terça-feira, 19 de março de 2013

Quem precisa ser protegido da “biopirataria”?

É lugar-comum afirmar que os povos indígenas precisam ser “protegidos” da ação de “biopiratas”: pessoas malvadas e sem coração que se aproveitam da "inocência" dos povos indígenas e se apropriam de seus conhecimentos tradicionais e faturam alto com isto.

Mas meu instinto de lobo me diz que há algo mais que se esconde sob o manto desta necessidade de “proteção”. Um sutil jogo de sombras que mascara outra intenção.

O que inicialmente recebeu o nome de biopirataria foi justamente a ação de laboratórios (geralmente estrangeiros) que se apropriavam do conhecimento indígena sobre determinadas plantas e os reduziam a fórmulas, princípios e pílulas, para a alegria da poderosa indústria farmacêutica.

Habilmente, a mesma indústria farmacêutica, com a ajuda da sempre servil ANVISA, conseguiu virar o jogo, e o discurso, ao seu favor. Assim, passaram a ser chamados de “biopiratas” todos aqueles que fazem uso da medicina ancestral nativa e que por um azar do destino, não sejam nativos.

Ora, o que está por trás deste discurso? A de que apenas os indígenas podem fazer uso de sua medicina, a nós, brancos, nos resta tomar as suas pílulas, depois que elas estiverem no mercado. Quem de fato se “protege” com este discurso?

Não apenas a indústria farmacêutica é protegida, mas todo o paradigma médico-científico ocidental.  
Isto porque, na medicina nativa, o conceito de um “paciente” que é apenas “objeto” da medicina, não existe. 

Na medicina ancestral, o “paciente” não é passivo, ele é sujeito de sua própria cura.

Ao tentar restringir a medicina ancestral às aldeias, passa-se à sociedade a ideia de que os conhecimentos tradicionais não são mais do que um exotismo sem cabimento na nossa sociedade, cuja tolerância é motivada apenas por valores humanitários e interesse antropológico.

Diante de uma sociedade que falhou em responder aos anseios mais profundos do ser humano, brancos ou não, temos o total direito e a liberdade de adotar um outro paradigma, uma outra cosmovisão que corresponda a estes anseios. 

As formas de cura previstas nas mais diferentes medicinas ancestrais nativas, não são apenas paliativos cosméticos. São medicinas que exigem muitas vezes, uma reavaliação das motivações, impele a mudanças de hábitos, de comportamentos, obriga a romper preconceitos, a quebrar paradigmas e sobretudo, a um re-alinhamento das vontades mais profundas, porque logo cedo se aprende que tudo está integrado e que não é possível obter a cura de coisa alguma, mantendo-se os mesmos velhos padrões.

É de tudo isso que o velho paradigma precisa se defender: ele depende da inconsciência para continuar reproduzindo seus padrões doentios.

Talvez os indígenas não estejam sendo inocentes, mas estratégicos, em repassar estes conhecimentos para que eles sobrevivam em nossa sociedade. O divisor de águas está no grau de compromisso com a cosmovisão com que se honram estas medicinas.         
    
   

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