quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Nacionalismo X Patriotismo


A disputa entre Ciro e Bolsonaro é também uma disputa ideológica entre duas formas: de um lado o nacionalismo de Ciro, pensado como modelo que busca o desenvolvimento e a soberania nacional e do outro, o dito 'patriotismo', um movimento um tanto confuso de suas bases, mas que na prática é mais uma ação simbólica sem discutir as condições materiais, humanas e históricas de produção d o ideal de soberania nacional. Historicamente, o patriotismo na América Latina, tem sido uma evocação do símbolos pátrios, em um contexto político, econômico, social centrado dos EUA. 


Existe lugar para o nacionalismo no século XXI? Começando com essa pergunta, talvez antes deva lembrar de outro fato, que tenho certeza, a maioria de meus leitores não sabem, e outros tantos, provavelmente o esqueceram: de que o golpe de 64 não foi contra o comunismo como bem querem nos fazer crer determinados setores ditos patrióticos, mas contra o nacionalismo.
João Goulart era representante do PTB, partido que seguia a linha deixada por Getúlio Vargas e retomada  por Juscelino, Marechal Lott, Brizola e o próprio Goulart. Tratava-se  exatamente dos setores nacionalistas, que pelas inconveniências históricas que se atribiu ao nome, teve de ser renegociado em termos de trabalhismo, desenvolvimentismo e social-democracia.
As atribuições negativas do termo se devem sobretudo ao caráter que teve a denominação nacionalismo face aos movimentos totalitários da Europa.

Contudo, ninguém que tenha minimente lido um pouco de história saberá que o nacionalismo foi, fora da Europa o principal instrumento de descolonização do Terceiro Mundo. Basta olhar África e Ásia para ter clareza do papel do nacionalismo como elemento de descolonização.
Aí entram as rupturas entre concepções de direita e de esquerda, que acabam por fazer pender a balança para um lado ou outro.

Mas o fato é que se nos remetermos a teoria do choque entre civilizações de Huntington, logo percebamos o quanto a guerra fria penetrou nossas fronteiras para nos fazer mais fracos.
É onde entra o ‘patriotismo’.

O patriotismo é uma ideologia pensada de modo mimetizar um valor fundamental de qualquer nação que é o APREÇO POR SI MESMA. Na América Latina, regimes democráticos que defendiam a soberania popular perante Washington foram derrubados e seguidos de regimes ditatoriais alinhados aos interesses da civilização estadunidense (mais uma vez, Huntington).

É onde entra o papel da DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL, que na prática transformou nossas FAs em uma espécie de polícia ideológica interna, eternamente a buscar um inimigo interno dentro de suas fronteiras.   

Não nos esqueçamos também de que setores integrantes das Forças Armadas resistentes à tal doutrina, foram igualmente perseguidos pelo regime militar. Basta lembrar que, em 1960, Marechal Lott, um militar de alta patente portanto, evitou um golpe militar contra Juscelino Kubitcheck. O mesmo Marechal Lott acabou derrotado por Jânio Quadros, protagonizando o arquétipo do aventureiro político que depois se repetiu em Colllor e agora, em Bolsonaro.
Fato é que o nacionalismo, pensado em base de fato nacionais, foi perseguida mesmo dentro das FAs. Vale lembrar o nome do Nelson Werneck Sodré, historiador militar que chegou a comandar a Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Sua defesa da soberania do petróleo, o colocou em choque com os setores ‘patrióticos’ que justamente eram contra o modelo soberano de exploração pela Petrobrás.
Bem verdade que Werneck Sodré se converteu ao comunismo, como é bem verdade que os comunistas no Brasil tem sido os defensores históricos desse modelo de soberania e desenvolvimento nacional.

O resto da história sabemos, Getúlio Vargas deu-se um tiro no peito que adiou ali, o golpe que viria contra o modelo de soberania nacional.
Entre a soberania e o golpe, estiveram ainda, além de nomes como GV, JK, os menos conhecidos Marechal Lott e Nelson Werneck Sodré, e é claro Brizola e João Goulart.

Não resta dúvida de que é esse o segmento político representado por Ciro Gomes, nessas eleições. O PTB que após o regime militar voltou como o PDT de Brizola é exatamente o representante do nacionalismo, e aí, é preciso que se insira a insígnia terceiro mundista, para mais uma vez assinalar a distância entre o nacionalismo europeu que esteve na base do fascismo e do nazismo, do nacionalismo do terceiro-mundo, que esteve na base dos fenômenos de independência e de descolonização, na África, Ásia e Américas.       

