segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pucallpa, Solidão e Rock N´Roll


Sou impelido a escrever por nada mais do que o entra e sai de putas deste hotel. Fim de viagem , e quase já não me sobre a “plata” para pagar este pulgueiro.

Elas, apesar de contarem com o meu total e irrestrito respeito, não me deixam dormir todavía. Gozam tão alto e bonito que me fizeram olhar nos bolsos. Nada.

Pucallpa é uma grande farra: madeira, ouro e outras cositas más fazem a plata circular em suas veias. E para fazer jus às contradições, é também a cidade ayahuasqueira por excelência, verdadeira referencia nacional e internacional. Mas, meus caminhos, com seus pneus e carburador me levaram aos motoqueiros e estes curtem rock e cerveja. Tudo bem aceito o destino, desta vez. Com minha moto parada na oficina há uma semana, estou sem mobilidade. Dinheiro, nem para o Ceviche. Por bem que ainda se pode tomar uma “massato” por apenas 50 céntimos.

Pela primeira vez, sinto o “hueco” (buraco) da solidão a me perturbar.

Não fora assim durante toda a viagem. Percorri satisfeito altitudes, selvas e desertos. O Sol, o Céu e as Montanhas me bastaram imensamente. Não havia solidão, nem mesmo solito na noite silente da montanha sob as estrelas em Taray.

Havia antes um transbordamento de felicidade, de contentamento, e se senti a falta de alguém do meu lado, não foi para tapar algum “buraco” deixado pela solidão, senão, para compartir a beleza de cada lugar por onde passei.

Que belo mergulho no inferno, Pucallpa. Jamais me olvidarei! Tuas ruas entupidas de “motocars”, teus tratores selvagens, tuas esquinas, teus faróis.

Jamais esquecerei da acolhida dos hermanos “Charapa´s Rally Club” , aventureiros do Peru Selvático.Um mundo tão diverso do meu. Não tanto pela pátria, mas pelas escolhas. Mas se são fronteiras que nos separam, por que não cruzá-las?

Nunca em toda minha viagem tive tantos amigos. E porque então, me sinto tão só?

¿Serão as ilusões que entopem os sentidos?
¿Serão as luzes, as ofertas, os desejos?

Alimentos que não me servem mais.
Prazeres que apontam em uma única direção possível: o vazio.

Vazio que encontro em minha alma. Tao fácil é recheá-lo com fantasias doces, quão amargo é descobri-lo ainda assim, oco.

Mas assim o é. Tampouco encontrei a verdade em salões estéreis de adoração.

Ainda que imersos em ilusões, estas são pessoas reais. Gente com a mão suja de graxa que comparte "una cerveza" com seus amigos na porta da oficina.

Talvez seja melhor que o prazer mesquinho de contar as notas ao fim do dia. ¿Quem saberá?

Não entendo mais nada. Mas aos poucos aceito a verdade de que não há mesmo nada para entender.

A vida, essa sim, nos dá razoes de sobra para enlouquecer. ¿E o fazemos?

Exatamente isso: enlouquecemos, para poder viver.

Diferente disso, é a distância, o veto gélido em minha cara, a infinita geografia. Montanhas e Vales, frio e calor, isso para mim é real. O mais é questionável.

A montanha está ali e temos que subir-la. A cada curva a respiração nos falta. Realidade pura despertando os sentidos.

Um paredão de pedras estrangulando a visão e o caminho. Ouço apenas o eco de meus passos.
A claustrofobia apertando a garganta. E ao final, se abre, desvelando-se quem sempre esteve ali: o infinito Céu azul, cobrido verdes vales e montanhas.

A lição que aprendi no Tawantinsuyo é de amar a Realidade. Bela ou feia, não há como separá-la nem de Deus, nem de nós.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A Ayahuasca no Tawantinsuyo

Leandro Altheman

Entre as religioes ayahuasqueiras do Brasil sao muitas as expeculacoes sobre como poderia ter sido o uso da ayahuasca durante o Império dos Antigos Incas, que em seu tempo foi chamado de Tawantinsuyu, termo que significa "Império das 4 Direçoes."
Durante a minha primeira visita a Cuzco e Machu Pichu em 1999, questionei sobre esta possibilidade, e a resposta foi de que os Incas nao deveriam utilizuar a ayahuasca simplesmente porque ela nao existe nos Andes.

No entanto, durante esta viagem, com a possibilidade de andar mais, investigar mais e conhecer um pouco mais sobre o uso atual da ayahuasca nos Andes, recebi novas informaçoes que lançaram uma luz sobre este assunto.

