sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Milagres



Leandro Altheman

A viagem de volta pela BR 364 foi bem mais difícil do que a ida. Alem do cansaço natural de um corpo que passou praticamente dois dias em cima de uma motocicleta, uma inesperada chuva dificultou de maneira incalculável o progresso da viagem.
Mesmo esperando dois dias após a chuva, quando sai de Sena Madureira em direção a Manoel Urbano, com a incrível pretensão de dormir em Feijó, percebi o tamanho da dificuldade que teria de enfrentar. Logo após a travessia sobre o rio Caetés, dezenas de automóveis, grandes e pequenos, caminhões e caminhonetes, enfileiravam-se um após o outro em trechos de difícil passagem. Ainda assim, com a motocicleta foi possível ultrapassar estes obstáculos, ate que finalmente me deparei com a inacreditável e intransponível “tabatinga”. Levei a primeira queda e sem desanimar subi novamente na moto. Mas adiante foi ficando cada vez mais funda a “tabatinga”. Em alguns lugares, onde desci da moto para empurrá-la, tinha a impressão de estar pisando em uma enorme esponja com quase meio metro de profundidade. A água chiava saindo dos poros daquele terreno, aderindo-se ao sapato, aos pneus, correntes e ao que mais estivesse ao seu alcance, não como uma lama, mas como um “chiclete”, uma borracha liguenta que ia se acumulando e aumentando a espessura a cada passo. Como se não bastasse, o terreno não oferecia o mínimo de aderência para ao menos empurrar a moto que mesmo pesando apenas 100 kg exigia um esforço hercúleo para transpor míseros centímetros. Em pouco tempo estava totalmente sem fôlego. Tentei pela ultima vez utilizar o motor da moto para sair daquela situação, o que foi fatal: a embreagem não suportou o esforço e queimou o disco. Fiquei parado em cima de uma ladeira, com a tabatinga a frente a atrás de mim, com o motor funcionando, mas sem o mínimo de movimento. Alguns motoqueiros que vinham atrás ajudaram-me a afastar a moto da pista.

Atitude confiante

Neste momento, minha tendência natural seria entrar em desespero, sentir raiva de mim mesmo, me culpar por ter sido tão burro e imprevidente a ponto de entrar na BR naquelas condições. No entanto, percebendo a total inutilidade destes sentimentos, fiquei absolutamente tranqüilo e observar antes, as condições do meu corpo. Percebi que estava com forte palpitação e quase sem fôlego, o sol forte ofuscava minha vista e minha cabeça aquecia-se assustadoramente com o calor. Mal tinha forças para andar. Minha primeira atitude foi buscar uma sombra. Tirei a bagagem das minhas costas e deite-me sob a sombra tênue de uma sororoca. Sentia sede, mas como não tinha água, apenas a sombra e o descanso estavam a minha disposição. Alguns minutos depois de estar sob a sombra comecei a relaxar, senti um leve mas agradável brisa e a sensação de sede diminui consideravelmente. Cerca de 10 minutos depois, já estava tão descansado que conseguia ajudar outros motoqueiros que passavam pelo caminho. Mas apenas alguns segundos sob o sol eram suficientes para fazerem voltar a sede e a palpitação com força total.
Percebendo que não tinha água a minha disposição, resolvi lançar mão da única coisa a disposição: ayahuasca.

Delicadamente coloquei uma pequena dose na garrafinha, fiz a consagração e tomei.
O espírito do momento era esse: não desanimar diante das adversidades, encontrar em tudo, alento, ter fé, esperança, confiança, em si mesmo e nos seres divinos que me acompanham. Orei para os seres divinos que comandam os caminhos e aguardei o resultado, pensando e sentindo que na verdade nada poderia me fazer mal, e que alguma solução viria.

Conforme a força veio chegando, minhas percepções sobre aquele momento preciso, seus múltiplos significados, foram aos poucos se revelando.

Percebi a importância desta atitude de fé, de esperança, de confiança profunda, em si mesmo, na semente divina que trazemos no coração e que com dignidade devemos portá-la.

