domingo, 15 de maio de 2016

Ao vencedor, as bananas

Mesmo diante de seu 'Rei Nu', setores da imprensa ainda se esforçam para elogiar suas vestes, ao professar legitimidade à farsa que segundo a opinião corrente, transformou o Brasil em uma ‘República das Bananas’: associação imediata com uma republiqueta onde as regras do jogo são torcidas e distorcidas para se chegar ao resultado que afinal, se queria desde o início, mas que, não sendo possível por meios legítimos busca-se dar ao menos a aparência de legalidade.

Temer em seu Trono de bananas. Imagem: Mídia Ninja*
A expressão tem origem na atuação da United Fruits Company, corporação estadunidense que determinou a política local da maioria das repúblicas centro-americanas durante o século XX.

Eram elas, afinal, as bananas, principal produto de exportação, quem de fato importavam na política nacional destes países. A democracia, nada mais que uma pantomima, destinada a dar a aparência de que havia ali, o aval da vontade popular.

Em editorial deste dia 15 de maio do Jornal O Globo, repete à exaustão a catilinária de que ‘o Brasil não é a Venezuela’, como uma contra medida à imagem maculada do país no exterior com a suspeita de que tenha sido vitima de um ‘golpe’.

Ainda que alguns meios de comunicação estrangeiros ainda se ressalvem de utilizar a palavra ‘golpe’, a noção de que o processo todo foi uma grande farsa está cada vez mais evidente.

O editorial tenta pregar a ideia de que a reação da imprensa internacional tenha sido fruto de movimentos de bastidores daquilo que denomina ‘lulopetismo’.

Com a acusação, tenta se defender da triste sina que carrega desde que foi criada para dar sustentação ao regime ditatorial militar instaurado com o Golpe de 64.

A argumentação de que o processo transcorre na mais absoluta normalidade institucional, tramitando por duas casas legislativas com o amparo do STF pode até, para os mais incautos, servir de base para sedimentar a opinião de que não há golpe algum.

Contudo, mesmo uma avaliação das mais superficiais, dá conta do tamanho da farsa perpetrada justamente sob as barbas, togas e mandatos de quem deveria resguardar não apenas a constituição, mas a essência da vontade popular.

Pois bem, recordemos:

1-      Um processo de impeachmeant é instaurado contra uma presidente eleita tendo como acusação as benditas ‘pedaladas fiscais’, expediente comum utilizado por presidentes anteriores e repetido por dezenas de governos estaduais, como o de SP, para citar um
2-      Mobilizações populares são estimuladas e incentivadas pela mídia, tendo como motivação central a (justa) indignação popular contra a corrupção. A imprensa, aí incluída as organizações Globo, ajudam a construir a ideia de que o impeachmeant de Dilma, seria apenas o começo de uma ‘grande limpeza’.
3-      O processo é conduzido por um presidente da câmara sob graves acusações de enriquecimento ilícito, recebimento e distribuição de propina entre outros parlamentares e lavagem de dinheiro através de uma igreja evangélica. É réu no STF, que contudo o permite continuar todo o processo, para logo em seguida ao impeachmeant, ter o mandato cassado
4-      Finalmente após a aprovação no senado, Dilma é afastada e assume Michel Temer, já declarado inelegível por estar enquadrado na ficha suja. Temer compõe o governo com o PSDB, partido derrotado nas eleições anteriores. Entre eles estão ao menos sete investigados pela Lava Jato.
5-      Temer anuncia um plano de governo que prevê cortes em programas sociais e uma política de austeridade que jamais seria aprovada em referendo popular
6-      O PMDB tenta ‘garrotear’ a Operação Lava Jato, levando a considerar, por exemplo, a anistia de Cunha, para evitar a sua delação, ou mudar a lei de delações no congresso.

Não é preciso ser ‘lulopetista’ para enxergar a grande ‘Ópera Bufa’ que se tornou o processo de imepachmeant.

A alegação de que toda esta farsa ocorre justamente com tramites e ritos supostamente respeitados nas duas casas legislativas e no judiciário, longe de conferir legitimidade ao processo, tão somente denunciam o quão podres e carcomidas estão as instituições a ponto de permitir tamanha ruptura institucional.

