O estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro popularizou
o uso da expressão ‘cultura do estupro’. Aparentemente, na minha Time Line,
muita gente teve contato com o termo pela primeira vez, e a julgar pelas postagens,
de homens e de mulheres, há muita incompreensão do significado e consequentemente
uma rejeição ao uso da expressão ‘cultura’ associado ao ato violento do
estupro.
A expressão refere-se a um conjunto de normas e crenças que
resultam na banalização do ato do estupro, ou, ainda mais frequentemente, a
culpabilização da vítima pela violência sofrida.
São as ‘tradicionais’ (e portanto, sim, culturais) ‘explicações’
ou ‘justificativas’: ela usava roupas curtas demais, ela provocou, ela queria,
e etc...
O termo cultura do
estupro foi cunhado pelo movimento feminista ainda na década de 70 aplicada á
cultura dos EUA como um todo. Posteriormente
foi identificada pela sociologia, antropologia e psicologia. Parte integrante
dessa ‘cultura’ estaria a transformação da mulher em objeto.
“Há culturas em que
isso é coibido. E são culturas em que há uma disparidade menor entre gêneros,
em níveis diversos - na representatividade política, na igualdade de salários,
na divisão de tarefas dentro de casa. Não é apenas um viés [de igualdade].”
Arielle Sagrillo Scarpati, Mestre em Psicologia pela
Universidade Federal do Espírito Santo e doutoranda em Psicologia Forense pela
University of Kent, na Inglaterra
Contudo, o tema é controverso e também há críticos desta
concepção.
Caroline Kitchens, pesquisadora do American Researsh
Institute, por exemplo, rejeita a ideia de que a responsabilidade do estupro
seja de uma ‘cultura’ e não de indivíduos. E argumenta:
“Temos leis rigorosas que os americanos querem ver
aplicadas. Embora o estupro seja certamente um problema sério, não há nenhuma
evidência de que ele é considerado uma norma cultural. Século XXI América não
tem uma cultura de estupro; o que temos é um átrio fora de controle, levando o
público e os nossos líderes educacionais e políticas para o caminho errado.”
Ainda em seu texto ‘Its time to end rape-culture hysteria’,
Caroline sugere que a concepção de uma cultura do estupro esteja levando o país
a uma espécie de ‘histeria‘ , em que músicas, peças de teatro e até mesmo
esculturas, são classificadas como ‘cultura do estupro’, perdem espaços
públicos e chegam a ser censuradas.
Pode ser que de fato, alguns exageros estejam sendo
cometidos nos EUA em nome de se combater a ‘cultura do estupro’. Aqui nessas plagas
latinas, pode-se perceber que existe sim, uma cultura muito forte de
objetificação da mulher e que a ideia de se culpar a vítima pela violência
sofrida, ainda é um argumento muito comum. Não por acaso foram criadas as
delegacias da especializadas nos crimes contra a mulher, já que muitas vítimas,
após terem sofrido ainda tinham (e ás vezes ainda tem), de lidar com
preconceito e machismo de delegados mau preparados.
Há duas imagens que ilustram bem a ideia de ‘cultura do
estupro’. A primeira delas, do desenhista Milo Manara, em que retrata o
estupro, e o sentido de posse, intimamente ligado ao primado da violência.
A segunda, uma campanha da Dulce & Gabana, que
francamente, não remete a outra coisa senão a um estupro. Uma campanha
publicitária como esta é praticamente uma prova física de que não apenas existe
uma cultura do estupro, fundamentada nos aspectos mais atávicos da humanidade,
mas como se renova através da comunicação de massas.
Homem, branco, e heterossexual, certamente não é a minha
opinião a que mais importa para dizer se há, ou se não há uma cultura do estupro.
Francamente, não gostaria de que uma histeria, como a descrita por Caroline,
viesse a pautar as relações entre homens e mulheres. Tampouco desejo que a
impunidade continue a limitar a liberdade das mulheres sobre seus próprios
corpos e suas relações.
Super curti o texto, Leandro!
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