terça-feira, 14 de dezembro de 2010

WikiLeaks: Serra ia entregar pré-sal à exploração norte-americana

O refino do petróleo garante a produção de gasolina

As petroleiras norte-americanas contavam com o apoio do candidato derrotado à Presidência da República José Serra para não se submeter às novas regras definidas no marco de exploração de petróleo na camada pré-sal que o governo aprovou no Congresso. A Chevron chegou a ouvir do então pré-candidato favorito à Presidência, José Serra (PSDB), quando estava à frente da presidente eleita, Dilma Rousseff, a promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse. A revelação está em um telegrama diplomático dos EUA, datado de dezembro de 2009, e vazado pelo site WikiLeaks.

“Deixa esses caras (do PT) fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato do telegrama.

O despacho relata a frustração das petrolíferas com a falta de empenho da oposição em tentar derrubar a proposta do governo brasileiro. O texto diz que Serra se opõe ao projeto, mas não tem “senso de urgência”. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu, sempre segundo o relato: “Vocês vão e voltam”.

A executiva da Chevron relatou a conversa com Serra ao representante de economia do consulado dos EUA no Rio. O cônsul Dennis Hearne repassou as informações no despacho “A indústria do petróleo conseguirá derrubar a lei do pré-sal?”.

O governo alterou o modelo de exploração –que desde 1997 era baseado em concessões–, obrigando a partilha da produção das novas reservas. A Petrobras tem de ser parceira em todos os consórcios de exploração e é operadora exclusiva dos campos. A regra foi aprovada na Câmara este mês.

O diário conservador paulistano Folha de S. Paulo teve acesso e divulgou os seis telegramas do consulado dos EUA no Rio sobre a descoberta da reserva de petróleo, obtidos pelo WikiLeaks. Datados entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009, mostram a preocupação da diplomacia dos EUA com as novas regras. O crescente papel da Petrobras como “operadora chefe” também é relatado com preocupação.

O consultado também avaliava, em 15 de abril de 2008, que as descobertas de petróleo e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) poderiam “turbinar” a candidatura de Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil. O consulado cita que o Brasil se tornará um “player” importante no mercado de energia internacional. Em outro telegrama, de 27 de agosto de 2009, a executiva da Chevron comenta que uma nova estatal deve ser criada para gerir a nova reserva porque “o PMDB precisa de uma companhia”.

Texto de 30 de junho de 2008 diz que a reativação da Quarta Frota da Marinha dos EUA, na época da descoberta do pré-sal, causou reação nacionalista. A frota é destinada a agir no Atlântico Sul, área de influência brasileira.

Publicado originalmente em:

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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

EUA criticam o presidente Lula na questão ambiental

Publicado no site de notícias Correio do Brasil

Mais uma série de documentos publicados no sítio WikiLeaks e divulgados na imprensa mundial revela as críticas dos EUA à diplomacia brasileira durante as negociações internacionais do clima, entre 2008 e 2010. Em um dos vários telegramas escritos por diplomatas norte-americanos, o texto é irônico ao tratar da liderança do Brasil na cúpula do clima de Copenhague, no final de 2009.

Na mensagem, a diplomata Lisa Kubiske diz que “Lula cacarejou” suas conquistas ambientais e sua capacidade de costurar um acordo e acrescenta que o Brasil teria passado uma imagem de “herói” e “cavaleiro branco”. Os documentos, revelam ainda que os EUA exercitaram a estratégia de tentar conquistar o apoio brasileiro às suas propostas com o enfraquecimento do Itamaraty em favor do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Durante o encontro de nações, ainda segundo o WikiLeaks, EUA e China negociaram um acordo para manter os atuais níveis de poluição no mundo.

De acordo com o sítio fundado pelo jornalista Julian Assange, preso em Londres, o embaixador do Brasil para o clima, Sergio Serra, teria dito que “quem lidera as negociações é o Itamaraty, e Carlos Minc (na época ministro do Meio Ambiente) fala apenas sobre as suas opiniões pessoais”.

