Para Saul Leblon a direita católica tem como objetivo "a formação de quadros para orientar e dirigir o estratégico aparato de comunicação e produção cultural, hoje monopolizado por grupos que lideram a agenda conservadora brasileira.", seu instrumento - A Opus Dei
A atividade política mesmo agindo no imaginário não dá conta de preencher o amplo universo da alma humana.
O aparato da religião ilustra o peso ordenador das demais instancias simbólicas na vida da sociedade.
Disputas de falanges no interior dessas corporações, como as que cercaram a renúncia de Bento XVI, não miram apenas a redivisão interna do poder.
Nem esgotam suas repercussões nos limites formais da fé.
O que se disputa hoje na Santa Sé extrapola os 44 hectares da Cidade do Vaticano.
O canibalismo em torno do 'Banco de Deus' ilumina um dos pontos de intersecção da fronteira divina com o inferno material.
Está longe de ser o único.
Prelazias como a Opus Dei mostram desembaraço em outras sinergias também.
Sua rede de instituições educacionais se especializa na formação de quadros que possam irradiar os interesses gêmeos da fé e do dinheiro na vida mundana.
A formatação de executivos encontra-se entre as prioridades.
Estima-se que 600 colégios e 17 escolas de administração e negócios estão conectados à Opus Dei em todo o mundo.
Bebem sua água benta também a Universidade de Navarra, na Espanha e a Pontificia Universidade della Santa Croce, em Roma.
Ali são formados quadros espirituais da Opus Dei para a tarefa difusora de valores nas áreas da teologia, direito canônico, filosofia, comuniação social e institucional.
As identidades entre a prelazia fundada em 1928 por Josemaría Escrivá (a imagem acima é dele) e o conservadorismo político e empresarial remetem aos laços estreitos do mestre com o franquismo.
Juntos, a cruz e a baioneta esgoelaram a voz e o espírito espanhol por 37 anos.
Mas não só.
Morto em 1975, o ideólogo persistou na faina: foi canonizado em tempo recorde para os padrões católicos.
Em 2002, diante de mais de 80 mil seguidores de todo o mundo, João Paulo II, de quem o Bento XVI foi o braço direito, anunciou a santificação:
"Em honra da muito Santa Trindade, para a exaltação da fé católica e promoção da vida cristã, com a autoridade de nosso senhor Jesus Cristo, dos santos apóstolos Pedro e Paulo e a nossa, depois de ter reflectido longamente, invocado muitas vezes a assistência divina e ter escutado os conselhos de muitos dos nossos irmãos sacerdotes, nós declarams e definimos como santo o bem aventurado Josémaria Escrivá de Balaguer e inscrevemo-lo no álbum dos santos”, informou o Sumo Pontífice.
Não foi um ponto fora da curva destes tempos de fé e costumes estritamente vigiados por Ratzingers e Bergonzines - o bispo do panfleto contra Dilma, em 2010.
Em junho do ano passado, uma estátua em bronze do santo Escrivá foi inaugurada na Catedral da Sé, em São Paulo.
A Catedral metropolitana, cujas escadarias no passado serviram de abrigo a manifestações contra a ditadura e em cujo interior se denunciou o assassinato de Vladimir Herzog, em 1975, agora tem um altar em honra da Opus Dei.
O episódio diz muito sobre o efeito regressivo dos últimos dois papados no universo do catolicismo brasileiro.
Na missa solene, com igreja lotada, em honra a 'São Josemaria Escrivá', foi lida a mensagem elogiosa de D. Odilo Scherer.
O cardeal de São Paulo recordou a passagem de Escrivá pelo país, nos tempos bicudos de 1974. Nenhuma menção aos tempos bicudos.
Coube à maior autoridade da Opus Dei no Brasil, demarcar o significado prático da presença simbólica de 'São Josemaría' na Catedral da Sé:
“É um forte apelo a todos os católicos: a sua mensagem era exatamente a santificação das estruturas civis da sociedade', sentenciou o monsenhor que atende pelo sugestivo nome de Vicente Anaconda.
Na 'santificação' das estruturas civis da sociedade' opera a rede de formação educacional que a extrema direita católica mantém mundo afora.
O Iese Business School, vinculado à Universidade de Navarra e à Opus Dei, faz esse link catequizador com o estratégico mundo empresarial.
É considerado uma das principais escolas de administração e formação e quadros do mundo.
Forma executivos para os negócios. Mas também lideranças associadas aos valores da ' santificação das estruturas civis da sociedade'.
A cepa anticomunista da Opus, sua esférica condenação à liberdade dos costumes, sinaliza o sentido dessa formação complementar.
No Brasil, o Iese atua desde 1996 através da escola de administração ISE, uma parceria desenvolvida com o mesmo "DNA" da matriz espanhola.
Na direção figuram nomes como o do jurista Ives Gandra Martins,reconhecido e assumido por suas ligações com a Opus Dei brasileira.
O responsável pelo curso de Ética da escola, Cesar Furtado de Carvalho Bullara, é mestre e doutor em filosofia pela Pontificia Università della Santa Croce – a usina de formulação e difusão da Opus Dei.
Vai bem, obrigado o braço brasileiro.
No ano passado, segundo o insuspeito jornal Valor Econômico, São Paulo foi escolhida para ser a primeira cidade fora da Espanha a receber o programa de MBA Executivo do Iese.
Além disso, o Iese quer chegar a 500 alunos em cursos de longa duração no Brasil (hoje são 300) . E aumentar o número de profissionais que recebem aulas "in company" de 600 para mil.
A partir de 2015, o Iese pretende trazer para São Paulo três programas já testados pela Opus Dei em outros países.
Sugestivamente, um deles versará sobre alta gestão para a área de mídia e entretenimento.
Ou seja, formação de quadros para orientar e dirigir o estratégico aparato de comunicação e produção cultural, hoje monopolizado por grupos que lideram a agenda conservadora brasileira.
Os apóstolos de São Escrivá não brincam em serviço.
Diante da exaustão conservadora estampada na desordem neoliberal, intensificam a formação de quadros de qualidade. Para setores estratégicos: a esfera do dinheiro; a difusão das notícias; a cultura e o entretenimento.
Sua estratégia para os dias que rugem é intensificar a receita apregoada por Ratzinger: conquistar poucos e bons; com eles, capturar a alma da sociedade.
Só há um antídoto à ofensiva: ampliar o espaço público da liberdade cultural, da comunicação e da democracia no país.
Isso se faz com políticas de Estado, que assegurem a diversidade indispensável à criatividade do espírito e à livre formação do discernimento social.
Se não contarmos as nossas próprias histórias, quem o fará por nós?
Eles.
Saul Leblon - Carta Capital
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
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