Estava tudo tão maravilhosamente ótimo, e nem cheguei a me surpreender com isso. Minha moto estava quebrada, a mais de 400 km de casa, um sol abrasador e nenhuma perspectiva de resgate em pouco tempo. Ótimo!

Tinha uma garrafa inteira de ayahuasca, e no meu peito, uma confiança que começou a se abrir em entendimento. Vi um gavião sendo atacado por pequenos pássaros. Uma cena comum e que em outros momentos me causava uma certa angustia pro ver que meu parente sofria com pássaros tão pequenos. Mas desta vez, na sombra da sororoca, sem pressa de tempo, pude ver a cena completa e percebi que na verdade o gavião não se aperreava nem um pouco com as manobras dos passarinhos, ele manobrava também, diminuindo o poder de fogo dos ataques. O que antes, em cenas curtas me parecia uma fuga desesperada, revelou-se na verdade uma manobra evasiva muito inteligente, que colocavam os pássaros pequenos exatamente aonde o gavião os queria.

De repente, passaram por ali dois tratores. A vibração deles perturbou o ar e a terra em volta de mim, tirando-me um pouco do estado em que me encontrava. No entanto, mantendo a confiança, a paz permaneceu preservada em meu peito, e pude então entrar em uma nova cadeia de percepções. A primeira foi de uma sensação de urgência, que aprecia fazer parte não apenas daquelas máquinas, mas de toda uma era. Uma sensação com um apelo muito forte, lançado a todos nós. Mas dentro da consciência xamânica, me veio um profundo alerta:”não atenda a este apelo”. E pude então olhar as coisas mais a fundo. Vi então que este aparente “sentido de urgência” na verdade escondia, encobria uma urgência mais real, verdadeira, mas que contudo não me foi revelada.

Já a “urgência social’, assim me foi revelado, estava enraizada em um sentimento de prepotência, de presunção do ser humano. Um sentimento que lhe afastava daquilo que era mais nobre, mais verdadeiro, mais prazeroso, de uma devoção natural aos Criador através dos elementos da criação. Foi me mostrado, contudo, que mesmo este atual estágio do ser humano, era também de certa forma, parte de seu aprendizado, mas que nem por isso, eu precisaria compartilhar. Ainda me resta a escolha de um caminho sagrado, junto ao Criador, presente, em cada partícula da criação.

Providência Divina

Em meio a esta deleitosa aula que transformou um amargo inferno, em um carinhoso paraíso e palácio do conhecimento, a medida que o sol aquecia, mais e mais automóveis, motocicletas e caminhões passavam por ali, intensificando o fluxo naquele local. Estava risonho e sentei-me sobre um grande pedaço de barro, observando o movimento. Alguns carros que por ali passavam buzinavam e me cumprimentavam, mas mesmo alguns conhecidos que passaram por mim, não chegaram a perguntar se precisava de algo.
Passou por mim então, uma Toyota azul, de carroceria de madeira, e o motorista olhou demoradamente para mim, diminuindo a velocidade. Aproveitei a deixa para lhe pedir água que ele me deu. Bebi longos e demorados goles, esvaziando pela metade a garrafa de dois litros. Ele então me perguntou o que acontecera e em meio aos goles, fui explicando.
“_vamos buscar um senhor que está machucado no ramal. Quando voltarmos, embarcamos a tua moto de volta para Sena Madureira.”
“-Maravilha”. Respondi
Minha alegria foi tanta que resolvi comemorar com mais uma dose de ayahuasca.
Só que desta vez, o cuzcuz com ovos do café da manhã do hotel, pediu para sair, por baixo.
Juntando toda dignidade do meu ser procurei o papel higiênico, já meio que me espremendo. Coloquei um boné e andei uns 50 metros até achar uma sombra (que não fosse perto de onde eu estava) e lá deixei o meu testemunho: Fiz a higiene e sai de lá antes que as moscas começassem a perturbar aquele lindo momento.

