Mas meu instinto
de lobo me diz que há algo mais que se esconde sob o manto desta necessidade
de “proteção”. Um sutil jogo de sombras que mascara outra
intenção.
O que inicialmente recebeu o nome de biopirataria foi justamente a ação de
laboratórios (geralmente estrangeiros) que se apropriavam do conhecimento
indígena sobre determinadas plantas e os reduziam a fórmulas, princípios e pílulas,
para a alegria da poderosa indústria farmacêutica.
Habilmente, a mesma indústria farmacêutica, com a ajuda da
sempre servil ANVISA, conseguiu virar o jogo, e o discurso, ao seu favor. Assim,
passaram a ser chamados de “biopiratas” todos aqueles que fazem uso da medicina
ancestral nativa e que por um azar do destino, não sejam nativos.
Ora, o que está por trás deste discurso? A de que apenas os indígenas
podem fazer uso de sua medicina, a nós, brancos, nos resta tomar as suas
pílulas, depois que elas estiverem no mercado. Quem de fato se “protege” com
este discurso?
Não apenas a indústria farmacêutica é protegida, mas todo o
paradigma médico-científico ocidental.
Isto
porque, na medicina nativa, o conceito de um “paciente” que é apenas “objeto”
da medicina, não existe.
Na medicina ancestral, o “paciente” não é passivo, ele
é sujeito de sua própria cura.
Ao tentar restringir a medicina ancestral às aldeias, passa-se
à sociedade a ideia de que os conhecimentos tradicionais não são mais do que um
exotismo sem cabimento na nossa sociedade, cuja tolerância é motivada apenas por
valores humanitários e interesse antropológico.
Diante de uma sociedade que falhou em responder aos anseios mais profundos do ser humano, brancos ou não, temos
o total direito e a liberdade de adotar um outro paradigma, uma outra
cosmovisão que corresponda a estes anseios.
As formas de cura previstas nas mais diferentes medicinas ancestrais nativas, não são apenas paliativos cosméticos. São medicinas que exigem muitas vezes, uma reavaliação das motivações, impele a mudanças de hábitos, de comportamentos, obriga a romper preconceitos, a quebrar paradigmas e sobretudo, a um re-alinhamento das vontades mais profundas, porque logo cedo se aprende que tudo está integrado e que não é possível obter a cura de coisa alguma, mantendo-se os mesmos velhos padrões.
É de tudo isso que o velho paradigma precisa se defender: ele depende da inconsciência para continuar reproduzindo seus padrões doentios.
Talvez os indígenas não estejam sendo inocentes, mas estratégicos, em repassar estes conhecimentos para que eles sobrevivam em nossa sociedade. O divisor de águas está no grau de compromisso com a cosmovisão com que se honram estas medicinas.
Talvez os indígenas não estejam sendo inocentes, mas estratégicos, em repassar estes conhecimentos para que eles sobrevivam em nossa sociedade. O divisor de águas está no grau de compromisso com a cosmovisão com que se honram estas medicinas.
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