A ex-ministra do Meio Ambiente e candidata derrotada à Presidência da República, Marina Silva, para os norte-americanos, trata-se de uma pessoa “inflexível e absolutista nas questões ambientais”. Carlos Minc, por sua vez, era visto como pragmático e parceiro-chave dos EUA para defender que países como China e Índia deveriam ter metas.

O WikiLeaks flagrou correspondências também do embaixador Clifford Sobel, nas quais ele critica Minc: “Ele tem tendência a dizer o que gostaria que fosse verdade, e não o que de fato ocorreu”, referindo-se à garantia do então ministro ao representante dos EUA no Brasil de que que a posição do Itamaraty não prevaleceria, e sim a de seu ministério, o que não ocorreu.

Sobel, no entanto, reconhece que “o MMA está muito mais preocupado em resolver a questão. O Itamaraty a vê (à política ambiental brasileira) no contexto maior da política externa e está disposto a fazer menos sacrifícios”.

Procurado por jornalistas, Minc disse que havia, sim, uma divisão nítida entre seu ministério e o Itamaraty.

– O conservadorismo do Itamaraty se alinhava às posições mundialmente mais atrasadas: como quem historicamente poluiu foram os ricos, eles que façam alguma coisa – disse ao diário conservador paulistano Folha de S. Paulo.

Minc, porém, não aprovou a ideia de ser apontado como o homem de confiança dos EUA.

– Não tenho nenhuma identidade com os EUA. Tenho posições duríssimas com relação a eles. Defendi posição histórica dos ambientalistas – concluiu.

Publicado em : www.correiodobrasil.com.br


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Jobim: nos tempos de Jango?

Correspondência entre EUA e Minsitro da Defesa revelado pelo site WikeLeaks mostra a que interesses de fato ele serve.

Por Gilson Caroni Filho - do Rio de Janeiro

O professor Boaventura de Souza Santos, da Universidade de Coimbra, escreveu, há 11 anos, que: “uma parte do que de importante ocorre no mundo é em segredo e em silêncio, fora do alcance dos cidadãos. E o dilema para a democracia daqui resultante é que os segredos só podem ser conhecidos a posteriori, depois de deixarem de ser, depois de produzirem fatos consumados que escaparam ao controle democrático”. Referia-se ele, na época, ao Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), que vinha sendo negociado na surdina, entre os países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), por iniciativa dos Estados Unidos e da União Européia, com cinco países observadores, entre eles o Brasil de FHC. Tratava-se de uma carta magna das corporações transnacionais que não deixava aos países da periferia qualquer margem de soberania.

Graças ao vazamento do site Wikileaks, organização que confirma o surgimento de uma nova esfera informativa mundial, os fatos e manobras que permaneciam ocultos, na lúcida observação de Boaventura, se tornaram de conhecimento público, expondo, no caso brasileiro, o tamanho da queda que nos querem impor, ou a que estamos sujeitos.

Os telegramas de Clifford Sobel, ex-embaixador dos EUA no Brasil, dando conta de que os serviços prestados pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, a um país estrangeiro são emblemáticos. A presença de Jobim no futuro governo pode ter se tornado inviável. Mais do que nunca é importante lembrar a existência de uma relação íntima entre a intensidade da ameaça e a firmeza da resposta. Não há justificativa plausível, nem mesmo na lógica de uma estreita Realpolitik, para a continuação de Jobim à frente da pasta da Defesa. Um pequeno histórico se faz necessário quando mentalidades mórbidas voltam a atacar a soberania nacional, como se fosse praga e empecilho a ser removido.

