Em uma provocação nas redes sociais, o pensador político e social, Moysés Pinto Neto questiona à sua rede sobre o que deveríamos fazer para evitar
o avanço do nazi-fascismo na política. A provocação, obviamente, é muito bem
vinda pois ocorre quase que imediatamente após a marcha dos supremacistas na
Virgínia e o anuncio de que o candidato proto-fascista brazuca Jair Messias, já
obtém 25% das intenções de voto.
De nodo um tanto jocoso, sugeri que fossem distribuídos ‘espelhinhos’
aos brasileiros, como no início da colonização. A esperança era de que, quem
sabe, olhando-se no espelho, o brasileiro talvez pudesse se reconhecer como
exatamente o oposto do que se propõe um marcha pela ‘supremacia branca’.
Somos um povo tão mestiço, que o simples ‘olhar no espelho’
deveria ser suficiente para afastar o fantasma do nazi-fascismo. Na ‘melhor das
hipóteses’ um branco brasileiro descendente ‘puro’ dos portugueses já chega
aqui como um amálgama de dezenas de diferentes povos: iberos, celtas, latinos, germânicos,
alanos (iranianos), berberes (mouros), ciganos e judeus estão na formação
étnica de Portugal. Se você se olhar no espelho e ver um louro, branco de olhos
azuis, a partir de uma concepção racial, o mais provável é que você que esteja
na latitude ‘errada’.
Mas isso é só o preâmbulo. O Brasil só faz sentido enquanto
nação, se for capaz de abraçar a diversidade étnico-racial que o compõe. Por
isso nada mais contraditório do que uma ‘defesa da civilização brasileira’ que
se baseie em uma concepção restrita do que é essa civilização e do que pode
significar essa identidade brasileira.
Segundo o IBGE de 2010 temos 47,51% da população que se
declara como branca, enquanto a outra parte maior se divide entre pardos
(43,42%), pretos (7,52%), indígenas (0,43%) e amarelos (1,11%).
Entre os povos indígenas, o mesmo IBGE nos fala de 305
diferentes povos e 264 diferentes línguas no Brasil.
Temos diferenças regionais que distanciam os olhares e
perspectivas de um brasileiro morador de uma área ribeirinha do Pará ou de uma
capital como Curitiba. Cada um tem uma ideia diferente do que é ser brasileiro,
ainda assim, os dois o são.
Esses apontamentos trazem obviedades que, espero, sejam conhecidas
pela maioria das pessoas. O ponto é: somente faz sentido uma defesa da civilização
que abarque todas as possibilidades civilizatórias em nosso território.
Qualquer tentativa ou iniciativa de padronização ou de redução a um molde,
ainda que se apresente como ‘defesa da civilização’, será justamente o
contrário disso: a destruição do enorme conjunto de possibilidades civilizatórias
em nosso país.
Nos EUA, os grupos que se opõe à concepção supremacista
branca, o fazem a partir de uma defesa da diversidade cosmopolita que passou a
identificar metrópoles como Nova Yorque ou ainda, a cooperação entre gente de
tantas partes diferentes do mundo que proporciona os avanços tecnológicos do
vale do silício. A questão é que se para eles: uma nação branca, anglo-saxônica
e protestante, a defesa da diversidade tem importância, imagine-o para nós, brasileiros. A diversidade é a espinha dorsal de nossa identidade.
Realmente não consigo levar com seriedade ‘supremacistas
brancos’ brasileiros.
Para os supremacistas do norte, não somos brancos, jamais seremos.
Somos latinos, ibéricos, hispano-americanos. Ser mestiço é parte de nossa
identidade.
Ainda assim, ouço as vozes de Charoltesville ecoando por
aqui. Claro que seremos incapazes de promover algo como uma ‘homogenização da
raça’. É infactível. Mas talvez caminhemos para algo como um auto-etnocídio
enquanto nação e enquanto possibilidade civilizatória.
A crise política, econômica e civilizatória, é sobretudo,
uma crise de identidade. Precisamos aprender a nos olhar no espelho e afastar a
repulsa de quem não vê um ‘branco, anglo-saxão, protestante’. Precisamos olhar
no espelho e aprender a amar quem de fato somos, ou quem sabe, melhor ainda:
amar aquilo que ainda poderemos ser, se não matarmos antes todas as
possibilidades civilizatórias contidas em nosso território.
Eu como brasileiro, não posso aceitar um país menor do que o
que ele é. Nenhum brasileiro deveria.
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