sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Agronegócio não sobreviveria sem produtos de origem indígena

Contextualizando: a apresentadora do programa ‘Sucesso no Campo’, Fabélia Oliveira afirma que se os índios querem preservar sua cultura deveriam parar de usar geladeira e morrerem de malária e tétano. A declaração polêmica faz parte de uma série de reações do setor do agronegócio ao samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense  que neste ano, homenageia a resistência dos xinguanos à usina de Belo Monte e ao agronegócio.
Se a opinião externada pela apresentadora fosse algo restrito ao setor do agronegócio, não seria tão preocupante, mas essa é certamente a opinião de boa parte da sociedade brasileira, que infelizmente, desconhece os processos históricos que levaram a sua própria formação.

Remédio da Malária: descoberta indígena

A tese da apresentadora é de que o remédio para a malária seria uma descoberta ‘do homem branco’ e portanto de uso exclusivo destes e daqueles que, não sendo brancos, submetem-se  às vontades e desejos do colonizador para ter direito a tais benefícios. Aos demais estaria reservada uma honrosa morte.
Nada mais equivocado. A malária não existia nas Américas.Foi introduzida pelos colonizadores. Credita-se ao povo Napo Runa e aos seus métodos tradicionais de diagnósticoe profilaxia de doenças a descoberta do uso do quinino presente em cascas e cipós como a quina-quina para o tratamento da malária.

O Napo Runa descobriram mais de mil plantas medicinais, algumas em combinações complexas, e descobriram a maioria deles em um tempo muito curto, em apenas um século ou mais de a introdução de doenças europeias. Na verdade, embora o mundo já tenha conhecido a malária há milhares de anos (foi descrito na China em 2700 aC), e não tinha remédio para ele, dentro de 25 anos da introdução da malária na Amazônia, o primeiro medicamento para a malária, o quinino, extraído de uma planta, foi descoberto pelos povos indígenas no Equador.’ Gayle Higpine, etnobotânica
O atual tratamento: cloroquina, primaquina, mefloquina, foi um aperfeiçoamento de laboratório de um tratamento tradicional. Também não são poucos os medicamentos que hoje fazem parte da farmacopéia  ocidental que tiveram origem no conhecimento tradicional.
Dito isso, vamos agora aos produtos utilizados pelo agronegócio que foram antes domesticados pelos povos indígenas das américas.

Milho, Batata, Tomate e Cacau

A lista de plantas conhecidas e domesticadas por povos indígenas e que hoje fazem parte de nossa alimentação diária é tão grande, que sobraria pouca coisa se fossemos aplicar a ‘regra de ouro’ da apresentadora.

O milho, tão importante para o agronegócio certamente encabeçaria a lista. Presente em centenas de produtos industrializados, o milho cuja safra supera as 200 mil toneladas é um produto de origem 100% indígena, cultivado em dezenas de diferentes espécies nas três Américas.
Segue na lista, a batata. Cultivada nos Andes por milênios, salvou milhões de europeus de crises famélicas e é hoje importante produto não apenas para o agronegócio, mas para a alimentação praticamente no mundo todo.

Podemos lembrar ainda da brasileiríssima mandioca, domesticada pelos povos indígenas e presente seja in natura ou através dos derivados: farinha e a goma (fécula), com que se fazem biscoitos e tapioca.

Do mesmo modo, o tomate, outro importante produto do nosso dia-a-dia, é também um produto de origem ameríndia. Ou seja, para fazer valer sua regra, Fabíola pode dar adeus ao molho de tomate na pizza e na macarronada.

O chocolate foi uma invenção europeia ao acrescentar leite à massa de cacau, que já era cultivado, processado e consumido milenarmente por povos indígenas da Amazônia e da América central.
À essa lista acrescentaria ainda o mate, tão utilizado pelo ‘homem do campo’ do Brasil Central como estimulante seja na forma de tereré gelado ou do chimarrão quente. O mate é indígena também.  
Entre as frutas temos o abacaxi, o maracujá, o cupuaçu, o açaí, a goiaba e outras dezenas de produtos que importantes ao setor agrícola nacional.

Há ainda o guaraná, estimulante conhecido originalmente dos índios da amazônia, e poderíamos acrescentar na lista até a coca-cola, já que que a coca é de origem ameríndia. E o pequi, fruto símbolo de Goiás, terra do agronegócio, advinha quem já o conhecia a ensinou aos recém-chegados na terra?

Até mesmo o adoçante Stevia, presente em refrigerantes diet, é também um legado do conhecimento indígena sobre a terra que ocupam, habitam, vivem e produzem há pelo menos cinco mil anos.