terça-feira, 21 de agosto de 2012

Caboclo do pé rachado

Sandra Braz* 

Eu já postei aqui sobre a visão atrofiada que algumas pessoas do centro-sul do país nutrem a respeito do Norte. Compreensível até certo ponto, já que crescem imersas em uma cultura diferente, num ambiente com mais abundância de tecnologia e vida apressada. A Amazônia para estas é sinônimo de mato e bichos silvestres, em síntese: um lugar inóspito. Eu já me irritei com essa concepção porque temos floresta com farta biodiversidade, embora esteja sendo degradada em nome do progresso, mas temos cidades “funcionais” como qualquer estado do Brasil. Infelizmente, tratando de Rondônia, há parco investimento público, no entanto, a iniciativa privada o esteja fazendo com louvor. A questão é que eu noto certa obsessão de muitos nortistas em querer provar por A + B que são “gente civilizada”, sim senhor e pensar no Norte como selva e populações tradicionais é uma bobagem, mas tenho que discordar, pensar no espaço amazônico apenas dessa forma é um engano, mas não tem o menor cabimento nos compararmos com centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, etc que gozam de características próprias pois se organizaram no tempo e no espaço de acordo com o desenrolar histórico. Sim, somos bicho e floresta em essência! Recentemente circulava numa rede social (o termômetro para verificar o grau cultural de muitas pessoas, além do bom senso) uma gravura do aeroporto de Cruzeiro do Sul – AC (minha terra de coração) reformado pela gestão federal passada e que em minha opinião é LINDO. Duas fotos do aeroporto podem ser vistas logo abaixo. A proposta foi imitar ocas em homenagem aos indígenas, o suficiente para gerar polêmica. Os ignorantes pseudo-metropolitanos argumentaram que a arquitetura da obra contribui para reforçar a crença que o resto do país tem que no Acre só habitam índios e botos que engravidam moças. Paralelo a isso postavam fotos dos prédios e pontes iluminadas tentando esfregar na cara da sociedade que aqui residem citadinos e blá blá blá. Integramos a Amazônia e isso não fere nossa dignidade ou nos tira o direito de sermos brasileiros, pelo contrário. Por esta Amazônia, Chico Mendes, reconhecido internacionalmente, morreu lutando; daqui também é Marina Silva com trajetórias pessoal e política célebres. Do Acre também são a tele-dramaturga Glória Perez, o jogador da seleção brasileira de vôlei, Carlão, a banda Los Porongas com sua música cheia de poesia, Benki Pianko, líder ambientalista do povo ashaninka e tantos outros notáveis ou anônimos que nos dão orgulho. Tão infelizes quanto aqueles que julgam o Norte como região brenhosa apinhada de aborígines, são os nativos tentando evidenciar que aqui há shopping com Mc Donalds, renegando suas almas caboclas. Nasci aqui, embora confesso que adoraria morar numa cidade maior porque sou inquieta e desejo explorar espaços mais complexos, se é que você entente, mas amo a Amazônia composta de cenários exclusivos com rios majestosos, fauna e flora ricas, culinária, crenças, costumes e cultura beradeiros valiosíssimos; encanto-me com rostos como o meu, redondos com olhos puxados e cabelos escorridos, herança genética dos primeiros habitantes desta Terra de Vera CruzO bobo que se esquiva de suas origens sequer percebe o quanto a Amazônia é venerada por todo o mundo, que é um dos destinos turísticos  mais requisitados, sem contar nossos frutos e pratos exóticos que conquistaram o resto do Brasil e diversos países; é o sujeito que sonha em comer sanduíche "sofisticado" (não que seja crime, eu também gosto) e falta-lhe sensibilidade para se encantar com a floresta e a beleza presente na cultura cabocla. 



E tenho dito!

* Sandra Braz é cruzeirense formada em Administração e vive há 10 anos em Rondônia. 
Sandra, assim como eu acredita que para usufruir dos benefícios da civilização não é necessário renegar suas origens

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