sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Viva a Bolívia!

Nunca vi tanto provincialismo na imprensa de "Penápolis" ao tratar no assunto dos presos brasileiros na Bolívia. E da maioria dos políticos, "bravatas" sustentadas por um pseudo-nacionalismo que agrada às multidões e somente acirra o conflito. Diplomacia é justamente o contrário disso.

O comportamento agressivo da sociedade brasileira para com a Bolívia, encampado por uma parcela significativa de seus representantes da classe política, reflete muito bem a arrogância de um país e de um povo (o brasileiro) que tão docilmente se deixou dominar durante décadas pelas decisões de Washington e desesperadamente necessita da fraqueza dos mais fracos para se sentir forte. A ilusão de "potência" só reflete a nossa própria impotência para decidir sobre nosso destino enquanto nação. Freud Explica.

Na contra-mão da bravataria, muito lúcido o texto do meu amigo, o cineasta Sérgio Carvalho, autor de diversas iniciativas de aproximação entre a cultura amazônica e andina. 

Sobre fronteiras e prisões

A Bolívia é um país incrível, não tenho outra maneira de definir este país, com toda sua contradição social, sua beleza natural – e coloca beleza nisso! – além de um povo, quando não tímido e introspectivo, festeiro e, sobretudo, guerreiro. Como o Brasil, com as cicatrizes da cruel colonização.
A Bolívia é um dos países mais pobres da América Latina, consequentemente, carrega em sua sociedade e política todas as mazelas advindas da miséria econômica. Não muito diferente da gente, olhando de perto, os problemas sociais estão por toda parte, em maior ou menor grau, a corrupção, problemas de saúde, problemas nas prisões.
Por falar em prisões, lamentável o fato ocorrido no presídio da Vila Bush irônico este nome, no mínimo), no departamento de Pando, contra presos brasileiros: violação total á dignidade e aos direitos humanos, sem dúvida, incontestável. Antes de prosseguir queria lembrar as decapitações ocorridas no presídio de Rondônia, o Urso Branco, das pessoas queimadas vivas nas favelas cariocas ou mesmo no homem inocente assassinado por policiais, em plena Gameleira, por puro despreparo ou sei lá o quê. Exemplos não faltam.
Aonde quero chegar? A violência não é um problema exclusivamente boliviano, compreendo e apoio a indignação frente ao cruel assassinato do preso brasileiro, devemos, sem sombra de dúvidas, posicionar-nos, cobrar atitude do país vizinho, enfim, se opor a brutalidade que fere a dignidade humana, seja ela de qual nacionalidade for.
Porém, lamento ainda mais a nossa incapacidade de administrar e refletir pró-ativamente a situação, percebe-se, mascarado de indignação, a sombra do xenofobismo, expressada no boca a boca do povo, e, o mais triste, em discursos rasos de parlamentares. 
Questões como esta, quando ocorrem, trazem á tona preconceitos em potenciais, reprimidos ou não, a violência desapercebida no julgamento e na visão deturpada do “outro”. O outro, no caso, é o nosso vizinho, mais próximo do que qualquer paulista, mineiro ou carioca. 
Frases como: "Boliviano é tudo preguiçoso; Boliviano é sujo ou safado” que já é comum nas ruas, tornam-se ainda mais fortes e raivosas, as pessoas falam com tanta propriedade que acaba por generalizar a difamação. Triste. Reforçam-se os estereótipos maldosos. Sinto-me envergonhado e ofendido pelas dezenas de queridos amigos bolivianos .
O que dizer sobre o parlamentar acreano ,que no calor das discussões, acusa Evo Morales de estar transformando a Bolívia em um país de Narcotraficantes, por conta de sua cultura pró folha de coca, que é o produto mais tradicional e sagrado dos andinos?! Que fique claro, não sou nem pró nem contra Evo, assunto complexo demais para um não boliviano omitir opinião, principalmente, quando não dedicou o tempo necessário para estudar o assunto. Só temos de ser cautelosos, denegrir superficialmente a cultura de um outro país é um erro grave, que só aumenta a aversão.
Iniciativas como Nomadas Peru, Fest Cineamazonia, Pachamama-Cinema de Fronteiras e outras que se dedicam a fomentar o intercambio e a integração cultural são essenciais nestas regiões fronteiriças. A arte tem a capacidade de revelar o "outro" em suas singularidades e semelhanças, a cultura é a força motriz para ultrapassar fronteiras e discutir um mundo mais solidário.
Espero que toda esta questão torne-se pano de fundo para uma discussão firmada em bons valores e que não sejamos nós, brasileiros e acreanos, os algozes de todo um povo, cometendo o grande erro do julgamento precipitado e alimentando em nós as sementes do xenofobismo.
Parafraseando o Galeano, as veias de nossa América Latina continuam abertas e sangrando.   

É amigo, os Lobos conhecem as fronteiras, porque as atravessam.  

O texto foi publicado na Coluna semanal de Sérgio Carvalho, no Jornal Página 20  

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