quinta-feira, 28 de maio de 2015

Onde nos levará a ligação Cruzeiro do Sul e Pucallpa?

Documentário de Fernando Valdívia vai além do lugar-comum e mostra o tamanho do problema que seria construir uma ligação rodoviária ou ferroviária entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa.

Segundo o documentário, a proposta de integração regional é apenas cortina de fumaça para transformar a região em corredor de exportação de soja para a China, conforme previsto no IIRSA.

Assista ao documentário

quarta-feira, 27 de maio de 2015

No Universo da Cultura, o Centro está em toda parte

Pra mim é impossível não cruzar a praça do relógio da USP, sem tocar mentalmente a empolgante música de Bob Dylan, com os acordes de Jimi Hendrix​ "All Along the Watchtower". Essa música sempre me soou como um chamamento coletivo para algo que está mais além

Se você nunca ouviu, ouça.

Impossível também não meditar sobre as palavras escritas ao redor da torre "No Universo da Cultura, o Centro está em toda parte".


Há diferentes interpretações para o que o filósofo, jurista e reitor da USP Miguel Reale quis dizer com isso.
O mais óbvio é dizer que ele queria que a torre do relógio fosse o centro da cidade universitária.

Prefiro olhar além e pensar que que o real sentido seja o que de fato estas palavras dizem: onde se busca cultura, ali é o seu centro. Gosto de pensar que Miguel Reale buscava desde ali uma visão descolonizada, em que o centro não estaria na Europa ou nos EUA, mas onde quer que se busque conhecimento. E isto certamente vale para a própria universidade e deva ser constantemente lembrado:

"O centro está em toda parte"- bem poderia ser um mantra mágico proferido todas às vezes em que a universidade ficasse ensimesmada, incapaz de olhar sequer por cima dos seus muros, o que se dirá, olhar além, na direção dos rios e florestas em que habito - OM

Se essa não foi a intenção do reitor, furto-me ao sacrossanto direito à antropofagia para cobrar, como diria o não menos importante, Alberto Lôro, minha "parcela fatal" e assim juntar a frase ao meu caldeirão, como um ingrediente mágico especial.

No meu caldeirão de conhecimento, o centro do universo está agora dentro de um pote de barro rezado por um pajé centenário, e eu deitado em uma rede assisto à sua aula.

Minhas notas são sofríveis, pois me faltam pré-requisitos básicos como a língua e as vivências naquelas matas, na caça, na pesca, nos roçados. Falta-me uma pele que me acoberte dos piuns, mas passa-se querosene, e vai se vivendo.

Sou aluno especial, cotista diria, de uma generosidade tremenda nesta universidade coberta de palha, onde os pássaros são professores e o bugio marca as horas. Lá vem eu chegando atrasado, louvada seja, a paciência de Yawá.

E porque cargas d'água insistir em um sistema de conhecimento que sequer é reconhecido, que não traz canudo nem glória, e nem grau?

Talvez seja pura teimosia, apenas isso e meu sangue aragonês se dá por satisfeito com esta explicação. Ou talvez seja para atender a um chamado que me foi feito nessa mesma floresta, pelo mesmo Yawá, há mais de 10 anos atrás.

Talvez seja para fazer ecoar na cidade um grito que só se ouve na mata.

Ou talvez seja o contrário: fazer ecoar na mata, o grito de uma geração que se perdeu nos labirintos de asfalto e de cimento que se tornaram as grandes cidades, estas gaiolas ausentes de sentido.

Verdade é que do ponto em que estou, isso cada vez menos importa.

Muito mais tem importado o caminho em si, o não estar parado, o não deixar ser paralisado pelas forças mágicas e hipnóticas, serpentes da cabeça da medusa que regem a matrix de nossa era.

Antes havia o apenas ir. Uma fuga, uma carreira desenfreada, pois atrás de si há o fogo da devastação. Aí descobre-se que o fogo e a devastação, tal como "no universo da cultura", também estão em toda parte.

Se antes havia o sentido de apenas ir, tal qual a marcha dos queixadas verdadeiros, há agora também o "vir": o voltar, não no sentido de quem apenas volta de onde veio, mas também que trouxe o que buscou, e que mostra, a que veio e em que acreditou.


