quarta-feira, 30 de julho de 2014

Arimatéia: "O negro não veio aprender a trabalhar no Brasil, ele veio ensinar"

Em entrevista no Programa Juruá Notícias, o professor José de Arimatéia deu uma verdadeira aula sobre a importância da cultura afro no Brasil.

Em Cruzeiro do Sul para organização do I Encontro de Cultura Afro, José de Arimatéia, representante da CERNEGRO (CENTRO de Referência da Cultura Afro no ACRE) e da Secretaria estadual de Direitos Humanos falou sobre os objetivos do encontro.  

“Nossa intensão é pegar as sementes do que existe de cultura afro no Juruá e fortalecer.
Entendemos que a cultura afro tem que deixar de ser apenas folclore e lembrar apenas nos dias 13 de maio e 20 de novembro. Queremos que esta cultura seja constante, e isso tem que ser fomentado pelo poder público. Saúde e educação, segurança e obras públicas são papel do estado, mas cultura também é um preceito constitucional. Isso só é válido quando é local, não queremos importar nada, por isso somos parceiros de entidades que já existem aqui.”

JN

- Hoje se fala muito da violência contra o negro. No Brasil, os maiores índices de violência atinge principalmente jovens negros, moradores das periferias.  E a cultura negra também sofre violência simbólica?

“Sim, até porque o dominado não conta sua historia.
O negro que veio escravizado dentro do navio era produto de guerra. Ali haviam nobres, generais, médicos. Haviam cristãos inclusive, porque cristãos foram sim escravizados. Na África foi construída a primeira catedral cristã.
Julga-se que eram pessoas que não sabiam nada. Vieram para o trabalho braçal. No entanto a cultura econômica brasileira veio naqueles navios negreiros. O problema é pensar a cultura negra somente como folclore.
A criação de gado, por exemplo. Quem trouxe o sistema de criação extensiva de gado foram os negros, já que na Europa, havia a criação intensiva, em pequenos espaços.
Boi-bumbá, Sinhazinha, negrinho do pastoreio, são elementos que estão no folclore, mas que vieram desta cultura econômica trazida da África. Desta cultura afro de cuidar de gado.
O negro não veio aprender a cuidar do gado, ele veio ensinar. O negro veio para o Brasil para trabalhar na mineração, mas ele não veio aprendera tirar ouro, ele veio ensinar, porque já existia esta cultura da mineração na África. A fundição brasileira, também veio de lá.
O negro não veio aprender, veio ensinar.
Mas quando se fala de negro, se pensa logo em feijoada, capoeira e samba. Estes são elementos essenciais na nossa cultura, na África, também tínhamos festas. Agora folclorizar e reduzir, isso é o problema. É não entender a cultura brasileira e tirar dele elementos essenciais.
Saúde
Há dez anos o SUS veio falar de acolhimento. Na cultura Banto, isso existe há dez mil anos. Porque algumas doenças não são somente do corpo, mas da mente. Quando se chega numa casa de santo, num terreiro onde uma mãe de santo, um pai de santo, vai fazer o papel de psicólogo, doutor, alguém que lhe escuta. Muitas doenças de hoje, é só falta de alguém para te ouvir.
Ubuntu
Empoderamento é uma palavra nova, mas na cultura Banto o conceito já existe. Vem através da palavra Ubuntu que significa “eu sou o que eu sou porque nós somos”. Então você tem poder igual a mim. Tenho que dar para você a mesma chance que eu dou pra mim. Quem dá importância dá poder.  
O preconceito neste país é a redução. Reduzir o negro ao canto à dança.
Muitos inventores foram negros*, mas isso não é interessante dizer que este povo escravizado o negro contribui com algo mais do que a sua força braçal
O negro até pouco tempo era retratado só do pescoço pra baixo: futebol, samba e bunda.
Nós temos cabeça também, a contribuição negra é intelectual."


*Vale a pena conferir a lista de inventores negros no arquivo Geledés

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