domingo, 23 de outubro de 2016

Carta aberta dos Povos indígenas do Acre sobre Conferência Mundial da Ayahuasca

22 de Outubro de 2016

CARTA ABERTA DOS POVOS INDÍGENAS DO ACRE – BRASIL À CONFERÊNCIA MUNDIAL DA AYAHUASCA (nixi pae, huni pae, uni pae, kamarãbi, kamalanbi, shuri, yajé, kaapi…)

Nós, abaixo-assinados, presentes nesta Conferência, pertencentes aos povos indígenas Yawanawa, Shanenawa, Jaminawa, Huni kui, Apurinã, Manchinery, Katukina, Nukini, Puyanawa, Ashaninka, Madja, Jamamadi, Nawa, Shawãdawa, Apolima-Arara, Jaminawa-Arara e Kuntawa, presentes no Estado do Acre e Sul do Amazonas desde nossas ancestralidades, somos 17 povos indígenas de 36 terras indígenas reconhecidas pelo governo federal, falantes das línguas Pano, Aruak e Arawa, perfazendo uma população estimada em 23.000 indígenas, os quais estão distribuídos em aproximadamente 230 aldeias. Vale lembrar que tais terras estão situadas em 11 dos 22 municípios acrianos.


A II WORLD AYAHUASCA CONFERENCE foi realizada na cidade de Rio Branco-AC entre os dias 17 a 21 de outubro de 2016, tendo como objetivo maior: “promover um espaço de diálogo, partilha e aprendizagem, sinergia e colaboração, no respeito pela diversidade cultural das tradições da ayahuasca”.

Isso ficou evidente a partir do momento em que se constituiu a primeira Mesa, na qual já ficou perceptível qual seria o tom geral do Evento. Nesse primeiro momento, já se verificou que não seria dada condição de amplo debate e participação dos indígenas, tanto dos palestrantes, como da plenária, e percebeu-se que seria este o tom geral da Conferência.

Assim sendo, vimos manifestar nossa insatisfação para com as questões a seguir:

A I Conferência Internacional, que aconteceu em Ibiza, na Espanha, não contou com a participação ampla dos povos indígenas que são os verdadeiros detentores desse conhecimento, posto que na mesma estiveram presentes apenas dois Huni Kui.
Não foi repassado aos povos indígenas nenhuma informação oficial das discussões realizadas nesta primeira Conferência, nem dos encaminhamentos procedidos na ocasião.
Acreditamos ser questionável o próprio nome dado ao evento, “Conferência da Ayahuasca”, uma vez que ele é genérico, e não contempla as diferentes designações dadas por cada povo. Note-se que, um nome, não é apenas “o nome”, uma vez que a ele estão atrelados conceitos simbólicos de suma importância cultural e espiritual para cada um dos povos que faz uso dessa bebida. E bom lembrar também que não estamos conferindo nada acordado anteriormente com qualquer povo indígena.
Ainda que este evento conte com maior número de participantes indígenas, não estamos nos sentindo realmente parte de sua criação e organização.
O formato das mesas também não nos contempla, uma vez que a duração dessas mesas não dá espaço para o debate necessário. Não houve tempo para os palestrantes expressar o que haviam se preparado para dizer, nem houve tempo para debater. Entendemos que o formato do evento é ‘acadêmico’, mas acreditamos que o evento deveria ter compreendido que a maior parte dos participantes não são oriundos do meio acadêmico, e, sequer o assunto da conferência é acadêmico, visto que a Ayahuasca não se restringe a um tema científico, mas fala de identidade, saber, ritual, sacralidade, cultura, vivências e práticas milenares. E entendemos que a Academia deveria considerar e contemplar essas especificidades, e não impor o seu formato.
Nós indígenas não fomos convidados a participar de muitas das mesas, a despeito do fato de que os temas debatidos eram de interesse dos indígenas.
As mesas estão acontecendo de maneira simultânea, o que impede a participação ampla das pessoas, que precisam escolher qual das palestras assistir.
Encaminhamentos

