quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O ‘Guia’ Teologicamente Incorreto

Estes dias conversando com uma amiga - revisora ortográfica com mais de vinte anos de profissão – a mesma recordou uma história no mínimo curiosa. Uma sociedade beneficente evangélica solicitou a correção ortográfica do relatório anual da instituição. A sociedade era responsável por controlar instituições como escolas, faculdades e hospitais. O relatório tinha mais de sessenta páginas – nada demais para uma revisora experiente e acostumada a trabalhar por horas a fio para entregar o serviço nos prazos pré-estabelecidos.
Lá pelas Altas Horas, com o trabalho de revisão já iniciado, a revisora recebe a visita de um dos diretores da instituição. O objetivo do diretor era fazer algumas exigências específicas aquela revisão.
- Algumas palavras não podem estar no relatório...
- Sim, e quais são?
- Por exemplo... Entidade
Lá no texto... a entidade sem fins lucrativos... deveria ser substituída, para evitar que a ‘entidade sem fins lucrativos’ viesse a ser confundida com um caboclo ou preto velho que não pede nada além de um charuto ou cachaça.
A revisora, pacientemente, continuou ouvindo as exigências.
- Sim, e o que mais?
- Incorporação...
Bem, com isso o trecho: ‘novas normas foram INCORPORADAS ao estatuto’ deveriam passar por mudança. E enquanto ela me conta a história imagino o novo o ‘estatuto’ dando tremeliques e pulinhos, girando freneticamente sobre si mesmo, como nos terreiros de umbanda, ou mais comum ainda, nas próprias igrejas pentecostais.
- Outra: Guia. Guia não pode.
No relatório estava lá: ‘o guia de bolso criado para facilitar o acesso à informação...’. Por instante, minha imaginação me leva à ideia de que no futuro, talvez possamos levar nossos diferentes ‘guias’: caboclos, preto-velhos, nossas onças, águias e jiboias, nos nossos bolsos, como smartfones, acionados a um simples toque na tela ‘touch screen’.
- Espírito, alma. Não pode.
Lá se vai aquela velha expressão tal coisa é a ‘alma do negócio’... e vi nisso talvez certa vantagem, já que talvez fosse melhor, para o português e para a noção geral da realidade, apresentar o ‘negócio’, do jeito que ele é: sem alma.   
E depois de me contar essa conversa, a amiga revisora vaticina:

-Oxalá, meus clientes nunca leiam isso...     

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