Ao se abrirem os anos 1960, a diplomacia brasileira, refletindo tanto as novas realidades internacionais quanto a correlação interna das forças sociopolíticas, desenvolveu os seus primeiros esforços no sentido de divorciar-se do caduco alinhamento incondicional ao imperialismo, herança dos tempos da Guerra Fria. Foram dados, então, os passos do que, à época, ficou conhecido como “política externa independente”

O golpe de 1964 interrompeu esse processo. O regime emergente de 1º de abril, medularmente comprometido com o imperialismo estadunidense, acoplou à repressão no interior (“segurança nacional”) o reacionarismo na política externa (fronteiras ideológicas). O posicionamento internacional daí resultante só poderia ter sido aquilo que que sabemos: a subserviência mais lamentável aos desígnios do Império – de que permanece, como triste exemplo, a nossa intervenção na República Dominicana, no bojo da sinistra “Força Interamericana de Paz”.

Pouco a pouco, todavia, este posicionamento – lesivo à verdadeira soberania nacional, aviltante para uma república soberana – foi sendo ultrapassado pela realidade da vida. Entre as complicações de um mundo cada vez menos definível segundo o maniqueísmo dos “blocos” e as contradições do desenvolvimento das forças produtivas no país, a concepção das ” fronteiras ideológicas” passou, de fato, à categoria de figura de retórica. Especialmente a partir dos primeiros anos da década de 70, os governos militares foram compelidos a descolar-se do jogo internacional do imperialismo.

E sempre que o fizeram, conflitando com sua política interna e com seu próprio discurso global, marcaram posições progressistas que lhes valeram significativos créditos entre a comunidade das nações. Basta pensar na postura brasileira em face da luta de libertação dos povos africanos, diante da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e em relação às Malvinas.

A importância deste descolamento, conduzido consequentemente após a redemocratização, configurou o perfil que as forças democráticas reclamam para o Brasil: o de um país independente, com uma posição internacional e soberana e autônoma. Este cenário, evidentemente, é função da situação nacional. Somente um regime democrático, como o que temos hoje, assentado na mais ampla participação popular, pode aprofundar as tendências progressistas de nossa política externa. Vale dizer: a luta pela reorganização democrática da sociedade continua sendo conjugada à luta para sistematizar uma inserção internacional que corresponda aos interesses da maioria do nosso povo.

No limiar do futuro, a sociedade brasileira aparenta ser prisioneira do seu passado que, por ainda não ter sido dominado, ameaça se voltar contra ela. Pois é na hora do vôo livre para uma área ainda por construir, porém promissora, que a vontade não pode se distrair na desconfiança de que, mais uma vez, reiteramos antigos erros.

Quando disse ao diplomata americano que o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, “odeia os Estados Unidos e trabalha para criar problemas na relação entre Brasília e Washington”, Nelson Jobim se afigurou como triste personagem de uma geopolítica de vice-reinado.

Por aí, estaríamos condenados a viver em um território estranho à dialética, oscilando mecanicamente entre velhas sístoles e diástoles, vítimas de uma conspiração da nossa própria história. Cabe à presidente eleita avaliar se vale a pena apostar no atual ministro da Defesa. Por seu desempenho nos últimos anos e pelas confidências reveladas pelo site, Jobim está empenhado em uma aventura que lhe permita tomar o passado de assalto, obrigando o país a viver uma vida que não é a sua, como se fosse a única possível. Seria Jango o seu alvo?

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior, colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Centenário de morte de Leon Tolstói, mestre de Gandhi

Por Leonardo Boff - do Rio de Janeiro

Ocupando lugar central da sala de estar de minha casa há impressionante quadro de um pintor polonês mostrando Tolstói (1828-1910) sendo abraçado pelo Cristo coroado de espinhos. Ele está vestido como um camponês russo e parece extuado como a simbolizar a humanidade inteira chegando finalmente ao abraço infinito da paz depois de milhões de anos ascendendo penosamente o caminho da evolução. Foi um presente que recebi do então Presidente da Assembleia da ONU Miguel d’Escoto Brockmann, grande devoto do pai do pacifismo moderno. No dia 20 de novembro celebrou-se o centenário de sua morte em 1910. Ele merece ser recordado não só como um dos maiores escritores da humanidade com seus romances Guerra e Paz (1868) e Anna Karenina (1875) entre outros tantos, perfazendo 90 volumes, mas principalmente como um dos espíritos mais comprometidos com os pobres e com a paz, considerado o pai do pacifismo moderno.