Voltei para o meu canto, mais aliviado e fiquei curtindo a vida, alegremente aproveitando aquele momento de leveza. Em menos de 15 minutos a Toyota Azul apareceu de volta, e imediatamente, o motorista, estacionou ao lado da moto. Sentindo a emoção de ser salvo, fui até lá e ajudei-o a embarcar a motocicleta. Logo percebi a boa disposição do sujeito: mesmo coberto de lama, num sol daqueles, levantando aquela moto a uma altura de 1 metro e meio, o sorriso não saia de seu rosto.
Enquanto o ajudava a erguer a motocicleta lembrei de dizer:
“Um resgate destes, só pode ser a providencia divina”.
Para mim que estava alí sem a possibilidade de um resgate este me pareceu um autêntico mliagre. E mesmo diante de todas as incertezas da vida, saí de lá com uma certeza: que o auxílio vem para quem consegue se colocar em uma atitude de confiança e de dignidade perante as dificuldades da vida.

Fidélis, o condutor da Toyota, amarrou a motocicleta. E para não ficar só olhando, uma vez que não fazia a menor idéia de por onde começar disse: “Vou fazer o que sei”, peguei então minha câmera fotográfica e passei a registrar o momento do resgate, já pensando em utilizar depois as fotos para descrever esta incrível cadeia de eventos.

Depois de embarcado, seguimos viagem de volta para Sena, mas não pro muito tempo: no meio do caminho, uma caminhonete Nissan que estava sendo rebocada, foi deixada para traz depois que o reboque partiu e o cara que o levava nem percebeu, e seguiu em frente. Nosso herói de hoje, que já havia tirado um senhor idoso de dentro de um ramal, e resgatado um motociclista que ele nunca tinha visto na vida, desceu da caminhonete , pacientemente atou uma corda por dentro de um “cambão” (espécie de eixo que evita o choque entre o rebocador e o rebocado) e passou a rebocar a “Nissan”. Mais para frente, Fidélis, afastou-se um pouco e desceu para ficar observando os carros pequenos passando por um trecho difícil, indicando os melhores lugares para passagem. Perguntei para outro ocupante da Toyota de quem era o veículo e ele me disse apenas: “da Igreja”. Não quis perguntar “de qual igreja”, pois achei que estaria sendo indelicado. Não importa de qual igreja fosse, seria sempre grato aqueles irmãos.

Depois seguimos nossa viagem, já em maior velocidade, pois eram cerca de 5 horas da tarde e a estrada já estava bem mais seca.Conversei demoradamente com o sujeito que ia comigo na caçamba: um rapaz jovem, mineiro, que vivia naquele ramal desde os seis anos de idade. Há mais de 21 anos sua família havia saído da zona urbana de Belo Horizonte para morar na zona Rural de Sena Madureira-AC. O mais incrível é que tudo começou com o seu irmão, que foi para lá com 14 anos, virou padre e convidou o restante da família. Neste momento já comecei a perceber que se tratava de Igreja Católica.
Enquanto andava na carroceria daquela Toyota fui contando ao rapaz sobre Cruzeiro do Sul, os seus muitos buritizais, os seus banhos, o nosso novenário, falei sobre meu filho que sobe em árvores para comer ingá e percebi que amava imensamente o Juruá. Senti um amor tão profundo e forte, que começou por Cruzeiro do Sul, ampliou-se para a natureza do Juruá, para a minha família, agradeci imensamente minhas escolhas que me levaram até lá, e meu amor foi se ampliando: ao vento que balançava meus cabelos, ao sol que fazia meus braços arderem, à terra tão bela afinal, e que nos concedia seus caminhos, aqueles irmãos que mesmo sem me conhecerem me resgataram. Senti a presença de Deus em tudo, não enxerguei mais barreiras entre religiões, credos, enfim, percebi que há portanto uma fonte universal a qual todos podemos acessar, de diferentes maneiras...

