terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O resgate do "Vinte e Um"

As fotos presentes nesta postagem são parte do legado material deixado por Genildo dos Santos Muniz.

Genildo foi um dos principais herdeiros da tradição de aplicação do kambô que teve em seu avô, Francisco Gomes, um dos pioneiros da aplicação da "vacina do sapo" nos não-índios.

Genildo continuou o trabalho de seu avô, levando a medicina para os grandes centros do país.

Uma parte dos recursos foi utilizada para a criação e manutenção de dois espaços de cura e de preparação das medicinas: A AJUREMA, localizada na periferia da cidade de Cruzeiro do Sul, e o "Vinte e Um", localizado no projeto de assentamento Santa Luzia, zona rural de Cruzeiro do Sul.

A casa do "Vinte e Um"















Genildo
O espaço conhecido como "Vinte e Um" destinava-se à preparação e toma da ayahuasca, uso e coleta do kambô, e para estudos que demandem um período de maior isolamento na floresta.

No local encontra-se uma casa com cobertura de palha, além de alguns pés de chacrona e cipó plantados por Genildo.

A mata do local é do tipo de terra firme, situada em área de reserva legal destinado ao uso sustentável.


Chacrona plantada por Genildo às margens do Igarapé




















Por que "Vinte e Um" ?

A história do "Vinte e um" começa com Genildo conduzindo o alemão Guido Stiehle e o eslovaco Juraj Penciak que andavam na floresta das redondezas em busca do "lugar ideal" para uma cerimônia de ayahuasca.

Guido então ficou encantado com o canto de um pássaro e decidiu seguir aquele som. Por algumas horas  os três andaram na floresta até que chegaram a um local onde havia um bando desses pássaros.

Genlido explicou que aquela ave era chamado de "Vinte e Um" devido ao som que faz parecer que ele está dizendo, "vinte e um", e também porque segundo a lenda, onde canta um, cantam vinte e um. Aquele local, portanto, seria o local onde estariam os "vinte um" pássaros.

O "Vinte e Um" (Lipaugus vociferans) também é conhecido como pássaro do seringueiro, capitão da mata, fri-frió ou cri-crió, entre outros. Produz um som alto e estridente, bastante característico.

O "Vinte e um", capitão da mata ou pássaro de seringueiro
Clique aqui para ouvir o canto do "vinte e um"

Genildo lembrou também que seu avô Francisco, atribuía uma característica especial ao número 21.
Este era o número máximo que ele fazia de aplicações de kambô.
O pássaro do seringueiro é assim chamado por ser um companheiro na solidão da floresta para o seringueiro, como fora para o seu avô durante as lidas na mata.


O resgate

Após o trágico falecimento de Genildo, em uma acidente automobilístico no ano de 2007, o local ficou praticamente abandonado.

O "Vinte e um" - restauração e reabertura do acesso
Passados mais de sete anos, Elias, o irmão mais novo de Genildo, agora com 23 anos, pretende retomar o trabalho.


A ideia não é aplicar o kambô como quem faz uso de uma substância apenas. Mas sim, transmitir através da aplicação, a força e a pureza da floresta, a natureza dos instintos, a potência da selva amazônica.

Trata-se de manter viva a tradição e a ancestralidade e de possibilitar que esta troca com as pessoas das cidades possibilite aos povos da floresta viver dignamente, com o mínimo de impacto sobre a floresta.

Para isso é necessário preparar as medicinas na floresta, e se preparar com elas também na floresta: fonte de conhecimento e energia de cura e equilíbrio.


Cipó plantado por Genildo

Reativar o "vinte e um" significa reabrir o trabalho iniciado por Genildo e antes, pelos seu pai e avô. Significa um local de estudo e aprofundamento, um local para beber da fonte da floresta e que poderá ser compartilhado com os aliados da cidade.

  

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