sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Chico Mendes: ambientalista ou sindicalista?

Em recente nota, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri defende que Chico Mendes teria sido um sindicalista, e não um ambientalista. Para o STR, a associação de Chico Mendes a causa ambiental teria sido um equívoco perpetuado através da imprensa e mais precisamente, a internacional.

Quando Chico Mendes realizava os famosos “empates” estava na verdade defendendo os seringueiros e não exatamente a floresta. No entanto, defender os seringueiros naquele momento significava sobretudo, impedir o avanço dos tratores que traziam a expansão da frente agropecuária no Acre.

Considero legítimo afirmar que o movimento ambientalista internacional, apropriou-se desta luta, inicialmente sindical e trabalhista para transformá-la em sua própria bandeira. Mas é igualmente legítimo afirmar que Chico Mendes também apoiou-se no movimento ambientalista internacional para que sua voz fosse ouvida, já que na época, tanto a imprensa local quanto nacional deram pouca ou nenhuma importância à luta dos seringueiros acreanos.

Não consigo visualizar no horizonte qualquer outra instituição com mais legitimidade para falar de Chico Mendes que o STR de Xapuri. Contudo, creio que o legado de Chico Mendes tenha ultrapassado os limites de uma luta sindical, para colocar-se como uma nova possível reflexão de mundo.

Esta reflexão em que causas sociais unem-se à causa ambiental não poderia surgir, por exemplo, no ABC paulista, onde os trabalhadores tiram seu sustento das linhas de produção da indústria automotiva. Não poderia também surgir na social-democrata Alemanha, onde a militância das causas ambientais parte principalmente de setores urbanos com garantias sociais ainda inimagináveis aos trabalhadores brasileiros.

O Acre é afinal de contas, um grande celeiro e laboratório político capaz de produzir reflexões que até então estiveram ausentes do debate político. A temática ambiental e indígena tem sido tratada de maneira quase que pueril pela classe política. Esquerda e direita tradicionais ainda não foram capazes de formular a questão sem sair do nível de abstração. A julgar pela maneira com que o tema vem sendo tratado: “floresta” é uma espécie de entidade mitológica como o curupira e o mapinguari. 

Não se leva em conta, por exemplo, que continuidade do atual modelo de desenvolvimento poderá entre outras coisas, colapsar inclusive o sacro-santo agronegócio da soja, com uma eventual e provável mudança climática que altere o regime de chuvas.

O propalado "desenvolvimento" não leva em conta que, objetivamente, algumas centenas de milhares de pessoas vivem da exploração direta dos peixes dos rios, e da subsistência do que a terra é capaz de produzir, em condições de vida melhores, por exemplo, de que os sub-empregos criados pela indústria e pelo agronegócio.     

Não carrego grandes ilusões com relação à Marina Silva. A mulher tem mais contradições que os rios acreanos têm curvas. E que bom que seja assim.

Com a Dilma, temos a certeza de que continuarão os tratores a devorar a Amazônia, construindo hidrelétricas que servem principalmente para pagar dívidas de campanha. Tenho a certeza de que com Dilma, logo estarão aqui pelo meu Juruá perfurando petróleo. Com a Dilma, tenho certeza que meus amigos, minha família Yawanawá não terão o restante de sua terra completamente demarcada, bem como deve continuar andando a passo de jabuti a demarcação de outras tantas terras indígenas no Acre e fora dele.

Também não há certeza alguma de que com Marina isso venha ser diferente. Os atores em cena continuarão os mesmos, mas talvez haja uma nova distribuição de cartas. Talvez os movimentos sociais hoje calados por medo ou conveniência, possam de fato se manifestar e fazer a diferença nas ruas, no campo e na floresta.

As dúvidas trazidas por Marina Silva me apetecem mais que as indigestas certezas que Dilma carrega.

Elite



A polêmica toda em relação ao uso do termo “elite” por Marina Silva para se referir a Chico Mendes me parece conversa de surdos, coisa de gente  que realmente não faz questão de ouvir o que o outro tem para dizer.

Marina claramente fez uma desconstrução do termo “elite”, tal qual vem sendo empregado especialmente pelos setores ligados ao PT e à dita esquerda tradicional.

“Elite” não se restringe á elite econômica, tal qual sempre quiseram tanto os banqueiros da avenida paulista, quanto os sindicalistas do ABC que o combatem.

O termo elite é mais amplo e basta uma espiada no dicionário para constatar tal coisa. Lenin não nos fala sobre a construção de uma “elite revolucionária”?

Elite é também sinônimo de vanguarda. São aqueles que vão à frente, pelo destemor aos perigos e amor as ideias que os conduzem.

Elite é também um qualificante. E qualidade aí não se restringe ao conceito burguês de eficiência perante o “mercado”. É possível ser elite “apesar” do mercado. É possível ser elite sem um tostão no bolso. E assim são as centenas ou talvez milhares de professores brasileiros que não são reconhecidos pelo “mercado”. Aliás, na sociedade industrial o mercado prefere o mainstream, o pasteurizado, o igual, porque vende mais.

Elite são as parteiras do Alto Juruá. É a dona Maria que cura dor de barriga com erva e reza. É o seu “Zeca Diabo” do bairro do cruzeirinho que levanta uma casa e muda ela de lugar. É a dona Tereza que decora uma casa com palha e talo de buriti. É o seu João do Miritizal que faz canoa na mata e a dona Francisca, que quando a canoa não serve mais pra navegar, produz verdura em cima dela.

Meu velho pajé Yawaraní de mais de 100 anos, erudito remanescente de uma cultura ameaçada pelos mirabolantes projetos de desenvolvimento na Amazônia, é parte da “elite” que nem o Brasil do 
Mercado e nem o Brasil do Estado foram capazes de enxergar.


Marina vai enxergá-los? Não sei. É mais uma dúvida, mas uma dúvida ainda é bem melhor que as certezas de Dilma. 

* Na foto Chico Mendes sorri ao lado de sua bela esposa Ilzamar Mendes. Ilzamar recentemente concedeu entrevista sobre Marina Silva