Prometi para mim mesmo ascender uma vela na igreja, para agradecer o espírito fraterno daqueles irmãos.

A ocasião ainda me deu a oportunidade de conhecer o legendário Padre Paolino Baldassari que há tantos anos faz o bem naquela terra, àquelas gentes, de acordo com seus princípios.

Depois de consertar a moto, o que levou cerca de 40 minutos, fui até a igreja Nossa Senhora da Conceição e acendi uma vela em agradecimento...
Um frase na igreja me chamou a atenção: "Ninguém vem a mim a não ser que lhe seja concedido pelo pai". E lá estava eu, mesmo sendo uma ayahuasqueiro, prestando uma homenagem, um agradecimento sincero àquelas pessoas que com base nos seus sentimentos e crenças, fazem o bem, sem olhar a quem.

Saí de lá com a certeza ainda maior de que "Deus está em toda parte".

domingo, 16 de agosto de 2009

O Chute na Santa (3)


A idolatria na TV

Roteiro para um filme sobre idolatria

Cena 1:
Um pastor berra ao microfone palavras eloqüentes. Com um habilidoso sofisma, ele cita passagens bíblicas e depois às compara com exemplos do mundo atual. Uma multidão atônita assiste ao espetáculo. É de madrugada. Um gordo na poltrona tem em uma das mãos o controle remoto e na outra um pacote de biscoitos. Quando chega no canal do pastor ele não muda mais de canal. Permanece atônito como o auditório. O pastor, com bíblia na mão, exaspera-se, condenado o que ele chama de “idolatria”. Milhares de lares acompanham sua pregação.

Cena 2:
O gordo finalmente consegue trocar de canal. Mais um canal de pregações. Neste o telefone toca e o pastor atende ao vivo. Ao fundo uma mulher desesperada. Seu marido alcoólatra perdeu o emprego. Ele ergue as mãos e proclama o poder de deus que alcança a mulher via satélite.

Cena 3:
Nosso personagem na poltrona troca novamente de canal. Agora um grupo de pastores com as mãos erguidas pede que cada telespectador coloque em frente à sua televisão um copo d’água, para captar as bênçãos que eles vão emitir. Em muitos lares, as pessoas fazem isso, em geral, são mulheres desesperadas e solitárias como a que ligou. O gordo até pensa em fazer também. Mas olha a geladeira, olha o copo, mede a distância e tomado de uma imensurável preguiça, decide não fazê-lo. Apanha mais um bocado de amendoins e os joga na boca, assistindo o resto do espetáculo.

Cena 4:
Finalmente ele adormece. A mistura de TV com amendoins estragados faz com que tenha um incrível pesadelo. Nele se ergue uma gigantesca torre, onde no alto há uma televisão. De dentro dela saem às imagens de um pastor que faz a sua pregação enfurecida, condenando a idolatria. Ao seu redor, milhares de pessoas ajoelhadas diante da tela, mãos erguidas em prece. Alguns trazem seu filhos doentes para que o pastor, da TV, os abençoe. Outros andaram muito com suas muletas em busca de uma cura. Outros são desesperados que querem um lampejo de luz em suas vidas, mas a maioria se torna uma turba furiosa, raivosa que começa a circular a torre com a TV, como fiéis fundamentalistas que prometem fazer tudo o que a TV mandar. Há uma catarse em torno da figura do pastor, que aparece apenas na tela. Ele acusa as outras religiões de pertencerem ao demônio, para seus fiéis cada palavra sua, é lei.

Cena 5:
O Gordo desperta assustado. No mesmo canal, agora o pastor faz um exorcismo expulsando o demônio em rede nacional. Cansado de tudo aquilo, ele troca mais uma vez de canal, é o Pica-Pau. Ele respira aliviado. He-he-he-he; he-he-he-he, hehehehehehehe…

sábado, 15 de agosto de 2009

O Chute na Santa (2)

A Arena Televisiva
Leandro Altheman

Esqueça esta história que você ouviu sobre democracia e meios de comunicação. Esqueça esta balela sobre a imparcialidade a qual se arvoram os senhores da imprensa. É tudo mentira. Ou melhor: é tudo mais um espetáculo para manter você e eu, ligados na TV acreditando se tratar da realidade.

