia Brasileira.
A conferência recebe o nome Yubaka Hayra, que em Hatxa Kuin (língua do povo Huni Kuin, grupo indígena mais numeroso do Acre) significa aproximadamente ‘Conversando sobre o que é certo’.
A proposta da realização de uma conferência indígena da ayahuasca ganhou força após a realização da Segunda Aya Conference, em Rio Branco-AC, em outubro de 2016. Na ocasião, os povos indígenas manifestaram por meio de uma carta, suas preocupações com o processo de expansão do uso da bebida e a patrimonialização da mesma.  
A intenção é de que representantes dos 14 povos indígenas do Acre, participem do evento, além de representantes do Chile e Equador e pesquisadores da ayahuasca.

Regulamentação

Uma das possíveis discussões será sobre a busca por caminhos que garantam a livre circulação dos pajés com a ayahuasca. No Brasil, a regulamentação de uso e transporte da bebida está vinculado ao seu uso religioso, difundido pelas chamadas religiões ayahuasqueiras.
No caso das comunidades indígenas o aspecto religioso/espiritual está integrado ao uso cultural tradicional e autônomo da ayahuasca. Contudo, com o crescente interesse do meio urbano pela ritualística indígena tradicional, cresce também a importância e a necessidade de regulamentar e normatizar a circulação da bebida e seus facilitadores.

Luis Nukini, coord. regional da FUNAI no Juruá. 'Ayahuasca está presente na base organização social e política dos povos indígenas da região'
"A ayahuasca está na base da organização social e comunitária de muitos povos indígenas. Sem essa relação com a espiritualidade através da ayahuasca, percebemos que há uma fragilização da organização social", explica Luis Nukini, coordenador regional da FUNAI  - Alto Juruá.

Hoje, o transporte de pequenas quantidade de ayahuasca por indígenas é apenas tolerado a partir de um entendimento informal da Polícia Federal.  
Além da ayahuasca, o kambô, ou vacina do sapo, também será tema dos debates.

Organizadores

O encontro é organizado pela OPIRJ, OPIRE e OPITAR (Organizações que presentam respectivamente os Povos Indígenas do Juruá, Envira e Tarauacá) e recebe o apoio institucional da FUNAI, IFAC (Instituto Técnico Federal do Acre) e SESAI (Secretaria de Saúde Indígena). 

domingo, 15 de outubro de 2017

O Vôo do Condor

Por Eloel Neves Aguiar

Foto:pabless/instagram via Marca Chile
"La luz de la veladora estaba apenas encendida, la copa fue repartida y el hombre sopló fuertemente lanzándola bien lejos de ahí. La oscuridad tomó cuenta de cada parte del local, en seguida Don Oscar me dijo: "hermano, hoy vas a conocer el Cóndor Pájaro", luego empezó a soplar icaros batiendo fuertemente su pie en la tierra y abanicando la chacapa lo que generó un sonido de alas al levantar vuelo. Luego vino el frío, el sueño sin sueño, la chusma llego a mí sin piedad. “Ya estoy mareado”, pensé. Sin mas miré a la derecha y lo vi, el Gran Pájaro. Era inmenso, medía como un metro y medio. Vi que me medía con su mirada solemne, como un rey. Cerré los ojos por el asombro bonito que sentía. En seguida vi el Río Amazonas, que allá abajo tranquilo seguía su rumbo. Observé mis alas abiertas, miré para los dos lados como si estuviera acostumbrado a volar, admiré las plumas blancas junto a las alas negras, no sentí miedo, respiré profundamente el aire frío y perfumado, sentí mis ojos al lado de las orejas, sentí el cuello curvado, miré el río y sentí paz. Pude ver el infinito comiéndose la selva verde, me deslicé en el aire siendo el Pájaro Cóndor. Entonces escuché el Ícaro y abrí los ojos, miré a mi derecha y vi en la oscuridad los dientes de mi amigo quien me preguntó, "¿lo viste hermano?". Le contesté que si. “Vamos para adelante” dijo él mientras siguió con los icaros afuera en medio de la noche…"

O presente texto foi oferecido por Eloel Neves Aguiar e retrata uma experiência ayahuasqueira no Amazonas Peruano, próximo à localidade histórica em que Che Guevara clinicou como médico em uma colônia de hansenianos, antes de seu ingresso na guerrilha.

A experiência ocorreu há 14 anos atrás, e a imagem do Condor, trouxe-a de volta a memória . A intensão de publicá-la reflete o desejo de registro do texto por sua força poética e simbólica.

