Só mesmo Ailton Krenak para "colocar na roda" da academia o livro "Muká, A Raiz dos Sonhos".
Foi isso que aconteceu nesta terça-feira, dia 27 de maio de 2015. Atendendo a um convite do mesmo, participamos conjuntamente das apresentações dos livros de nossas respectivas autorias durante a XI Semana de Ciências Sociais.
Eu com o já mencionado "Muká" e ele com o seu livro homônimo, o número 50 da coleção encontros (Editora Azougue).
Até então, percebia um certo "torcer de nariz" da universidade e em especial, da USP. Logo ali, onde me formei, por assim dizer "minha aldeia", foi onde encontrei a menor abertura e a maior rejeição a este trabalho.
Talvez olfatos delicados tenham identificado "hum, isso tá me cheirando a livro exotérico", e tenham parado ali mesmo na capa.
Mal sabem eles que em muitos espaços "exotéricos" o livro foi igualmente rejeitado. Talvez porque não fale aquilo que se quer ouvir nos círculos exotéricos. Meu livro não fala de "paz e amor", não oferece bálsamos curadores e nem saídas miraculosas para os mais de cinco mil anos de civilização ocidental. Sorry!
Por outro lado, sou também um estranho no ninho em um meio indígena que busca afirmar-se cada vez mais como autor de sua própria história, tendo com isso praticamente criado um gênero próprio de literatura.
Diante de uma platéia formada por estudantes universitários, muitos dos quais indígenas de diferentes povos, sou obrigado a refletir cada vez mais não apenas sobre o livro, mas sobre que papel pretendo cumprir como um escritor não-indígena que participa das formas tradicionais de transmissão de conhecimento.
Portanto, só posso expressar minha gratidão ao meio universitário por me impulsionar a estas reflexões.
Narrador: sujeito sonhador
Costumo dizer que não fui chamado para fazer uma tese de doutorado, ou mesmo uma reportagem. Fui chamado para fazer o Samakei do Muká. E assim o fiz.
Por meu juramento no terreiro do Muká, sou compelido a acreditar que quem me chamou, tenha sido o cacique Nixiwaká, o pajé Yawá, ou o próprio Muká, com seus Shenis e Yuvãs do terreiro, ou mais provável ainda, o alinhamento de todas estas vontades, incluindo aí a minha própria; sempre soube, que o resultado viria na forma de um texto.
Todos sabiam desde o início que a escrita seria pelo menos um dos "Cawá Wakin" (consagração) resultantes do Samakei. Isso estava escrito antes mesmo de sê-lo. Os sonhos do Muká reforçaram e reafirmaram isso cada vez mais.
Escrever, cantar e dançar estavam em meus sonhos.
Duvidar disso seria duvidar do Muká.
O livro não é "exotérico". É sim fruto de uma imersão que não faria sentido algum se não tivesse como motivação uma busca pessoal.
Por mais penas que coloque em minha cabeça, meu livro não é por assim dizer "indígena", a menos é claro, que um diz eu seja capaz de dar voz plena "não a esse aqui que está falando agora, mas àquele que eu vi sonhando".
Tampouco fiz do sistema de conhecimento de meu pajé um "objeto" de estudo. E que tremenda falta de respeito teria sido.
Talvez um ponto pacífico para esta escrita seja: narrativa. Viver e narrar. Apenas isso. Sendo que o narrador, é antes de tudo, também ele um sujeito daquilo que vive. Tão óbvio, tão simples. Mas olvidado em séculos de elucubração masturbatória de um sujeito que põe-se atrás da realidade, como se tal coisa fosse possível, com o único objetivo, na verdade, de exercer um poder sobre os demais sujeitos que não dominam a mesma linguagem.
Nessa narrativa isenta de isenção, o narrador descobre-se sujeito de sua caminhada e das conclusões a que ele mesmo leva. Um sujeito que ainda que não seja propriamente "exotérico", não nega a sua dimensão transcendente, pois descobre-se que não há outra maneira de se ser pleno.
Este narrador-sujeito-transcendente, vive, sonha e narra, pois isso é parte intrínseca a sua natureza humana, e assim matura a sua própria existência.
* Não se preocupem com a boca serrada de Ailton. A culpada foi uma esfiha que chegou bem na hora do "selfie". Ou, seria o contrário: o selfie" que foi na hora da esfiha?
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