Para nós teólogos, conta especialmente o livro O Reino de Deus está em vós escrito depois de terrível crise espiritual quando tinha 50 anos (1978). Frequentou filósofos, teólogos e sábios e ninguém o satisfez. Foi então que mergulhou no mundo dos pobres. Foi ai que redescobriu a fé viva “aquela que lhes dava possibilidade de viver”. Tolstói considerava esta obra a mais importante de tudo o que escreveu. Seus famosos romances tinha-os, como confessa no Diário de 28/20/1895, “conversa fiada de feirantes para atrair fregueses com o objetivo de lhes vender depois outra coisa bem diferente”. Levou três anos para terminá-la (1890-1893). Saiu no Brasil pela Editora Rosa dos Tempos (hoje Record) em 1994, com bela introdução de Frei Clodovis Boff, mas infelizmente esgotada.

O Reino de Deus está em vós, logo traduzido em várias línguas, teve enorme repercussão, gerando aplausos e acirradas rejeições. Mas a maior influência foi sobre Gandhi. Mergulhado também em profunda crise espiritual, acreditando ainda na violência como solução para os problemas sociais, leu o livro em 1894. Causou-lhe uma abissal comoção:”a leitura do livro me curou e fez de mim um firme seguidor da ahimsa (não violência)”. Distribuía o livro entre amigos e o levou para a prisão em 1908 para meditá-lo. O apóstolo da “não-violência ativa” teve como mestre a Leon Tolstói. Este foi excomungado pela Igreja Ortodoxa e o livro vetado pelo regime czarista.

Qual a tese central do livro? É a palavra de Cristo: “Não resistais ao mal” (Mt 5,39). O sentido é: “Não resistais ao mal com o mal”. Ou não respondais a violência com violência. Não se trata de cruzar os braços, mas de responder à violência com a não-violência ativa: com a bondade, a mansidão e o amor. Em outra forma: “não revidar, não retaliar, não contra-atacar, não se vingar”. Estas atitudes verdadeiras possuem uma força intrínseca invencível como ensina Gandhi. Para o profeta russo tal preceito não se restringe ao cristianismo. Ele traduz a lógica secreta e profunda do espírito humano que é o amor. Toca no sagrado que está dentro de cada um. Por isso o título do livro O Reino de Deus está em vós.

Gandhi traduziu a nao-violência tolstoiana como não-cooperação, desobediência civil e repúdio ativo a toda servilidade. Tanto ele como Tolstói sabiam que o poder se alimenta da aceitação, da obediência cega e da submissão. Porque tanto o Estado quanto a Igreja exigem estas atitudes servis, desqualifica-as de forma contundente. São instituições que tolhem a liberdade, atributo inalienável e definitório do ser humano. No frontispício do livro lemos a frase de São Paulo: “não vos torneis servos dos homens”(1Cor 7,23).

Para Tolstói o cristianismo é menos uma doutrina a ser aceita do que uma prática a ser vivida. Ele está à frente e não atrás. Para trás parece que faliu. Mas à frente é uma força que não foi ainda totalmente experimentada. E é urgente praticá-la Profeticamente Tolstói percebia a irrupção de guerras violentas, como, de fato, ocorreram. A casa está pegando fogo e não há tempo para se perguntar se é preciso sair ou não.

Tolstói tem uma mensagem para o momento atual, pois os grandes continuam acreditando na violência bélica para resolver problemas políticos no Iraque e no Afeganistão. Mas outros tempos virão. Quando o pintinho já não pode mais ficar no ovo, ele mesmo rompe a casca com o bico e então nasce. Assim deverá nascer uma nova era de não-violência e de paz.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.