Sendo assim, não é preciso tomar partido na briga entre a Globo de Roberto Marinho e a Record de Edir Macedo. Não se trata de uma luta entre o “bem e o mal’ como poderiam sugerir os filmes da sessão da tarde. Verdadeiramente nenhum presta. Nenhuma destas emissoras merece a sua atenção ou o seu respeito. Se quiser, divirta-se, como se divertiria um romano ao ver dois gladiadores lutando até a morte.

O dinheiro que deu origem à Rede Globo veio de um poderoso conglomerado dos EUAS da área de comunicação, o grupo Time-Life. O objetivo era claro e simples: em plena guerra fria eles precisavam de uma empresa que garantisse os ideais capitalistas e pró-EUA no Brasil. Conseguiram bem mais do que isso, emperraram os avanços políticos do nosso país por mais de 20 anos e por outro lado, uma pretensa “liberação dos costumes”, nos fazia acreditar estarmos indo na direção da “modernidade”.

Já o dinheiro que permitiu ao bispo Edir Macedo a compra da Rede Record é bastante óbvio que tenha vindo de sua igreja, e portando, direta ou indiretamente da doação de seus fiéis. Por outro lado, a vinda das chamadas igrejas neopentecostais para o Brasil coincide com o exato momento em que setores da Igreja Católica passaram a professar uma fé mais socialista que de costume. Favorecidos pelo regime militar, os telepastores vieram dos EUA e fizeram sucesso nestas latitudes, deixando discípulos como Edir Macedo.

Em outras palavras: é tudo a mesma bosta...

Um monte de dinheiro usado para encobrir a verdade e amortecer nossa capacidade de ver o mundo de maneira crítica. A medida que a população vai adquirindo mais consciência, mais sofisticados se tornam os meios de manipulação.

É difícil escolher. O que é pior: o “BBB nº tal”, ou “A Fazenda”. Tudo conspira a favor das meias verdade, a indução dos pensamentos, dos sentimentos, das respostas que damos ao mundo que nos cerca.

Mas, antes que me chamem de pessimista. Quero deixar claro uma coisa. Mesmo com todo o poder de manipulação da mídia, seu alcance ainda é limitado. Cito três exemplos: As Diretas Já, o Impeachment de Collor e a primeira Eleição de Lula. Em nenhum destes três casos o poder da mídia foi maior do que a mobilização popular. Engana-se quem pensa que a Globo ajudou o Impeachment, ou Lula. No caso das diretas já, a emissora deixou para a história o seu papel mesquinho de manipulador, ao noticiar a manifestação da praça da Sé como uma “festa dos estudantes”. No caso do Impeachment, a emissora tentou neglicenciar o acontecido, mas não teve jeito, o povo foi as ruas e Collor caiu. Bem, quanto a Lula, eles o derrubaram duas vezes, mas na terceira, ele já havia aprendido suficientemente as regras do jogo para não cair nas mesmas armadilhas (caiu em outras, depois).

Ou seja, por maior que seja o poder da mídia, ainda nos restam escolhas e mesmo este poder, escorre pelos dedos a medida que o acesso à Internet avança. Não é a toa que foi sugerido em Matrix, um universo por trás da aparente realidade. Não difere muito da Caverna de Platão, mas podemos sim, enxergar além das sombras animadas da telinha.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Chute na Santa (1)

Novenário reascende a polêmica sobre uso religioso da “imagem”

Leandro Altheman

Achei oportuno tratar deste tema por dois motivos: o primeiro, por conta do período de novenário, que mobiliza a nossa região, e segundo pelos crescentes ataques entre a Rede Globo e a Record. Quisera eu poder dizer que pelos menos um dos dois vale alguma coisa, mas mentir em blog é uma coisa muito feia.