Mas ainda não respondi a pergunta sobre se haveria um lugar para o nacionalismo hoje. Se olharmos a nossa volta, a resposta parece ser sim. Quando até mesmo os EUA evocam a ideia de pátria e nação para redefinir-se em função não apenas de um protecionismo econômico e como de um maior fechamento de suas fronteiras. Não resta dúvida que essa é a política que pauta os EUA hoje. Mas mesmo se olharmos para o outro lado, a Rússia também hoje pauta sua política em um ‘nacional-bolchevismo’ para definir seu lugar de civilização no mundo. Mais uma vez é muito mais Huntingon, do que Marx que está operando nessas dinâmicas da política internacional do século XXI.

Haveria mais ainda a dizer sobre a China, que sob o comando do Partido Comunista conduz uma política que vem sendo chamada de socialismo de mercado, o que poderia ser resumido em termos de altos investimentos do estado em áreas estratégicas para o país seguidos de dezenas ou até centenas de empresas privadas que se beneficiam das oportunidades oferecidas pelas ações do governo. Fato é que a China opera seus negócios a partir da escala de nação, pouco a pouco redefinindo suas fronteiras como império. Enquanto o gigante capitalista se fecha sobre si mesmo, a China socialista estica seus longos braços pelas redes de mercados do mundo capitalista. O quanto tais movimentos irão durar desse modo é coisa que não ouso dizer, mas não é preciso sequer esforço intelectual para perceber o que ocorre hoje.

Isso significa dizer que estivermos onde estivermos como nação, teremos de estabelecer uma relação com a China. A questão passa a ser portanto que papel iremos ocupar nesse cenário. Um modelo soberano de desenvolvimento nos coloca como ‘sócios do clube’ dos BRICS, uma posição central neste novo bloco. Fora dos BRICS seremos suplicantes a bater nas fronteiras fechadas de uma nação imperial em processo de encolhimento sobre si.
Inevitável portanto, abordar a questão do agronegócio. Este já é, querendo ou não, parte do que nos une a esse novo arranjo econômico mundial com a China à frente.

O convite de Ciro à Katia Abreu tem sido um espinho duro de engolir para muitos setores que antes desse anúncio, talvez votassem de bom grado em Ciro. A importância dada ao agronegócio, contudo, não pode ser negada. A diferença está em Ciro ter tanto insistido no problema da desindustrialização do país. Parece óbvio que qualquer tentativa de estímulo à reindustrialização do país deve começar a partir daquilo que produzimos hoje como comodities. É o mesmo que dizer que as novas tecnologias de energia alternativa devam ser financiadas justamente pelo petróleo.

Começo a tangenciar aquilo que justamente ficou fora da noção de nacionalismo, ou mais propriamente nacional-desenvolvimentismo: as questões indígena e ambiental. Nesse sentido, percebo que Marina Silva, ao afirmar o valor potencial soberano e civilizatório de nossas riquezas perante o passivo mundial, parece ter justamente captado um valor que o nacional desenvolvimentismo deixou escapar. Bem, Marina tem se revelado pouco competitiva por outros fatores, alguns intrínsecos à sua personalidade, outros ao modelo de desenvolvimento sustentável, que seja por pouca explicação, seja por pouca recepção do eleitor, tem se revelado pouco sustentável do ponto de vista eleitoral. Ainda assim, a capacidade de mobilizar setores importantes e criativos, deve ser olhado com atenção. O pedaço que falta ao nosso nacionalismo talvez seja justamente esse olhar focado para quem de fato somos, nos sentidos: humano, geográfico, histórico, social, cultural. Quais desses potenciais possam ser vistos como mais do que comoditties, mas como os valores intrínsecos de nossa civilização brasileira.

Não resta dúvida que há rupturas. Casa Grande e Senzala não podem mais nos definir como nação. Fato é que se quisermos uma Nação, é preciso nos Descolonizar e redefinir o pacto nacional sobre quem de fato somos.

Conclusão

Muita tarefa à frente, com o fantasma do ‘patriotismo’ aparelhado com as piores das intenções batendo à nossa porta, é importante lembrar e evocar  o sentido de Nação mais alto do que estes que batem continência aos EUA.
Vale dizer, e lembrar sempre, o papel que o nacionalismo teve na descolonização, o golpe movido contra ele e que papel pode ocupar ainda hoje, e lembrando, que na crise civilizatória e de identidade em que vivemos, poderemos encontrar valores em nós mesmos: enquanto país megadiverso em nossa humana geografia, que tanto podem nos ajudar a nos redefinir como sociedade, quanto nos inserem em posição de destaque no cenário mundial.       

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