quinta-feira, 27 de março de 2014

Crise = Perigo & Oportunidade

Instalada a crise de abastecimento no estado (mais precisamente Rio Branco, já que em Cruzeiro do Sul não falta nem danoninho), a sociedade se divide entre aqueles que olham perplexos para s prateleiras vazias e lamentam tentando achar um culpado, e aqueles que buscam tentar entender por que chegamos a tamanho grau de dependência externa.

Talvez uma resposta adequada não seria de como chegamos a esta dependência, mas por que permanecemos nela após mais de cem anos.

Afinal, o Acre nasceu sob o signo desta dependência. Só existimos enquanto espaço integrado à geografia nacional por produzir borracha para o mercado externo. Em outras palavras: ninguém veio ao Acre para produzir comida, mas para produzir borracha, e comprar alimentos é parte desta relação.

O mesmo se deu em outras partes do Brasil, em outros momentos de nossa longa história colonial. No Nordeste, enquanto os solos mais ricos eram usados para produção de cana-de-açúcar para exportação, a produção de alimentos era legada a regiões “menos importantes” a grupos familiares com menos recursos.

Em Minas Gerais, durante o Ciclo do Ouro, a produção de alimentos foi delegada aos paulistas, expulsos da rica região das minas após terem sido derrotados na guerra dos emboabas.

A mesma paulicéia teve, mais tarde, de deixar em segundo plano a produção de alimentos para se curvar ao café.

Hoje quem dá as cartas no Centro-Oeste é a soja, e se engana quem imaginar que não existe ali, também uma dependência de alimentos oriundos de outras regiões.

Quem vê as prateleiras vazias logo se pergunta: e onde está a nossa produção regional?

Basta dar uma olhada do lado de fora dos supermercados. Nossa produção regional está nos mercados municipais e dos “colonos”, em barracas improvisadas com guarda-sóis, em isopores e na caçamba de pampas e saveiros.

Frutas, verduras e legumes, aves, ovos além de produtos extrativos como açaí, buriti e pupunha. Com alguma sorte podemos também encontrar leite e derivados e para minha surpresa, até mesmo linguiça suína.

É preciso um pouco de paciência para entender que a lógica de produção agroindustrial é totalmente diferente da diversificada produção familiar.

A agroindústria depende de uma produção especializada e uniformizada que exige dedicação integral, muitas vezes, a uma única cultivar.

Quem por exemplo produz batata do tipo “bintje” que será usada para fazer aquelas famosas fritas industrializadas, não dispõe de tempo, dinheiro ou mão-de-obra para produção diversificada. Ou seja, se sua propriedade ficar isolada, provavelmente faltarão itens básicos.

Por vezes esta especialização atinge regiões inteiras, aumentando a dependência externa.

A diversificada produção familiar segue outros parâmetros. É a produção que irá para as feiras livres e mercados.


E é exatamente esta a produção que vem sendo negligenciada, não apenas pelos governos, mas também pelos consumidores, simplesmente por ficar de fora da cadeia produtiva que atende os supermercados.

A regra começa a mudar. De olho na mudança de preferência dos consumidores, muitos supermercados estão adotando em suas gôndolas um espaço dedicado à agricultura orgânica.
E o que é a agricultura orgânica senão a agricultura familiar sem agrotóxicos? Em nossa região, a maior parte do que é produzido bem poderia receber selo de produto orgânico, simplesmente porque os produtores da região não dispõem de recursos para adquirir tais insumos.
Talvez esta propalada crise seja também uma grande oportunidade para que possamos repensar as cadeias produtivas e de consumo. 

Não se trata nem de longe de impor alimentação “natureba” como querem alguns.

A produção familiar bem pode fornecer carne, ovos, frango e até suínos e derivados, se for pensada adequadamente, não apenas a “porteira pra dentro”, mas principalmente a “porteira para fora”. 

* O ideograma chinês para crise é composto de dois ideogramas, significando conjuntamente risco(ou perigo) e oportunidade.  

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