Por meio de um diálogo majoritariamente indígena, nós participantes desta Conferência não tomaremos nenhuma decisão relacionado aos assuntos abordados neste evento, sobretudo, aqueles de caráter mais relevante, sem antes de:

a) promover a realização de encontros indígenas em que se faça presente todos os detentores do conhecimento das plantas (cipó e a folha) com as quais se prepara a bebida sagrada que está sendo chamada de Ayahuasca, com a presença das instituições responsáveis e envolvidas na discussão de patrimonialização.


b) discutir melhor o assunto sobre patrimonialização, pois durante sua abordagem fragmentada ocorrida na conferência, não ficou claro para os povos indígenas o que significa isso na sua essência.


c) fazer um Grupo Técnico (GT) sob a coordenação e orientação dos indígenas para a realização de consultas em respeito aos detentores do conhecimento sobre a Ayahuasca e ao Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, que diz que o Brasil deve respeitar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e consultar as comunidades indígenas antes das obras (prévia), da forma que as próprias comunidades escolherem para ser consultadas (livre) e ainda tem que levar todas as informações que existem sobre o empreendimento (informada).


d) constituir um conselho ético para discutir o assunto da origem e definir critérios sobre o uso e a patrimonialização da Ayahuasca, e a partir dessa perspectiva e entendimento, realizar reuniões com as igrejas e demais segmentos que utilizam essa bebida sagrada, diante disso, poderemos apresentar nossa posição sobre os assuntos.


e) Requeremos a garantia de participação dos povos indígenas dos demais estados brasileiros que fazem uso da bebida sagrada na discussão sobre a patrimonialização;


f) Requeremos, ainda, o direito de deliberação, participação e planejamento do que acontecerá nas próximas Conferências Mundiais da Ayahuasca, a partir da próxima que está previsto a realizar-se em Tóquio no Japão. Requeremos também a participação igualitária em todas as mesas de debate no âmbito do evento;


g) Requeremos, por fim, que as Conferências Mundiais da Ayahuasca e os órgãos públicos e privados que discutem o tema reconheçam as tradições de uso, de cura e de preparo dos líderes espirituais dos povos indígenas.


Por fim, reafirmamos que estamos dispostos a colaborar em todos os processos para os avanços das discussões para o uso e o Direito da consagração da bebida por toda a humanidade.

Rio Branco, Acre, 21 de outubro de 2016.

8 comentários:

  1. Tenho medo de que aconteça com a Ayahuasca o mesmo que já aconteceu com várias das nossas riquezas. Vem o gringo , leva embora e depois quer nos vender !!!!

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  2. Parabéns por esta atitude. Que possa ser lida por todos e seus direitos sejam garantidos.

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  3. O OVO DE COLOMBO

    Conta-se que em uma ocasião, Cristóvão Colombo foi convidado para um banquete onde lhe haviam designado, como é natural, um posto de honra.

    Um dos convidados era um cortesão que estava muito enciumado com o grande descobridor. E quando teve a oportunidade dirigiu-se a ele e lhe perguntou de uma forma um tanto impertinente:

    Se você não tivesse descoberto a América, por acaso não existem outros homens na Espanha que poderiam fazê-lo?

    Colombo preferiu não responder diretamente àquele homem. Lhe propôs uma prova antológica:

    "Levantou-se, pegou um ovo de galinha fresco e convidou a todos os presentes que tentassem colocá-lo de forma que se mantivesse em pé sobre um dos seus extremos".

    A ocorrência teve bastante aceitação. Quase todos os presentes entraram logo naquele jogo e tentaram um após o outro, uns com mais, outros com menos convicção, ante o olhar atento dos demais. Mas passava o tempo e ninguém conseguia descobrir a maneira de conseguir que aquele ovo danado mantivesse o equilíbrio.

    Finalmente Colombo se pôs em pé, com ar solene, se aproximou, pegou o ovo e o bateu levemente contra a superfície da mesa até que quebrou um pouco da casca de uma das pontas e graças a este pequeno achatamento o ovo se manteve perfeitamente na posição vertical.

