Todos nós estamos de certo modo
familiarizados, com a comemoração protestante do Dia de Ação de Graças. Mesmo
em terras brasileiras, onde a comemoração faz pouco, ou nenhum sentido, os
ventos do norte nos trazem a ideia de uma comemoração onde todos familiares se
reúnem ao redor de uma mesa farta, e em um gesto de reconciliação e
agradecimento, comem o famoso peru, juntamente com outras iguarias.
A data é tão importante para a o espírito nacional dos EUA
que igrejas protestantes a eles ligadas, buscam implantar a data por aqui
também.
Oficialmente, comemora-se o dia em que um grupo de colonos
famélicos teve seu pedido de oração atendido, trazendo uma colheita farta e
permitindo assim, a sua subsistência. Um sinal de que ‘deus’ estaria a favor
dos cristãos, intervindo para que esta terra viesse a ser evangelizada.
Nas igrejas batistas, não há uma linha sequer para contar a
história da índia Pocahontas, que enamorada de um dos colonos, persuadiu parte
de sua tribo, a suprir os colonos com alimento nativo em abundância. Entre os
alimentos, estava o peru, ate então desconhecido dos colonos.
A história termina, é claro, com os índios assassinados,
Pocahontas convertida ao cristianismo e morta em um navio a caminho da
Inglaterra, e é claro: os colonos cristãos agradecendo ao seu deus estrangeiro por
tamanha benevolência.
E continuamos, é claro, a comer peru, milho, tomate, feijão,
batata, chocolate, guaraná, maracujá, tabaco e mais uma extensa lista de
produtos oriundos não apenas da Terra América, mas efetivamente domesticados
pelos povos nativos durante gerações.
Nesse sentido, fica mais fácil perceber que o processo de
apropriação da ayahuasca pela sociedade e religião do homem branco, não é caso
isolado, mas apenas mais uma na lista de tantas outras plantas e conhecimentos
apropriados desde o início da colonização.
Por diferentes meios, as religiões declaram por meio de
revelação que mais uma vez, ‘deus’ lega o conhecimento aos brancos. E para quem
tem ‘deus’, que importância teriam os ‘índios’?
Felizmente para muitos adeptos das religiões ayahuasqueiras
não é assim. Não é raro que sejam retratados como guardiões deste conhecimento
milenar. Afinal se foi a vontade de ‘deus’ que tenha trazido a medicina para a terra,
ele a fez na Amazônia e colocou nas mãos dos povos originários. Menosprezar
esse fato HISTÓRICO, além de desrespeito, é uma negação da própria realidade.
Antes de seguir adiante explico o porque de grafar ‘deus’,
com minúsculo e entre aspas. Afinal, de que ‘deus’ estamos falando? Estamos
falando do deus judaico-cristão bíblico? Aquele do Oriente Médio não deixou uma
linha sobre a ayahuasca. Estamos falando de um conceito de bondade universal?
Do sentido de uma supra-consciência? O que é afinal, ‘deus’, para os povos que
comungam a ayahuasca desde tempos imemoriais?
Se não formos capazes de responder a essas perguntas, a
ayahuasca talvez seja retratada no futuro como mais um ‘peru de natal’: um
presente ‘divino’, sem relação com os povos guardiões deste conhecimento.
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