Fato é que, se nossa democracia permite que esta ‘ruptura’ tendo as instituições preservadas, o mesmo não se pode dizer do pacto representado pelo momento das eleições.

Nela, é facultada uma escolha. O eleitor opta por um candidato, um partido, um programa de governo.

Vota-se inclusive, no conjunto, também em um vice-presidente com atribuições constitucionais bastante claras, que certamente não incluem a conspiração com o seu partido para comprometer a governabilidade do governo pela qual foi eleito e implantar o programa político adversário.

Farsa.

Durante anos, a Rede Globo que vinham anunciando à população ‘abram o olho, vejam quanta corrupção’, faz o movimento contrário: ao defender a ‘legalidade’ da farsa, dizem com isso: -’podem fechar os olhos, está tudo sob controle e absoluta normalidade democrática’.

Farsa

O editorial de ‘O Globo’ busca exaltar as instituições brasileiras festejando como a prova definitiva de que ‘O Brasil não é a Venezuela’. Repete-se ad nauseum os adjetivos ‘lulupetista’ e ‘bolivariano’, como se fossem aplicáveis a meios de comunicação internacionais como Whashington Post, New York Times, The Guardian, Liberation, Le Monde, El País.

Todos estes jornais, com maior ou menor grau assumem o caráter de farsa do impeachmeant. Alguns claramente aplicam o nome definitivo: ‘golpe’, mas mesmo os mais cautelosos apontam os desvios e vícios do processo.

Certamente que não o Brasil não é a Venezuela, já que aqui, comprovadamente as instituições: legislativo e judiciário, não serviram aos interesses do executivo, o que não significa dizê-los dignos de isenção.

A acintosa seletividade, denunciada desde o início, primeiro pela imprensa declaradamente de esquerda, e agora pela imprensa internacional, somente revela que nossas instituições tem claramente servido a um projeto de poder que não por acaso, é o exato oposto daquele referendado pela população nas últimas eleições.

O episódio servirá de ilustração para os historiadores quando estes quiserem exemplificar de como um projeto neoliberal falido, incapaz de vencer pela via eleitoral, volta do túmulo como um morto-vivo por meio de uma ‘farsa’ institucional, que na prática trata-se de uma eleição indireta para presidente.

Se isso não faz de nós uma ‘Venezuela’, certamente nos aproxima de outros exemplos de ‘farsas’ e ‘manobras’ perpetradas em outros países do continente, como Paraguai e Honduras, para citar dois exemplos.

Uma nova classe de golpe, em que não se dispara um único tiro, em que os militares não saem as ruas, mas que tão somente as instituições que deveriam  ser as guardiãs da vontade popular, tornam-se sua algoz, usurpando para si um poder que não lhes pertence por direito.

De nada irá adiantar que se repita 24 horas por dia que ‘não houve golpe’. Podemos passar anos discutindo a semântica da palavra ‘golpe’ cada qual defendendo um ponto de vista. O fato é que, houve uma ruptura, um pacto foi quebrado, e as chances de que um governo sem legitimidade possa a vir resgatá-lo são praticamente nulas.
A imprensa não irá lidar mais com a classe média bestializada, mas com setores organizados, conscientes e agora libertos de qualquer compromisso com a manutenção do governo.  

Temer, o conspirador, irá herdar não somente um país quebrado do ponto de vista fiscal, mas completamente cindido em vários níveis.

Irá herdar uma República nascida da promessa de uma era de combate à corrupção, mas que já inicia-se desmoralizada com sete ministros investigados pela Lava Jato e manobras para diminuir o alcance das investigações.

Quincas Borba, personagem imortal de Machado de Assis traduzia sua filosofia particular, o ‘humanitismo’, na célebre frase ‘ao vencedor, as batatas’ – como maneira de justificar todos os atos que levem à vitória

Àqueles que procuram naturalizar o conjunto de manobras e farsas, algumas sutis e outras nem tanto, para alterar por completo o resultado das últimas eleições, fica o recado, prenhe de simbolismos, seja pela herança que terão de uma República das Bananas, desmoralizada em sua essência, seja pelo gesto familiar de quem não aceita as condições impostas de maneira arbitrária e sorrateira:


Ao vencedor, as bananas.

* Não consegui identificar o autor da caricatura. A imagem foi publicada pelas páginas 'Mídia Ninja' e 'Jornalistas Livres'.


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