    Claro que desta maneira qualquer um pode faze-lo! - objetou um pouco alterado, o cortesão.

    Sim qualquer um. Mas "qualquer um" ao que se lhe tivesse ocorrido faze-lo. E acrescentou: - "Uma vez eu mostrei o caminho ao Novo Mundo", "qualquer um" poderá segui-lo. Mas "alguém" teve antes que ter a idéia. E "alguém" teve depois, que decidir-se a colocá-la em prática.

    Esta velha e conhecida anedota tem ultrapassado os séculos e levado a formar a expressão de "O Ovo de Colombo", para referir-se a soluções aparentemente muito naturais, sim, mas ... "alguém teria que ter pensado nelas, e alguém depois teve que decidir-se a faze-las".

    Muitas transformações importantes nas pessoas, nas empresas, nos clientes, no mundo do pensamento, ou na sociedade em geral, tem sua origem em descobrimentos naturais, simples, aos que "alguém" tem sabido tirar proveito. Alguém que soube tirar partido do óbvio, a estas verdades, às que todos teremos acesso.

    E lembrem, apenas PESSOAS como vocês e nós, podem fazer estas coisas simples, naturais.

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  4. tem que ter 2 (duas) conferência ..... uma norteada para os indígenas e outra para o uso no formato dos brancos ....

    o índio bebe aos modos da cultura deles , (pé no chão, rapé, tambor, etc.) ..... o branco conforme a sua tb (pode tocar chico buarque e rita lee nas audições)

    não faz sentido o índio copiar o branco, ou o branco copiar o índio .... a não ser naqueles casos onde haja algum domínio e discernimento sobre a cultura alheia.

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  5. não concordo com a frase "verdadeiros detentores do conhecimento" ..... :

    1) existem alguns conhecimento que vieram pela "chave" dos brancos
    2) nos dois meios existem "curiosos" no assunto (sim, existe índio tão curioso quanto branco)
    3) tem branco que prepara a bebida melhor do que a dos índios

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Não discordo em absoluto sobre os pontos que levantou. Só faço as seguintes observações complementares.
      1) Não se trata de branco copiar índio ou vice versa. Mas no caso específico do uso da ayahuasca POR INDÍGENAS no Acre, percebe-se que ambos se influenciam mutuamente. Isso não é cópia, mas uma dinâmica cultural de quem é "vizinho". 2) O uso que vc denomina "deles" tem sido o mais buscado também pelos "brancos". Ou seja, as pessoas cada vez mais querem terreiro, pé no chão, tambor e fogueira
      3) Quanto à questão do preparo ser 'melhor" também tem relação com o uso e conservação. Tradicionalmente os índios preparavam a bebida para usa-la na hora,s em necessidade de guardar ou transportar, por isso é uma bebida com menos cozimento, que se toma muitas vezes. Até hoje, ainda existe entre algumas tribos o uso da ayahuasca crua, sem cozimento, apenas macerada. A forma de cozimentos multiplos, concentrado, no Acre, parece realmente ter sido desenvolvido pelo Santo Daime, e parece que a tendência é ser cada vez mais adotada pelas aldeias. Não saberia dizer como é na região da selva peruana, onde a ayahuasca é bastante forte e concentrada e não houve influencia dessas religiões.
      4) Essa expressão 'curioso', muito adotada pela UDV para designar pessoas sem conhecimento real, pode ser aplicada sim, aos jovens indígenas que muitas vezes entram na onda neoxamanica. Mormente dentro da tradição indígena esse uso era mais restrito aos velhos.
      5) A questão toda de se declarar como 'detentores de conhecimento', passa basicamente por um instinto de auto-proteção de quem já foi expropriado de muita coisa. Pode ser basicamente uma reação ao pedido de patrimonialização que foi feito pelas religiões no Brasil, mais uma vez, sem considerar a origem do conhecimento.

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  6. Seres humanos uma raça. ..Todos pobre de conhecimento só querem separa... Eu eu eu...

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