Durante as festas religiosas que marcam o calendário cristão, vemos surgirem, seja nas ruas das cidades, ou nas muitas “esquinas virtuais” da internet, inúmeros debates sobre se determinadas práticas religiosas estariam contra ou a favor daquilo que dizem as escrituras.
Desde já, quero fazer uma ressalva, de que meu conhecimento sobre os testamentos é muito pequeno para travar um debate deste nível com base nos seus versículos e parágrafos.
Assim sendo farei uma análise dentro de minhas capacidades, mais ponto de vista histórico e social, do que propriamente religioso.

Em primeiro lugar, o ideal de tolerância e respeito religioso é algo que deve estar encravado profundamente nos corações e mentes de qualquer pessoa que se diga democrática. Talvez isso seja uma herança dos meus tempos de Marinha, onde desde cedo são incutidos nos mais jovens pupilos, o respeito à religião dos outros. Uma organização que navega por um sem-número de países: cristãos, islâmicos, budistas, hinduístas, shintoístas, ou qualquer outra vertente religiosa, não se pode dar ao luxo de ter problemas com seus anfitriões por conta de picuinhas dogmáticas. Na diplomacia internacional, nada justifica o desrespeito à fé alheia. Uma regra que poderia ser cumprida também entre nossos vizinhos.
Um papel que infelizmente a cristandade não cumpriu ao tentar esmagar a fé dos povos indígenas e africanos, impondo a sua própria.

Mas voltemos à questão das imagens

O episódio ocorrido na década de 90, quando um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus chutou publicamente a imagem de Nossa Senhora, ultrapassou as esferas do catolicismo, causando repúdio no mundo todo. Felizmente o pastor obteve a punição necessária de sua própria congregação. Há outras maneiras de expor suas idéias sem agredir o sentimento dos outros.

A agressão às imagens é fundamentada por aqueles que a defendem com base na proibição explicita no velho testamento com relação à idolatria.

É justamente neste ponto que gostaria de fazer uma ressalva. Historicamente a chamada “idolatria” é um fenômeno que difere muito das atuais procissões. A “idolatria” histórica, trata da necessária imolação de animais, ou nem alguns casos, até de seres humanos, em homenagem à determinada divindade.

As procissões me parecem um fenômeno diferente. Mesmo os hebreus, fiéis guardadores da lei mosaica, seguiram em procissão a chamada “arca da aliança”.
Por outro lado, elas aparecem com muita freqüência no mundo greco-romano, com um caráter cívico-religioso capaz de mobilizar as massas. Um aspecto da vida cívica que foi adaptado pela cristandade com a mesma finalidade: angariar rebanhos em torno de uma fé comum.


Durante o Império Bizantino, é amplamente conhecido o episódio do movimento iconoclasta, quando fiéis mais exaltados passaram á destruir obras artísticas de cunho religioso. Terminaram massacrados e até hoje o mundo pode testemunhar as maravilhas da inigualável arte bizantina.

Há uma aspecto histórico fundamental que é preciso ter em conta: durante a Idade Média, período de maior domínio da igreja sobre a vida dos cidadãos, a maior parte das pessoas era analfabeta. As letras eram o privilégio de poucos escolhidos, e mesmo nobres e reis demoraram a ter acesso a este conhecimento quase “mágico”.
Como resultado, a igreja buscou outras maneiras de transmitir a sua mensagem. Assim, o apelo visual era a única saída. Como resultado, temos hoje algumas das maiores obras de arte da humanidade: imensas catedrais góticas e seus maravilhosos vitrais, contando com figuras uma história que não poderia ser visualizada de outro modo pelos fiéis analfabetos.

Do período gótico, passamos ao renascimento, e temos então as maravilhas de Rafael, Da Vinci, Michelangelo, entre tantos outros de não menor importância.
É neste ponto que surge o segundo cisma da Igreja Católica, dando origem ás reformas protestantes de Martinho Lutero.

