domingo, 23 de outubro de 2016

A Ayahuasca e o Dia de Ação de Graças

Todos nós estamos de certo modo familiarizados, com a comemoração protestante do Dia de Ação de Graças. Mesmo em terras brasileiras, onde a comemoração faz pouco, ou nenhum sentido, os ventos do norte nos trazem a ideia de uma comemoração onde todos familiares se reúnem ao redor de uma mesa farta, e em um gesto de reconciliação e agradecimento, comem o famoso peru, juntamente com outras iguarias.

A data é tão importante para a o espírito nacional dos EUA que igrejas protestantes a eles ligadas, buscam implantar a data por aqui também.

Oficialmente, comemora-se o dia em que um grupo de colonos famélicos teve seu pedido de oração atendido, trazendo uma colheita farta e permitindo assim, a sua subsistência. Um sinal de que ‘deus’ estaria a favor dos cristãos, intervindo para que esta terra viesse a ser evangelizada.

Nas igrejas batistas, não há uma linha sequer para contar a história da índia Pocahontas, que enamorada de um dos colonos, persuadiu parte de sua tribo, a suprir os colonos com alimento nativo em abundância. Entre os alimentos, estava o peru, ate então desconhecido dos colonos.

A história termina, é claro, com os índios assassinados, Pocahontas convertida ao cristianismo e morta em um navio a caminho da Inglaterra, e é claro: os colonos cristãos agradecendo ao seu deus estrangeiro por tamanha benevolência.

E continuamos, é claro, a comer peru, milho, tomate, feijão, batata, chocolate, guaraná, maracujá, tabaco e mais uma extensa lista de produtos oriundos não apenas da Terra América, mas efetivamente domesticados pelos povos nativos durante gerações.

Nesse sentido, fica mais fácil perceber que o processo de apropriação da ayahuasca pela sociedade e religião do homem branco, não é caso isolado, mas apenas mais uma na lista de tantas outras plantas e conhecimentos apropriados desde o início da colonização.

Por diferentes meios, as religiões declaram por meio de revelação que mais uma vez, ‘deus’ lega o conhecimento aos brancos. E para quem tem ‘deus’, que importância teriam os ‘índios’?
Felizmente para muitos adeptos das religiões ayahuasqueiras não é assim. Não é raro que sejam retratados como guardiões deste conhecimento milenar. Afinal se foi a vontade de ‘deus’ que tenha trazido a medicina para a terra, ele a fez na Amazônia e colocou nas mãos dos povos originários. Menosprezar esse fato HISTÓRICO, além de desrespeito, é uma negação da própria realidade.
Antes de seguir adiante explico o porque de grafar ‘deus’, com minúsculo e entre aspas. Afinal, de que ‘deus’ estamos falando? Estamos falando do deus judaico-cristão bíblico? Aquele do Oriente Médio não deixou uma linha sobre a ayahuasca. Estamos falando de um conceito de bondade universal? Do sentido de uma supra-consciência? O que é afinal, ‘deus’, para os povos que comungam a ayahuasca desde tempos imemoriais?


Se não formos capazes de responder a essas perguntas, a ayahuasca talvez seja retratada no futuro como mais um ‘peru de natal’: um presente ‘divino’, sem relação com os povos guardiões deste conhecimento.

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