domingo, 29 de novembro de 2015

Indígenas participam de processo de patrimonialização da ayahuasca

Povos indígenas do Acre deverão ter participação ativa e decisiva no processo
A antropóloga do IPHAN Danielle Jatobá esteve nesta semana em Cruzeiro do Sul para mais uma etapa do relatório preliminar que irá nortear o processo de patrimonialização da ayahuasca.
A pesquisadora irá produzir um relatório a respeito do uso ritualístico da ayahuasca no contexto indígena.
“Todos os povos indígenas do Acre fazem uso da ayahuasca, ainda que de diferentes medidas e formas”, explica.
O pedido de patrimonialização partiu conjuntamente das três principais linhas religiosas ayahuasqueiras do Acre: Barquinha, a UDV, e o Santo Daime (Alto Santo e Cefluris).
Religião
Compreendido como religião por seus adeptos e tendo seu uso assegurado por lei em seu contexto religioso, a ayahuasca ganha contornos distintos quando estudada a partir do ponto de vista indígena.
“O conceito de religião é ocidental e urbano. No universo indígena, é algo mais totalizado”, explica Danielle.
“Chamar de religião (no contexto indígena) é uma simplificação. A ayahuasca é história, cultura, e pode sim, ser religião, também. Mas esta resposta deve partir dos próprios indígenas e essa realidade pode variar de aldeia para aldeia”, complementa.
Medicina
Nos estudos preliminares, uma palavra que aparece com frequência para designar a ayahuasca é ‘medicina’. A ideia de que a ayahuasca seja ela própria portadora de poder de cura para um número considerável de doenças está presente no imaginário sobre a bebida. Pesquisas científicas recentes corroboram esta visão quando apontam que, por exemplo, a bebida tenha potencial terapêutico no tratamento de doenças como depressão, mal de Parkinson, alcoolismo e até mesmo em alguns tipos de câncer.
“Medicina é um conceito tão possível quanto religião para a realidade dos povos indígenas, mas tanto religião, quanto medicina são categorias em nossa língua, e portanto, apenas uma tentativa de aproximação.”
Restrição de Uso
A antropóloga não a redita que o processo de patrimonialização da ayahuasca possa se refletir em alguma forma de restrição de uso ou de ‘engessamento’ das práticas.
“A patrimonialização não tem relação com propriedade intelectual ou patente. Tampouco trata-se de política de controle. Os atuais detentores do bem cultural permanecerão sendo os detentores. Trata-se de um reconhecimento do valor como referência cultural para o país.”
Também segundo a pesquisadora, não haveria interesse de restringir o uso fora das três tradições. “Isso seria inexequível”, explica.
Mesma bebida, caminhos diferentes
O uso ritualístico da bebida entre os indígenas e comunidades urbanas e rurais é uma especificidade do Acre em relação ao restante do Brasil, mas não em relação aos vizinhos amazônicos: Peru, Colômbia e Equador, onde pesquisadores apontam um uso milenar em diferentes tradições.
Em 2008, o Peru declarou a ayahuasca como patrimônio cultural do país. Na decisão assinada pelo diretor do Instituto Nacional de Cultura, Javier Villacorta define o uso da ayahuasca como tendo propósitos religiosos, terapêuticos e de afirmação cultural.
Canções e desenhos
Está associado ao uso ritualístico da ayahuasca entre os indígenas um repertório das mais variadas canções que vão desde ‘louvores’ a aspectos da natureza animal, vegetal e cósmica, a canções de cura e orações.
Outro elemento chave ligado ao uso da ayahuasca são os ‘kenês’ – palavra da família pano para designar os grafismos que traduzem em formas geométricas aspectos da natureza.
“Serão os indígenas que irão definir o que eles querem que faça parte deste processo ou não”, conclui a pesquisadora.

Leia mais sobre no site do NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre PsicoativosMartini, Andréa. 2014. “Conhecimento indígena e a patrimonialização da ayahuasca”.

Paranoia (anti) rapé na fronteira

Gente que havia participado do lançamento do ponto de cultura Yorenka Atame, em Marechal Thaumaturgo, passou pelo constrangimento de ver o seu rapé apreendido durante revista dos soldados do Exército Brasileiro na pista de pouso do município. Até mesmo indígenas tiveram seu rapé apreendido, ainda que o porte esse tipo de substância de uso cultural, lhes seja assegurado por lei.
Os soldados justificaram a apreensão por se tratar de “produto da fauna e da flora local” (sic). A explicação não convence. Feito a partir de tabaco (produzido ali mesmo em Marechal) e cinza de cascas de árvores, o rapé tem menos de “fauna e flora local” do que os cocares e brincos emplumados que passaram sem problema.
A implicância com um produto que até bem pouco tempo não era incomodado com os aeroportos pode ter relação com uma reportagem recentemente apresentada pela TV Gazeta, onde, legitimamente, se apresentam preocupações com o abuso do rapé e sua rápida popularização no meio urbano, incluindo aí, muitos jovens e adolescentes nas escolas.
Digo que a preocupação é legítima, já que ate mesmo os pajés alertam para os danos de um eventual abuso do rapé.
O problema é que nas instituições da nossa sociedade, as reações a um fenômeno cultural, acabam tendo um viés proibicionista e criminalizador, principalmente quando se tratam de produtos da ‘exótica’ Amazônia.
Não se vê, por exemplo, alguém defendendo a proibição de Nutela ou Coca Cola, que podem ser tão viciantes ou, no caso da Coca Cola, especialmente danosa à saúde.
No caso do rapé, kambô ou mesmo da ayahuasca, cada vez mais se faz necessária a circulação de informações claras a respeito. Uma sugestão é que lideranças do meio indígena venham a cada vez mais a público, fazer estes esclarecimentos. Mas pode ser necessário também realizar encontros entre indígenas e não-indígenas, já que o uso destas substâncias no meio urbano, é uma realidade.

Livro da Cura Huni Kuin é um dos vencedores do Prêmio Jabuti deste ano

A comissão organizadora do 57º Prêmio Jabuti divulgou nesta quinta-feira (19) o resultado final da premiação deste ano. O Livro Una Isi Kayawá, escrito pelos pajés Huni Kuin do rio Jordão em parceria com o Jardim Botânico do Rio de Janeiro conquistou o terceiro lugar na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática.
O livro teve um processo criativo bastante original, utilizando os cadernos de anotações dos pajés do rio Jordão. Segundo a editora Anna Dantes, a ideia do livro teve início a partir de um sonho do pajé Agostinho Iká Muru. O pajé, juntamente com o taxonomista Alexandre Quinet, são os organizadores do projeto.
O livro Mata Atlântica – Uma História do Futuro e,  Agricultura Conservacionista no Brasil foram respectivamente os vencedores do primeiro e segundo lugar da mesma categoria.
O Prêmio Jabuti, considerado o mais importante do mercado editorial brasileiro, recebeu 2.573 inscrições este ano.
A cerimônia de entrega aos vencedores do Prêmio Jabuti 2015 será realizada em 3 de dezembro de 2015, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.