Neste ponto gostaria de citar Nietzche, filósofo alemão que é certamente, um dos maiores críticos do cristianismo. Para Nietzche o renascimento marca o momento de libertação dos conceitos dogmáticos da cristandade iniciados 1.500 anos antes. Embora patrocinados muitas vezes pela própria igreja, as obras deste período revelam uma importante transgressão: o homem como medida de todas as coisas.
Foi graças a esta transgressão que tivemos o desenvolvimento da sociedade moderna, da ciência, do estado laico de tantas liberdades que hoje usufruímos e que custaram tão caro a homens como Galileu e Giordano Bruno.

Para Nietzche, por traz da motivação de Lutero está a inveja dos alemães em relação à imponência de Roma. Na época, o conjunto de principados, ducados e condados que nem sequer compunham uma nação, nada mais eram do que uma obscura província rural, iletrada e atrasada do Império Romano-Germânico.
A adoção de um sistema religioso mais sóbrio, seria portanto, uma escolha mais de acordo com os elementos da cultura alemã.

Não por acaso, não são conhecidas grandes obras de arte de autores protestantes.

Na cultura islâmica, ao contrário, onde o alcorão veta o uso de imagens da natureza (para eles seria pecado a reprodução de algo criado por Alá), os artistas engenhosamente criaram fabulosas mesquitas fazendo uso apenas de elementos da geometria e versos do alcorão em belíssimas caligrafias.

Como ficariam as proposições dogmáticas que repudiam a idolatria diante de uma análise do uso explicitamente religioso da imagem na televisão pelas chamadas igrejas neopentecostais? Nada soa mais hipócrita que o aparente desprezo à imagem tão eloquentemente pregado pelos tele-pastores. A excessão da imolação de vítimas, há mais elementos de uma verdadeira idolatria em torno destes distintos senhores, do que nas procissões em todo país. Uma massa de fiéis atônitos, deseperados, prosta-se na frente da televisão, à espera de um milagre para suas vidas infelizes. Há um perigoso culto à personalidade do tele-pastor e a intensidade do vínculo "religioso" criado entre o telespectador e o artista na tela, supera de longe as melhores novelas. A disputas entre as duas maiores emissoras do país acontecem nas telas, ela, a TV é o novo anfiteatro romano onde se degladeiam hoje as maiores potencias, suas armas: a imagem. Ao final, são as conciencias que são devoradas pelos leões que dividem o butim de telespectadores e prestígio político.

Ainda quero abordar mais detalhadamente este tema, em uma próxima postagem assim que "Cronos", o terrível deus do tempo, permitir.

E para você que chegou até o fim, meus sinceros parabéns...

domingo, 9 de agosto de 2009

Los Porongas na Terra dos Náuas


Eles estiveram em Cruzeiro do Sul e reuniram tribo do rock no Juruá.

A banda acreana de rock Los Porongas esteve neste final de semana em Cruzeiro do Sul.

Com mais de seis anos de carreira e tendo conquistado o seu espaço no cenário nacional, os rockeiros acreanos trouxeram um pouco de sua experiência e estímulo para que os fãs do gênero s se organizem também no vale do Juruá. No sábado à tarde o baterista Jorge Anzol realizou uma oficina no teatro José de Alencar com músicos de Cruzeiro do Sul e região. Jorge Anzol deu dicas de como melhor aproveitar as diferentes nuances na sonoridade produzida pela bateria, além de falar sobre diferentes ritmos e estilos de tocar o instrumento.

Perguntado sobre como é para uma banda acreana tocar rock na capital paulista, Anzol respondeu que “o publico paulista, nem como em outros estado tem acolhido bem a nossa música”.

A banda de Rio Branco reúne diferentes estilos que lembram as melhores fases do Rock n’Roll que vai de Beatles a Chico Science. A temática regional sempre está presente nas letras do vocalista e compositor da banda Diogo Soares. Na música Ao Cruzeiro, ele faz uma clara referencia à bebida amazônica Ayahuasca , ou Santo Daime, mas com uma linguagem urbana e universal.

