segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Dialogo Possível

A Dialética entre as aparentes contradições nunca foi tão indispensável!

Leandro Altheman

Trazido ao norte amazônico por tudo que a própria Amazônia desperta em todos que dela ouvem falar, é natural que aqui também chegasse com uma forma de pensar própria dos ambientalistas.

No entanto, depois de longos nove anos em que já vivo aqui, sou tomado pelas profundas contradições que regem esta terra.

Por um lado, o desejado desenvolvimento que muitas vezes significa a destruição de ecossistemas únicos e ainda pouco compreendidos. Por outro, populações inteiras legadas ao esquecimento, impedidas de participar das mais simples modernidades como água encanada e esgoto.

Talvez o maior símbolo desta contradição seja o sonho que representa, a BR 364. Até hoje, o isolamento desta região contribuiu para que fossem mantidos preservados milhares de hectares de florestas, além de um modo de vida, que em outros locais já desapareceu e vive apenas na memória nostálgica dos anciãos.

A falta de uma ligação rodoviária com o restante do país também é responsável pelo alto custo de vida e por um perverso atraso da região.

De um lado, um ambientalismo doentio, uma ficção que somente pode fazer sentido em gabinetes climatizados em Brasília, Rio de janeiro, Nova Yorque ou numa cidade européia. Do outro, o não menos doentio desejo por um progresso que transformas as cidades em esgotos a céu aberto, em túmulos de cimento e asfalto, em locais impróprios para a vida, mesmo a humana. Quem conhece São Paulo, sabe qual é o resultado deste “progresso” desenfreado.

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Penso se pode existir em dialogo entre estas aparentes contradições e me lembro dos Orixás que o Brasil herdou da África .

Esta foi a forma com que os nativos africanos explicaram esta contradição que não é nova, mas está no âmago da sociedade humana desde os seus princípios.

Eles compreendem as forças e aspectos da natureza, através das divindades humanizadas que são os Orixás. E há nas suas histórias, dois Orixás que são ao mesmo tempo, irmãos inseparáveis, mas com pontos de vista que são totalmente distintos: Oxóssi e Ogum.

Oxóssi fora criado para tomar conta das florestas, para reger a vida dos pássaros e animais nas matas. No entanto, Oxóssi, vivia numa espécie de encantamento na floresta. Seu irmão Ogum rompeu esta situação: presenteou-lhe com pontas de flecha com que aprendeu a caçar e lutar. Oxóssi passou então a caçar e exercer o seu papel daquele que sustenta a tribo ao mesmo tempo em que mantém o equilíbrio da floresta.

Um dia uma nação fora punida por sua avareza. Ao negar alimento e abrigo a uma forasteira idosa, caiu-lhes uma terrível maldição que fez escassear a água e o alimento. Evocado pelos moradores, Oxóssi, com sua flecha infalível, derrotou a maldição restaurando o equilíbrio e a fartura.

Oxóssi passou a representar para os povos africanos, o sinônimo de fartura, de equilíbrio, da riqueza presente na natureza.

Seu irmão, Ogum, por seu lado representa a coragem dos guerreiros, a força daquele que abre os caminhos nos lugares desconhecidos e também os segredos da metalurgia.

Quando os ingleses trouxeram as primeiras ferrovias, elas foram associadas a Ogum. Por analogia, Ogum passou a simbolizar a tecnologia, aquele que abre os inequívocos caminhos do progresso.

Um fato que merece atenção, é que dentro da cosmogonia dos Orixás, embora Ogum seja este guerreiro invencível, a realeza sempre coube a Oxossi. Talvez com isto eles estejam dizendo que o Real Poder está ainda distante das brilhantes, mas falíveis capacidades humanas de abrir seus caminhos, e mais próximo dos mistérios insondáveis de uma natureza incompreensível, porém, provedora da vida.

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Romper o isolamento em que nos encontramos, é de fato uma necessidade, mas não devemos nos esquecer de que sem a natureza, nada somos. O velho e popular discurso "Sou a favor da natureza, mas o ser humano em primeiro lugar" é uma grande balela: a natureza sobrevive sem o homem, mas o homem não sobrevive sem a natureza. Enquanto dependermos de comida para comer, água para beber e ar para respirar, não poderemos nos dar ao luxo de achar que estamos "no centro da criação". Esquecer disto é comprometer a sobrevivência das futuras gerações.

Não estamos falando sobre perturbar o sono dos macacos ou atravessar o caminho das cotias, e sim, da falta de água que já é realidade até mesmo aqui no verão, estamos falando da exaustão do solo que pode inviabilizar a agricultura, de desequilíbrios que afetarão a vida de todos.

Nem por isso, poderemos legar estas populações ao isolamento, negando-lhes os benefícios de que os ambientalistas de todo mundo usufruem em seus lares.

O diálogo sério e responsável entre estes dois pontos de vista não é impossível, e na verdade nunca foi tão indispensável, agora em que a conclusão da BR está cada vez mais próxima de se tornar uma realidade.

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