A cheia do rio Madeira e conseqüente isolamento rodoviário
do Acre em relação ao restante do país, novamente acendeu o debate sobre a
suposta baixa produção do estado. Sempre em comparação ao vizinho estado de
Rondônia, políticos em véspera de campanha tratam de alimentar a baixa estima
do acreano, como um povo “vagabundo”, incapaz de se adaptar aos “tempos
modernos”, sustentado tão somente pela providencial folha de pagamento de
estado e municípios e mais ainda pelo execrável “bolsa-miséria”: a mãe de todas
as preguiças e indolências.
No entanto, uma rápida visita à esquina do bairro da Cohab, em
Cruzeiro do Sul pode ser revelador sobre o que de fato vem acontecendo no setor
produtivo.
Do lado de dentro do mercantil do bairro (um dos melhores da
cidade) em um ambiente agradável e climatizado, uma quase centena de pessoas aguarda
na fila do caixa, com seus carrinhos cheios de itens retirados das prateleiras.
Itens que, obviamente são produzidos em todas as partes do Brasil, e alguns até
fora. Produzidos em larga escala, graças ao milagre dos fertilizantes e
agrotóxicos, embalados em máquinas que garantem a aparência, a marca e procedência
do produto. Permitem ainda que sejam acomodados em prateleiras por dias ou
semanas, sem que se estraguem. Um código de barras facilita com que o caixa
saiba o seu preço que pode ser pago através da comodidade de um cartão.
“– É no crédito ou no débito, senhor?”
Quanto contraste com o que acontece do lado de fora.
“-Olha, o açaí! Vai uma verdura aí, chefe?”
Protegidos cada qual por um colorido guarda-sol, uma quase dezena
de vendedores oferecem em voz alta seus produtos para transeuntes.
Entre os vendedores estão também algumas mulheres. Tendo em
comum, o fato de serem beneficiárias do programa bolsa família, e que
contrariando o senso-comum, estão trabalhando em um sábado ensolarado.
Bancas improvisadas, caixas de isopor ou a caçamba da
saveiro revelam o colorido de uma produção regional nada desprezível.
Açaí, buriti e pupunha, mandioca e goma, mamão banana,
cajarana, alface, tomate, cebolinha e cheiro verde. Peixe e ... frango?
Paro diante do isopor de frangos, congelados e embalados
manualmente.
- De onde vem este frango? Pergunto ao rapaz moreno, que
depois descubro se chamar Valdeci.
- Nós mesmos, lá em Assis Brasil. Tudo isso aqui fomos nós que
produzimos.
- Puxa, e ainda dizem que o acreano não produz
- Produz sim. Dizem que o PT não deixa trabalhar, mas deixa
sim. Se não pode brocar 10 quadras, broca uma, broca duas. De que adianta
desmatar um monte se depois não dá para zelar.
Desisto de enfrentar a fila do caixa, pois afinal é dia de
pagamento do funcionalismo e o mercantil está lotado de funcionários públicos
fazendo a sua feira. Decido comprar açaí e pupunha. Ainda pensei em comprar uma
goma, mas o dinheiro acabou e infelizmente ali não dá para passar o cartão.
Apesar de toda falta de comodidade, ainda assim, a venda
parece ser razoável e percebo, que a cada semana, um novo produtor se junta a
eles nesta feira improvisada, o que certamente já deve começar a incomodar o trânsito
da região.
- Dizem que vão nos tirar daqui.
Sem um local adequado, sem uma feira livre, os produtores são
tentados a repassar suas mercadorias para atravessadores, que como sempre, levarão
a um acréscimo no preço da mercadoria, tornando o produto regional, ainda menos
competitivo em relação ao importado.
Não há nada de errado em se preferir o pão à tapioca, a
batata à mandioca, o iogurte ao açaí, o presunto ao peixe. Errado é desqualificar
a produção do Acre por que não somos capazes de produzir açúcar e farinha de
trigo refinados.
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