No sábado à noite a banda se apresentou no espaço de shows da Musical Importadora – Pizza em casa. O show reuniu pouco mais de cem pessoas mas ajudou a definir um movimento de resistência dos rockeiros cruzeirenses. “Embora Cruzeiro do Sul esteja tão perto de Rio Branco, podemos dizer que caminhamos muito para chegar até aqui. Para mim era um sonho conhecer o Juruá, e fazer isso trazendo para este público a nossa música, é uma grande satisfação”, disse o vocalista Diogo Soares.

Ao Cruzeiro

Los Porongas

Composição: Diogo Soares

Eu chamo o tempo
Eu subo alto
Santo é o nome da paz
Faço o canto um firmamento
E o lamento não se faz

É liquefeito o passaporte
E pela ponte vai a mente a
qualquer parte
Escadarias amazônicas a Marte
Start, estrela, esteja além, no bem
Sempre sem medo que vem
Como um rio

Dai-me paciência
Haja tanta curva
Mas vale tanto a pena
Ver a cena da canoa

A proa quando apruma voa

A cabaça das idéias
Conhecida por cabeças
Quem sabe talvez mereça
Rosa, lírio, ou azaléia

A proa quando apruma voa
avôa, avôa

domingo, 2 de agosto de 2009

O Ânimo do Guerreiro

O mais difícil neste mundo é adotar o ânimo e atitude de um guerreiro. De nada serve ficar triste, queixar-se, sentir-se injustiçado, e aceitar que alguém está nos fazendo algo negativo. Ninguém está fazendo nada, muito menos a um guerreiro.
Não importa como fomos criados. O que determina nosso modo de agir é a mane
ira como administramos a nossa vontade. Um homem é a soma de todas as suas vontades, que determinam sua maneira de viver e morrer. A vontade é algo que se adquire mas para isso é necessário lutar a vida inteira.

Desde o instante em que nascemos, as pessoas nos dizem que o mundo é assim, ou assado, desta ou daquela maneira. É natural que durante um certo período terminemos por acreditar naquilo que nos dizem. Mas logo precisamos deixar estes conceitos de lado, e descobrir nossa própria maneira de ver a realidade.

A humildade de um guerreiro não é a mesma humildade de um homem servil. O guerreiro não abaixa a cabeça para ninguém, mas tampouco permite que alguém se incline diante dele. O homem servil, por outro lado, se ajoelha diante de qualquer pessoa que considere mais poderosa, e exige que as pessoas sob seu comando tenham o mesmo comportamento diante dele.


O mal das palavras é que elas nos fazem nos sentir com se estivéssemos iluminados, compreendendo tudo. Mas, quando nos viramos e enfrentamos o mundo, vemos que a realidade é completamente diferente daquilo que discutimos ou escutamos. Por causa disso, um guerreiro procura agir, e não perde seu tempo em conversas inúteis. Através da ação, ele descobre o significado do que se passa no seu dia-a-dia, toma decisões criativas e originais.


O homem comum pensa que entregar-se às suas dúvidas e às suas preocupações
é um sinal de sensibilidade, de espiritualidade. Agindo assim, fica distante do verdadeiro sentido da vida, pois sua razão diminuta o converte no santo ou no monstro que imagina ser, e antes que se dê conta, está preso na armadilha que criou para si mesmo. Este tipo de gente adora que alguém lhes diga o que deve fazer, mas gosta mais ainda de não seguir os bons conselhos só para aborrecer a alma generosa que, em dado momento, preocupou-se com ele.
Só o guerreiro pode suportar o caminho do conhecimento.
Um guerreiro não se queixa nem se lamenta de nada, não acha que os desafios são bons ou maus. Os desafios são simplesmente desafios. O mundo é insondável e misterioso e assim somos todos nós.
A arte do guerreiro consiste em equilibrar o terror de ser um homem, com a maravilha de ser um homem.


Carlos Castañeda

Os Ensinos de Dom Juan