Parte 1- O Pensamento
Selvagem e Perspectivismo Ameríndio (para iniciantes)
A contraposição cultura x natureza é uma herança do
pensamento ocidental, marcado, sobretudo, pelo maniqueísmo. Na visão de um guru
brâmane, a religião cristã, auto-denominada “monoteísta” não passa de grosseiro
dualismo. A dualidade bem x mal, deus x diabo é inconcebível para o verdadeiro
monismo hindu.
O dualismo presente na visão judaico-cristã se expressa também
no pensamento ocidental: material x espiritual, cultura x natureza.
Particularmente, nesta postagem quero abordar este dualismo
específico: cultura x natureza.
O tema é recorrente e caro para diferentes gerações de
filósofos que buscaram interpretar a realidade a partir desta dicotomia. O “esquema”
complicou um pouco quando entrou em cena o nativo americano. É ele um selvagem?
Se ele é selvagem ele é bom ou mau por natureza? Tem ele uma alma? Tem ele um
pensamento?
A antropologia buscou responder a esta pergunta. Em “O
Pensamento Selvagem”, Claude Lévi-Strauss nos apresenta “o pensamento humano
em seu livre exercício, um exercício ainda não-domesticado em vista da obtenção
de um rendimento.” Eduardo
Viveiros de Castro
Talvez sua principal contribuição seja sua demonstrável
constatação de que os chamados selvagens não são atrasados, "menos
evoluídos", selvagens nem primitivos, apenas operam com o pensamento
mítico (magia), que em termos de operações mentais é comparável ao pensamento
científico. (Lévi-Strauss)
Eduardo Viveiros de Castro entra ainda mais profundamente no
pensamento mítico. Em seu “perspectivismo ameríndio”, Viveiros de Castro
postula que para o pensamento nativo, a oposição cultura x natureza não faz qualquer
sentido. Isto porque o comportamento típico de cada espécie é encarado como
sendo sua “cultura”. Os hábitos, por exemplo, de determinada espécie de macaco:
seus gritos guturais, suas relações de parentesco, suas atividades de coleta e
caça, são interpretadas como parte da “cultura do povo macaco”.
Partindo de outro viés, o da biologia, a Ecologia Comportamental
demonstra que no reino animal podem ser demonstrados comportamentos estratégicos
que transcendem a costumeira resposta padrão de que tudo não passa de “instinto”.
Na verdade, apenas mais uma tentativa de negar a existência de uma “inteligência
animal” e preservar os séculos de enganos a respeito deste tema do pensamento
ocidental. Sem inteligência, não há consciência, não há logos, não há alma.
Tampouco é um homem um animal ‘racional’. Pensadores mais
recentes tem procurado categorizá-lo como animal ‘simbólico’, o que equivale,
entre outras coisas, a dizer que são os símbolos, e não a razão, o principal
condutor do comportamento humano.
O perspectivismo ameríndio põe em cheque o postulado de que o
universo simbólico (linguagem, mito, religião,
arte) seja exclusivo do ser humano.
Este breve preâmbulo serve apenas para ilustrar a temática central desta
postagem que será abordada na sequência: a concepção de que na mitologia afro-brasileira, a tecnologia não
se opõe à natureza, mas é na verdade a realização de uma força arquetípica presente
na própria natureza.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir