segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

O nacionalismo e o mito das três raças


por Cauã Pinheiro

O nacionalismo está se configurando como o novo centro político. A boa notícia é que o conceito é suficientemente abrangente. Talvez caiba a nós a tarefa de alarga-lo o bastante para que de fato caiba nele o país inteiro.

Quem não gostar pode espernear à vontade, mas quem quiser, pode, e deve, aproveitar a oportunidade de incluir o seu Brasil dentro do Brasil.

Diversidade e multiplicidade aliás, são conceitos definidores do que é Brasil.

Dentro da possibilidade de se evocar o conceito de Nação, surge igualmente a necessidade de entender a identidade nacional.

Inevitavelmente nos voltamos ao mito fundador de nossa sociedade: o mito das três raças.

A ideia do povo brasileiro como surgido da mistura destas três raças formadoras é antiga.

A noção aparece fortemente no próprio ato de criação do Exército Brasileiro, na Batalha de Guararapes, quando índios, lusos e negros se uniram para expulsar o invasor holandês. Também merece menção a aliança entre lusos e tupiniquins na expulsão dos franceses da Guanabara.

Explorada em Gilberto Freire no chamado mito da democracia racial, foi importante base ideológica para a Era Vargas.

Depois é retomada brilhantemente por Darcy Ribeiro, teórico de referência do trabalhismo de Brizola. 

Por fim, temos nas últimas décadas, um afastamento destas perspectivas a partir de um momento que os coletivos africano e indígena do país buscam um aprofundamento e auto-afirmação.

Na últimas décadas, o movimento negro buscou denunciar sua condição de figura explorada e marginal. 
Ao negar a existência da democracia racial enquanto realidade, afirmou-a como mito, ou seja, como horizonte político.  
Mas também ampliou seu próprio horizonte ao buscar uma re-africanização. Da África nos trazem ecos ancestrais, tambores que nos fazem dançar a todos desde há muito tempo. Ritmo pulsante de nossa terra.

Um nacionalista que estivesse pouco esclarecido a respeito do mito das três raças - repito, e insisto, peça fundamental na questão da identidade nacional, veria-se talvez subtraído.

Engano, a reafricanização não diminui o Brasil, pelo contrário, aprofunda-o, revela-nos raízes mais profundas, alimentadas desde as entranhas da terra.

E o que nos pode nos mostrar o fortalecimento da identidade indígena, que multiplica exponencialmente as nossas possibilidades do que é ser, brasileiros?
Haveria muito mais a dizer dos que aqui estão neste chão desde sempre. Quanto teríamos a aprender daqueles a partir de que, invariavelmente a sociedade brasileira se moldou?
Mesclados ao coração do país, são antes de tudo o âmago mais forte, a tronqueira e a raiz, na qual a sociedade brasileira se desenvolve. Tê-los em nosso próprio território nacional e com eles compartilhar este chão é um privilégio a que poucos povos no mundo tiveram. São nossos avós. uma raiz viva e pulsante que nunca permitirá que nos percamos de nós mesmos. 

Mas os povos indígenas não são apenas história viva, pulsante e presentificada. São também aqueles a nos mostrar o futuro, com um modo de vida e de conhecimento que intriga a ciência e nos aponta bem aqui, outros mundos.  

E o que nos dizer dos ibéricos? Essa mescla já nos vem de além mar, de povos pioneiros navegantes transtlânticos, com raízes que remontam aos celtas, galegos, latinos, germanos e mouros, assomado de judeus e de ciganos, que nos explica muito do ladino que somos.

Um nacionalismo que se negue a olhar com carinho para o mito das três raças, já nasce cego. Pior ainda aqueles que tentam substitui-lo por fundamentalismos gestados em outras latitudes.

Daqui, da copa do cumaru, de onde olha o Gavião Real, há muito mais a ser visto.
As cosmologias indígena, africana e ibérica, estão a nos mostrar mundos outros.
Torna-los possíveis é a missão civilizatória do Brasil.

Imagem: Cartaz do Documentário  'O Povo Brasileiro'. Disponível no You Tube. Revista Prosa e Arte

Nenhum comentário:

Postar um comentário