Em recente nota, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Xapuri defende que Chico Mendes teria sido um sindicalista, e não um
ambientalista. Para o STR, a associação de Chico Mendes a causa ambiental teria
sido um equívoco perpetuado através da imprensa e mais precisamente, a internacional.
Quando Chico Mendes realizava os famosos “empates” estava na
verdade defendendo os seringueiros e não exatamente a floresta. No entanto,
defender os seringueiros naquele momento significava sobretudo, impedir o
avanço dos tratores que traziam a expansão da frente agropecuária no Acre.
Considero legítimo afirmar que o movimento ambientalista
internacional, apropriou-se desta luta, inicialmente sindical e trabalhista
para transformá-la em sua própria bandeira. Mas é igualmente legítimo afirmar
que Chico Mendes também apoiou-se no movimento ambientalista internacional para
que sua voz fosse ouvida, já que na época, tanto a imprensa local quanto
nacional deram pouca ou nenhuma importância à luta dos seringueiros acreanos.
Não consigo visualizar no horizonte qualquer outra
instituição com mais legitimidade para falar de Chico Mendes que o STR de
Xapuri. Contudo, creio que o legado de Chico Mendes tenha ultrapassado os
limites de uma luta sindical, para colocar-se como uma nova possível reflexão de mundo.
Esta reflexão em que causas sociais unem-se à causa ambiental
não poderia surgir, por exemplo, no ABC paulista, onde os trabalhadores tiram
seu sustento das linhas de produção da indústria automotiva. Não poderia também
surgir na social-democrata Alemanha, onde a militância das causas ambientais parte
principalmente de setores urbanos com garantias sociais ainda inimagináveis aos
trabalhadores brasileiros.
O Acre é afinal de contas, um grande celeiro e laboratório
político capaz de produzir reflexões que até então estiveram ausentes do debate
político. A temática ambiental e indígena tem sido tratada de maneira quase que
pueril pela classe política. Esquerda e direita tradicionais ainda não foram
capazes de formular a questão sem sair do nível de abstração. A julgar pela
maneira com que o tema vem sendo tratado: “floresta” é uma espécie de entidade
mitológica como o curupira e o mapinguari.
Não se leva em conta, por exemplo, que continuidade do atual modelo de desenvolvimento poderá entre outras coisas, colapsar inclusive o sacro-santo agronegócio da soja, com uma eventual e provável mudança climática que altere o regime de chuvas.
O propalado "desenvolvimento" não leva em conta que, objetivamente, algumas centenas de milhares de pessoas vivem da exploração direta dos peixes dos rios, e da subsistência do que a terra é capaz de produzir, em condições de vida melhores, por exemplo, de que os sub-empregos criados pela indústria e pelo agronegócio.
Não se leva em conta, por exemplo, que continuidade do atual modelo de desenvolvimento poderá entre outras coisas, colapsar inclusive o sacro-santo agronegócio da soja, com uma eventual e provável mudança climática que altere o regime de chuvas.
O propalado "desenvolvimento" não leva em conta que, objetivamente, algumas centenas de milhares de pessoas vivem da exploração direta dos peixes dos rios, e da subsistência do que a terra é capaz de produzir, em condições de vida melhores, por exemplo, de que os sub-empregos criados pela indústria e pelo agronegócio.
Não carrego grandes ilusões com relação à Marina Silva. A
mulher tem mais contradições que os rios acreanos têm curvas. E que bom que
seja assim.
Com a Dilma, temos a certeza de que continuarão os tratores
a devorar a Amazônia, construindo hidrelétricas que servem principalmente para
pagar dívidas de campanha. Tenho a certeza de que com Dilma, logo estarão aqui pelo
meu Juruá perfurando petróleo. Com a Dilma, tenho certeza que meus amigos,
minha família Yawanawá não terão o restante de sua terra completamente demarcada,
bem como deve continuar andando a passo de jabuti a demarcação de outras tantas
terras indígenas no Acre e fora dele.
Também não há certeza alguma de que com Marina isso venha
ser diferente. Os atores em cena continuarão os mesmos, mas talvez haja uma
nova distribuição de cartas. Talvez os movimentos sociais hoje calados por medo
ou conveniência, possam de fato se manifestar e fazer a diferença nas ruas, no
campo e na floresta.
As dúvidas trazidas por Marina Silva me apetecem mais que as
indigestas certezas que Dilma carrega.
Elite
A polêmica toda em relação ao uso do termo “elite” por Marina
Silva para se referir a Chico Mendes me parece conversa de surdos, coisa de
gente que realmente não faz questão de
ouvir o que o outro tem para dizer.
Marina claramente fez uma desconstrução do termo “elite”,
tal qual vem sendo empregado especialmente pelos setores ligados ao PT e à dita
esquerda tradicional.
“Elite” não se restringe á elite econômica, tal qual sempre
quiseram tanto os banqueiros da avenida paulista, quanto os sindicalistas do
ABC que o combatem.
O termo elite é mais amplo e basta uma espiada no dicionário
para constatar tal coisa. Lenin não nos fala sobre a construção de uma “elite
revolucionária”?
Elite é também sinônimo de vanguarda. São aqueles que vão à
frente, pelo destemor aos perigos e amor as ideias que os conduzem.
Elite é também um qualificante. E qualidade aí não se
restringe ao conceito burguês de eficiência perante o “mercado”. É possível ser
elite “apesar” do mercado. É possível ser elite sem um tostão no bolso. E assim
são as centenas ou talvez milhares de professores brasileiros que não são
reconhecidos pelo “mercado”. Aliás, na sociedade industrial o mercado prefere o
mainstream, o pasteurizado, o igual, porque vende mais.
Elite são as parteiras do Alto Juruá. É a dona Maria que
cura dor de barriga com erva e reza. É o seu “Zeca Diabo” do bairro do cruzeirinho
que levanta uma casa e muda ela de lugar. É a dona Tereza que decora uma casa com
palha e talo de buriti. É o seu João do Miritizal que faz canoa na mata e a
dona Francisca, que quando a canoa não serve mais pra navegar, produz verdura
em cima dela.
Meu velho pajé Yawaraní de mais de 100 anos, erudito remanescente
de uma cultura ameaçada pelos mirabolantes projetos de desenvolvimento na
Amazônia, é parte da “elite” que nem o Brasil do
Mercado e nem o Brasil do Estado
foram capazes de enxergar.
Marina vai enxergá-los? Não sei. É mais uma dúvida, mas uma dúvida
ainda é bem melhor que as certezas de Dilma.
* Na foto Chico Mendes sorri ao lado de sua bela esposa Ilzamar Mendes. Ilzamar recentemente concedeu entrevista sobre Marina Silva.
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