Vicente Yawarani: uma singela homenagem a um professor da floresta

Uma escola que gira

No centro da roda do mariri está Vicente Yawarani, ou simplesmente, Yawá. Crianças, jovens e adultos, homens e mulheres giram ao seu redor.
Yawá entoa os versos de um saiti – músicas tradicionais que são entoadas em celebrações. São como o ‘cancioneiro popular’ do povo Yawánawá. Os versos cantados por Yawá são repetidos pela roda. Yawá parece repeti-los a quantidade de vezes suficientes para que os que estão à sua volta os cantem com perfeição.
A madrugada já vai longe, o sereno cai sobre o terreiro, os corpos já estão cansados de um dia de brincadeiras de mais um festival cultural. Mas ainda assim, Yawá, o mais velho está lá, lançando seu desafio aos mais jovens para que o acompanhem.  
É quando me dou conta: trata-se uma escola. Só que ao invés das carteiras escolares dispostas uma atrás da outra, com o professor na frente, temos uma sala de aula que gira em volta do professor. É quando me dou conta também, da ‘pedagogia’ de Yawá: ele não se cansa de repetir, para diferentes gerações, o mesmo ensinamento.
Certamente que, como em nossa cultura, há níveis e também degraus, mas aqui  eles giram, como círculos em uma espiral onde os saberes primários estão sempre a serem repetidos.
Aquilo é o maternal, o ensino fundamental, mas é também o médio e o superior, porque todos estão na roda. E Yawá, o maior professor vivo do povo Yawanawá é quem conduz o mariri: o primeiro grau da escola da pedagogia Yawanawá.

Sábio e Erudito


Com seus cerca de cem anos, Yawarani encarna com perfeição a figura de um sábio. Um sábio da floresta que assistiu ao contato de seu povo com o homem branco. Que viu a transformação de seu povo em seringueiros, agricultores, mateiros, tudo para fornecer os itens de que o patrão necessitava para manter o sistema seringalista funcionando.
Yawá assistiu à chegada dos missionários evangélicos. Suas pregações. O apogeu, declínio e queda de um modo de pensar que acreditou um dia poder substituir o pensamento Yawanawá por outro.
Plantio, colheitas, caçadas, pescarias. Casamentos, mortes, nascimentos. Guerras e Alianças. Isso tudo, e com certeza ainda mais foi visto, pelos olhos de quem viu já um século passar diante de sua vida. A vida, o pensar a vida, o viver a vida, o sobreviver e ainda fazer sobrar  alegria diante destes mesmos olhos é o que se pode chamar SABEDORIA.
Não resta dúvida: Yawá é um sábio. Quem duvida, que o veja sorrir. Em sua língua, sheni.
Mas Yawá não é APENAS um sábio.
Yawá é também um ERUDITO.
Em nossa cultura, valorizamos o conhecimento daqueles que se debruçam sobre os textos dos antigos, de Sócrates e Aristóteles, de Camões e de Cervantes e de tantos e inumeráveis outros que fazem a grandeza de nossa civilização.
Ocorre que Yawá é também  ele um guardião do conhecimento dos antigos. Que não está em textos de uma biblioteca, mas em canções, em orações, em histórias que formam o arcabouço do conhecimento cultural do povo Yawanawá, que certamente, dialoga com um contexto mais amplos dos povos Pano, que por sua vez dialoga com toda história do povoamento da Amazônia e dos vizinhos Andes, enfim, do continente sulamericano.   
As orações do shuintya Yawá são enunciadas em uma forma culta do Yawanawá, diferente da língua usada no cotidiano. Shuintya é rezador. A forma própria da oração diz que não basta saber enunciá-las à perfeição, é preciso ter o poder, a autoridade de dizê-las com efeito. Conhecimento e poder andam juntos, mas não são a mesma coisa.
Mas Yawá diz ainda sobre tais orações: ‘elas não são minhas, pertencem aos antigos.’  Ou seja, Yawá refere-se a um conhecimento cultural de seu povo, fruto da elaboração de gerações.

Um mestre além de si mesmo

Acredito que um mestre de verdade seja alguém que nos faça olhar à nossa volta, olhar em nós mesmos e descobrir por si só aquilo que realmente importa.
Nesse sentido, é certo dizer que a escola de Yawá, é um mestre ainda maior. Ela está na Floresta, eterna fonte de aprendizagem, nas plantas, nos animais. Isso pode parecer poético e impreciso, mas é assim que é.
Andar na Floresta, por exemplo, exige uma série de habilidades: motoras, sensitivas e cognitivas. É educação física e também geografia. É biologia, mas é também história e literatura, já que animais e plantas não fazem parte apenas de um mundo ‘natural’. São parte integrante da cultura, já que há histórias, músicas e pinturas que lhes fazem referência.
Buscar compreender a pedagogia (e a epistemologia) presente no cotidiano Yawanawá seria  tarefa de especialistas, impossível de abarcar num breve texto desta natureza. Mas cumpre ainda apontar o papel das plantas enquanto professoras, e ainda dos sonhos por elas engendrados. Talvez aí, como em poucos lugares, vejamos explícito o conceito de a educação e o aprendizado, mais do que tudo, como uma postura diante da vida.

E ainda assim, em meio a uma Floresta repleta de saberes, onde animais falam e cantam e as plantas ensinam a SER, sobressai-se a figura de Vicente Yawarani, o sábio erudito do Alto Rio Gregório.