terça-feira, 27 de outubro de 2009

Da Selva aos Andes Parte 2 : Déjà Vu em Marcapata

Leandro Altheman

Entre as pedras e as águas

A cada curva em torno dos paredões de pedra, as transformações na paisagem vão ficando cada vez mais evidentes. Vão desaparecendo as arvores grandes, e surge uma vegetação rasteira, musgos e liquens que cobrem as rochas, embora nos pés das montanhas ainda seja possível identificar espécies típicas da Amazônia como embaúbas e cana-brava.

Em certa altura, a vegetação praticamente desaparece, para reaparecer novamente mais adiante. Mas há um trecho que a viagem é puramente no “reino mineral”, entre rochas nuas de diferentes tonalidades. No meio, uma corredeira cada vez mais forte. Neste trecho da viagem deparei-me com uma das principais preocupações com relação a viagem. Tive de atravessar por diversas vezes trechos por dentro d´água. As vezes não é possível determinar com exatidão a fundura do rio, e também existe a possibilidade de se bater e um pedra. As primeiras travessias foram tranqüilas e a água não chegou a ameaçar o motor da motocicleta. A água, tão pura e cristalina, muito convidativa para um banho, quando ainda faz calor. Em um destes não resisti e cai no banho, como havia visto diversos caminhoneiros fazendo trechos atrás. Uma das coisas que torna a viagem especialmente atrativa é que existem diversos pontos, onde se é possível parar, admirar a paisagem, descansar, enfim, aproveitar ao maximo. Uma impressão do Peru de minha primeira viagem em 1999 ao Peru que se confirmou agora: diferentemente do Brasil, não há cercas separando os terrenos e muita terra na verdade parece ser estatal ou comunal o que permite-se andar livremente por grandes áreas. No Brasil, há cerca ate no meio do Pantanal.

Bem, depois de passar por algumas corredeiras inofensivas, a brincadeira foi ficando mais seria, e comecei a cruzar trechos de maior profundidade. Em um deles a coisa ficou tão funda que a moto morreu no meio de uma corredeira capaz de empurrar a moto longe. De pronto, pulei da moto e a empurrei ate o outro lado da margem. Felizmente ela ligou rápido e expulsou a água do carburador.

Apu

Em uma certa altitude, parei para urinar. De repente, me vi constrangido diante da enorme presença que se erguia a minha frente. Uma das mais espetaculares montanhas que já havia visto. Ao meu redor, estava cercado por elas: imponentes, majestosas. Percebi que estava entrando em um reino diferente. Sem saber como ou porque saquei de minha mochila, um pequeno saquinho com folhas de coca. Guiado por algum tipo de inspiração ou forca divina, chame como quiser, ergui as folhas acima de minha cabeça pedi a proteção daqueles senhores e lembre-me de seu nome em quéchua: Apu. Os Apu no que pude entender são aspectos divinos da natureza presente na forca dos elementos.
O fato é passei pelas altitudes com uma boa dose de segurança e tranqüilidade. Não sofri nenhum dos efeitos da altura como desmaios, tonturas ou enjôos. No entanto, soube também nesta hora que para ter a sua proteção é preciso respeitar a montanha. Despir-se da arrogância de quem acha que vai “vencer” a montanha. Ninguém vence a montanha. Nossos filhos e netos já terão partido deste mundo e a montanha ainda estará lá.

Cruzando os Andes em um barbeador elétrico

O mesmo não pode ser dito de minha motocicleta, embora valente ela começou a sofrer os efeitos da altitude por volta dos 2 mil metros, quando começaram as primeiras falhas. Por volta de 3 mil, o motor parecia a de uma enceradeira e a 4 mil, um barbeador elétrico. E neste trecho ficam as piores subidas, o que exige ainda mais da motocicleta. Ultrapassar é totalmente impossível, e ela não chega a 20 km por hora. Cruzei com motoristas de caminhão, de carro e motociclistas e todos me dizem o mesmo: “Es normal,pero se llega, despacio”. Ou seja, não havia muito o que fazer, somente ter paciência para ir devagarinho ate chegar lá.

Déjà Vu em Marcapata

Eram cerca de 4 horas da tarde quando cheguei ao vilarejo de Marcapata, há quase 4 mil metros de altura. Já estava dirigindo há 13 horas portanto, e o normal era que estivesse muito cansado. Mas o que provocou meu maior cansaço não foi o frio, que a esta altura já era bem forte, nem as rajadas de vento, nem a chuva fina e fria que molhava me corpo e sim, a fraqueza da motocicleta. Acho que resolvi parar mais em respeito a ela do que a mim mesmo, que ainda encontrava-me disposto a seguir viagem.

No vilarejo, fui tomado por uma sensação fora do comum. Primeiro parecia que as pessoas já me esperavam, o que é deveras estranho para um lugar onde não há fluxo de turistas. Antes de procurar hospedagem para mim, procurei para a moto, afinal ela merecia descansar sob uma garagem, depois de todo seu heroísmo.

Depois de guarda-la sob o conforto de um teto, procurei um teto para mim mesmo cheguei a uma casa, onde a dona hospeda principalmente trabalhadores da Transoceânica. Os quartos são coletivos, mas peguei um quarto sozinho. O local quente e aconchegante, alem de limpo, embora estivesse faltando água.

Depois de tirar a roupa úmida, desci de meus aposentos para uma copa, onde se servia a janta. O Clima era de uma taverna de tempos antigos, as pessoas eram fregueses, ais ao mesmo tempo, amigos dos donos. Todos tratavam-se como conhecidos enquanto aguardavam sua sopa quente. A experiência de chegar a Marcapata daquele jeito foi riquíssima, por que tive a oportunidade de participar da intimidade do cotidiano da comunidade. Sem prepara para o recebimento de turistas, tudo que tinham a oferecer era sua hospitalidade. Sentei-me em uma mesa em que estavam dois trabalhadores da transoceânica, um de Lima e outro de Cuzco, e pude perceber a diferença marcante de personalidade. Enquanto o limenho era brincalhão e falador, o cuzqueño era mais reservado, mas de uma gentileza e generosidade sem par. Na mesma mesa ainda estavam um jovem medico que trabalhava no posto de saúde da comunidade, e uma jovem local, perto dos 25 anos, de família de agricultores.

Todos conversavam animadamente e minha presença parece que os animou ainda mais. Em diversas vezes, ali, como em todo Peru, referiam-se ao Brasil como “O Pais más grande del mundo”. Enquanto explicavam-me como são as formações das cordilheiras, suas passagens ou “passos”, tive uma sensação muito interessante: tive a nítida impressão que já havia vivido aquela exata situação antes, o mesmo lugar, as mesmas pessoas, a mesma conversa e os mesmos pensamentos, inclusive. Para mim, foi como se eu estivesse vivendo uma situação já antes profetizada em sonhos. A sensação é conhecida e tem ate um nome próprio “Deja Vu”. Para uns trata-se apenas de uma “confusão” no cérebro, como uma miragem. Já para outros, ela seria o resultado de que presente, passado e futuro existem unidos e de alguma forma se tem acesso as trilhas invisíveis que nos conduzem nos destinos. Uma explicação absurda, mas que tem o aval da moderna física quântica. Seja qual for a explicação o fato é que vivi intensamente, o que reforçou a minha idéia de estar realizando um caminho, antes de tudo, espiritual.

Um comentário:

  1. Você consegue se superar a cada relato de viagem.
    Parabéns!!! Que Deus te guarde pelos caminhos da felicidade e da paz.

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