Estes dias conversando com uma amiga - revisora ortográfica
com mais de vinte anos de profissão – a mesma recordou uma história no mínimo
curiosa. Uma sociedade beneficente evangélica solicitou a correção ortográfica
do relatório anual da instituição. A sociedade era responsável por controlar
instituições como escolas, faculdades e hospitais. O relatório tinha mais de
sessenta páginas – nada demais para uma revisora experiente e acostumada a trabalhar
por horas a fio para entregar o serviço nos prazos pré-estabelecidos.
Lá pelas Altas Horas, com o trabalho de revisão já iniciado,
a revisora recebe a visita de um dos diretores da instituição. O objetivo do diretor
era fazer algumas exigências específicas aquela revisão.
- Algumas palavras não podem estar no relatório...
- Sim, e quais são?
- Por exemplo... Entidade
Lá no texto... a entidade sem fins lucrativos... deveria ser
substituída, para evitar que a ‘entidade sem fins lucrativos’ viesse a ser confundida
com um caboclo ou preto velho que não pede nada além de um charuto ou cachaça.
A revisora, pacientemente, continuou ouvindo as exigências.
- Sim, e o que mais?
- Incorporação...
Bem, com isso o trecho: ‘novas normas foram INCORPORADAS ao estatuto’
deveriam passar por mudança. E enquanto ela me conta a história imagino o novo o
‘estatuto’ dando tremeliques e pulinhos, girando freneticamente sobre si mesmo,
como nos terreiros de umbanda, ou mais comum ainda, nas próprias igrejas
pentecostais.
- Outra: Guia. Guia não pode.
No relatório estava lá: ‘o guia de bolso criado para facilitar
o acesso à informação...’. Por instante, minha imaginação me leva à ideia de
que no futuro, talvez possamos levar nossos diferentes ‘guias’: caboclos, preto-velhos,
nossas onças, águias e jiboias, nos nossos bolsos, como smartfones, acionados a
um simples toque na tela ‘touch screen’.
- Espírito, alma. Não pode.
Lá se vai aquela velha expressão tal coisa é a ‘alma do negócio’...
e vi nisso talvez certa vantagem, já que talvez fosse melhor, para o
português e para a noção geral da realidade, apresentar o ‘negócio’, do jeito
que ele é: sem alma.
E depois de me contar essa conversa, a amiga revisora
vaticina:
-Oxalá, meus clientes nunca leiam isso...
O relato além de curioso mostra ainda mais explicitamente a intolerância entre as religiões.
ResponderExcluirChega beirar o cômico.
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