Todos ao redor da Torre do Relógio (tradução possível, mas não exata)

Deve haver algum jeito de sair daqui
Disse o piadista ao ladrão
Lá tem muita confusão
Eu não tenho nenhum alívio

Homens de negócio bebem meu vinho
Os homens do arado cavam minha terra
Nenhum tem algum nível em suas mentes
Ninguém está fora deste mundo

Não há razão para estar excitado
O ladrão falou amavelmente
Há muitos aqui entre nós
Que pensam que a vida é mais que uma piada
Mas você e eu, nós passamos por isso
E este não é nosso destino
Então vamos parar de hipocrisia
A hora já começa tarde

Tudo ao redor da torre
Os príncipes mantiveram a vista
Quando todas as mulheres vieram e foram
Empregados descalços também

Lá fora na distância fria
Um gato selvagem rosnou
Dois cavaleiros estavam se aproximando
E o vento começou a uivar

Tudo ao redor da torre
Em toda parte

Em toda parte, eu fui





Narrador: sujeito sonhador - Reflexões a partir da XXI Semana de Ciências Sociais da FFLCH - USP

Só mesmo Ailton Krenak para "colocar na roda" da academia o livro "Muká, A Raiz dos Sonhos".

Foi isso que aconteceu nesta terça-feira, dia 27 de maio de 2015. Atendendo a um convite do mesmo, participamos conjuntamente das apresentações dos livros de nossas respectivas autorias durante a XI Semana de Ciências Sociais.

Eu com o já mencionado "Muká" e ele com o seu livro homônimo, o número 50 da coleção encontros (Editora Azougue).

Até então, percebia um certo "torcer de nariz" da universidade e em especial, da USP. Logo ali, onde me formei, por assim dizer "minha aldeia", foi onde encontrei a menor abertura e a maior rejeição a este trabalho.

Talvez olfatos delicados tenham identificado "hum, isso tá me cheirando a livro exotérico", e tenham parado ali mesmo na capa.

Mal sabem eles que em muitos espaços "exotéricos" o livro foi igualmente rejeitado. Talvez porque não fale aquilo que se quer ouvir nos círculos exotéricos. Meu livro não fala de "paz e amor", não oferece bálsamos curadores e nem saídas miraculosas para os mais de cinco mil anos de civilização ocidental. Sorry!

Por outro lado, sou também um estranho no ninho em um meio indígena que busca afirmar-se cada vez mais como autor de sua própria história, tendo com isso praticamente criado um gênero próprio de literatura.

Diante de uma platéia formada por estudantes universitários, muitos dos quais indígenas de diferentes povos, sou obrigado a refletir cada vez mais não apenas sobre o livro, mas sobre que papel pretendo cumprir como um escritor não-indígena que participa das formas tradicionais de transmissão de conhecimento.

Portanto, só posso expressar minha gratidão ao meio universitário por me impulsionar a estas reflexões.

Narrador: sujeito sonhador

Costumo dizer que não fui chamado para fazer uma tese de doutorado, ou mesmo uma reportagem. Fui chamado para fazer o Samakei do Muká. E assim o fiz.

Por meu juramento no terreiro do Muká, sou compelido a acreditar que quem me chamou, tenha sido o cacique Nixiwaká, o pajé Yawá, ou o próprio Muká, com seus Shenis e Yuvãs do terreiro, ou mais provável ainda, o alinhamento de todas estas vontades, incluindo aí a minha própria; sempre soube, que o resultado viria na forma de um texto.

Todos sabiam desde o início que a escrita seria pelo menos um dos "Cawá Wakin" (consagração) resultantes do Samakei. Isso estava escrito antes mesmo de sê-lo. Os sonhos do Muká reforçaram e reafirmaram isso cada vez mais.

Escrever, cantar e dançar estavam em meus sonhos.

Duvidar disso seria duvidar do Muká.

O livro não é "exotérico". É sim fruto de uma imersão que não faria sentido algum se não tivesse como motivação uma busca pessoal.

Por mais penas que coloque em minha cabeça, meu livro não é por assim dizer "indígena", a menos é claro, que um diz eu seja capaz de dar voz plena "não a esse aqui que está falando agora, mas àquele que eu vi sonhando".

Tampouco fiz do sistema de conhecimento de meu pajé um "objeto" de estudo. E que tremenda falta de respeito teria sido.

Talvez um ponto pacífico para esta escrita seja: narrativa. Viver e narrar. Apenas isso. Sendo que o narrador, é antes de tudo, também ele um sujeito daquilo que vive. Tão óbvio, tão simples. Mas olvidado em séculos de elucubração masturbatória de um sujeito que põe-se atrás da realidade, como se tal coisa fosse possível, com o único objetivo, na verdade, de exercer um poder sobre os demais sujeitos que não dominam a mesma linguagem.

Nessa narrativa isenta de isenção, o narrador descobre-se sujeito de sua caminhada e das conclusões a que ele mesmo leva. Um sujeito que ainda que não seja propriamente "exotérico", não nega a sua dimensão transcendente, pois descobre-se que não há outra maneira de se ser pleno.

Este narrador-sujeito-transcendente, vive, sonha e narra, pois isso é parte intrínseca a sua natureza humana, e assim matura a sua própria existência.

* Não se preocupem com a boca serrada de Ailton. A culpada foi uma esfiha que chegou bem na hora do "selfie". Ou, seria o contrário: o selfie" que foi na hora da esfiha?