Parte 2 - O Arquétipo da Tecnologia
Em uma das cenas mais famosas do cinema, o símio brande um pedaço de osso, logo após usá-lo como instrumento de dominação e supremacia.
Lançado ao alto, o osso se converte em uma estação espacial que harmoniosamente orbita o planeta Terra. Através da sequência, Stanley Kubrick buscou criar uma relação entre o primeiro instrumento utilizado pelo homem e a tecnologia que irá culminar, milênio depois, na conquista espacial.
Em 2001, uma Odisséia no Espaço, o autor levanta a suposição de que um objeto alienígena, um certo "monolito negro" teria sido o responsável por incutir no homem uma inteligência além do instinto animal, o diferenciando das demais espécies.
A ideia já havia sido explorada à exaustão por Erick Von Däniken em seu "Eram os Deuses Astronautas".
A noção de que a inteligência humana tenha origem em uma fonte externa não é nova. Ela aparece na maior parte das culturas do planeta que apontam os "deuses" como prováveis incentivadores da criação de técnicas e artefatos diferenciados. A metalurgia parece mesmo ter sido um presente roubado dos deuses, o legado de Prometeu. Arquétipo que repete-se com variações, em praticamente todas as culturas.
Na mitologia africana dos Orixás, Ogum representa este desejo arquetípico do homem por transformar a natureza a seu favor. O orixá da metalurgia e também da guerra é associado à tecnologia, e não se separa da natureza, mas é parte dela. Parte da natureza humana, mas também anterior ao próprio homem. Uma "emanação", como diria Dom Juan a Carlos Castañeda.
O uso de artefatos e a construção não são exclusivos da espécie humana. Símios, pássaros e mesmo insetos também o fazem e por vezes, em grau de excelência. Na verdade quanto mais se conhece a inteligência animal, mais é difícil estabelecer parâmetros que a diferenciem da inteligência humana. Somos apenas uma espécie nova.
Parece bizarro propor que o desejo pela transformação e pela tecnologia façam parte da natureza. Estamos acostumados a associar o termo "forças da natureza" aos aspectos mais brutais e descontrolados: furacões, terremotos, vulcões, vendavais e tsunamis.
No entanto, não pertencem também à mesma natureza, a fina e delicada teia que suporta o peso da aranha, o design inteligente das folhas que escoam a água, as sementes que voam como pequenos helicópteros para semear campos distantes, as penas que permitem os vôos dos pássaros?
Para um olhar apurado, a natureza é um imenso laboratório da mais alta tecnologia.
Dentro da cosmovisão dos Orixás, Ogum, o arquétipo do transformador, é o responsável por romper um certo estado de torpor em que vivia a humanidade em seus primórdios. A ele pertencem as ponta das flechas do caçador, mas também os instrumentos usados para a agricultura, os facões que abrem caminho na mata virgem, as espadas na guerra, os trilhos do trem, as rodovias e toda a tecnologia afinal, o que inclui as plataformas de petróleo em alto mar, a tecnologia digital da informação e as estações espaciais.
Ogum representa este desejo arquetípico e inato do ser humano e quem dirá talvez um desejo da própria natureza, expresso (também) no ser humano. No entanto, esta mesma cosmovisão mostra que mesmo Ogum precisa de limites, caso contrário sua força torna-se destruidora. Conta um mito que Nanã, o Orixá da Terra chorava, cansada da destruição causada por Ogum. Oxum então, Orixá dos rios e da beleza, sem que este perceba, adoça com mel a boca de Ogum. Este, encantado, passa a buscar o amor, e não mais a destruição.
Na cosmovisão dos Orixás, Ogum é o que abre, o que vai na frente, representa a coragem destemida de abrir os caminhos. Mas Ogum não se encerra em si mesmo, ele abre para que os outros Orixás se manifestem e suas divinas presenças sejam também reverenciadas: nas ondas do mar de Iemanjá, nas Florestas de Oxóssi, nas Montanhas de Xangô, e no Céu de Oxalá.
Talvez haja aí a sabedoria de que a tecnologia não é o fim em si mesmo, mas o desejo manifestado da própria natureza, para que ela seja percebida, e reverenciada, em toda a sua plenitude.
*A Imagem do "Ogum Digital" foi reproduzida do cartaz da peça "Ogum: Deus e Homem" encenado no Teatro da UFBA, em Salvador.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
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