O primeiro é que sendo o Tawantinsuyu composto de 4 regioes (Chinchaysuyo, Contisuyo, Collasuyo, Antisuyo), o uso da ayahuasca já era milenar, e portanto anterior aos próprios Incas, no chamado Antinsuyu, extremo ocidental da regiao amazonica. É mais do que provável que os povos que vivem hoje no atual Estado do Acre devem ter tido algum tipo de contato com o Império Inca. O fato é que uso da ayahuasca já exitia antes do Incas nesta grande regiao e continua até hoje. Nós, acreanos, bem como nossos vizinhos peruanos de Madre de Dios e Ucayally compartilhamos a "pátria" da Ayahuasca- o Antisuyu.

Segundo ponto: é fato também que nem o cipó, e muito menos a “chacronita” se adaptam ao clima frio e seco da regiao de Cuzco, umbigo do Império das 4 direçoes e portanto, capital dos Incas. Apesar disso grande parte do sucesso do Império Inca deve-se a sua grande capacidade de comunicar pessoas e mercadorias por milhares de quilometros, levando produtos exóticos de uma parte a outra deste grande império. Sao muitas as estradas construídas para ligar selva, andes, desetro e litoral em um império que se estendia da Colômbia ao norte do Chile. Portanto é mais do que provável que a Ayahuasca tenha sido utilizada, nao pelo conjunto da populaçao andina, mas por uma elite sacerdotal que tinha acesso a bebida. Uma prova que atesta isto é o próprio nome "ayahuasca", palavra de origem quétchua ("vinho dos espíritos").

Chacana



A segunda expeculaçao é sobre como poderiam ter sido estes rituais. Neste ponto, ainda que nos seja impossível saber detalhes, uma coisa é certa: seu uso estava contextualizado dentro do que hoje se conhece como “cosmovisao andina”. E muito embora, o uso da ayahuasca tenha desaparecido nos Andes como resultado de 500 anos de perseguiçao religiosa, a cosmovisao andina permanece viva até hoje. Trata-se de um modo particular de ver e compreender o universo. Uma forma que sintetiza esta visao é a “Chacana” ou "Cruz Andina".
A Chacana é a resultante de dois conceitos. O primeiro é a divisao do Universo em tres mundos: o mundo subteraneo, o mundo médio, em que vivemos, e o mundo superior. O segundo conceito é o o mesmo do Tawantinsuyu, ou seja, as quatro direçoes.
Com três degraus para cada uma das quatro direçoes a chacana forma um desenho de 12 degraus, que sobem e descem e podem ter simbolizado de maneira simples, as quatro estaçoes, os doze meses do ano, os ciclos da natureza, as etapas de evolucao do homem, e etc.

O Criador e os Apus

Apesar de terem sido chamados de politeístas, panteistas e idólatras, esta na verdade é apenas uma visao superficial do que teria sido a religiao incaica. É verdade que os Incas, bem como seus antecessores, viam na natureza, reflexos do divino. No entanto, hoje, embora existam visoes diferentes, há uma concordância de que os Incas acreditavam em um único principio criador universal, além do universo visível. Este princípio, segundo algumas versoes seria Wiracocha, palavra que em quétchua significa aproximadamente “lago de luz”. A partir de Wiracocha, principio unico e indivisível teriam surgido Tempo e Espaco representados respectivamente como Pachacamac e Pachamama e a partir destes, surgiram entao os desemembramentos seguintes dando origem ao movimento e aos diferentes universos dimensionais, inclusive a Terra. Para eles nao havia o conceito de paraíso perdido, e a Terra bem como toda a própria realidade eram parte inseparáveis do principio universal criador, devendo por isso serem objeto de louvor.

Neste sentido surgem os Apus, forças da natureza divinizadas cujo culto eram parte do grande culto à natureza e à realidade que prestavam os antigos Incas.


A Ayahuasca hoje

O uso da ayahusca volta a surgir nos Andes, impulsionado por pessoas visionárias que buscam restaurar nao apenas o uso da bebida, mas o proprio Tawantinsuyu. Desta vez com um conceito ampliado, ou seja, um espaço de respeito, paz, prosperidade e liberdade na America do Sul.
Em Pisac, Vale Sagrado dos Incas, tive a oportunidade de participar de dois rituais com a ayahuasca, e nos dois estavam totalmente presentes os elementos da “cosmovisao andina”, ou seja, de uma maneira de pensar, sentir, ser e viver, que remonta a mais de 5 mil anos atrás, fruto da interaçao entre povos que atingiram um surpreendente grau de evoluçao em suas sociedades. De certa forma, o uso da ayahuasca nos Andes também ajuda a reestabelecer a ligaçao entre o antigo "umbigo" do império, com as regioes selváticas do "Antisuyu".

Este ensaio é uma pequena resposta às algumas indagaçoes das quais parti em busca de respostas. O assunto é longo, extenso, complexo, inesgotável, e principalmente, apaixonante.


OBS: "Chacana" é também como o povo desta regiao chama até hoje a constelacao do Cruzeiro do Sul.



Bibliografia consultada: Tawantinsuyu 5.0 – Alonso Del Rio