Sobre a série:
Oito pessoas em diferentes partes do mundo, pertencendo a diferentes culturas e condições sociais descobrem-se compartilhando sensações e vivenciando parcialmente, uns as vidas dos outros.
O aspecto mais explorado da série tem sido a questão da ‘diversidade’ presente entre os protagonistas. ‘Diversidade’ esta que se dá pelo aspecto cultural/nacional – um policial de Chicago, uma DJ Islandesa usuária de drogas, um motorista de van queiniano, uma escritora transexual de San Francisco, uma bioquímica indiana, um arrombador de cofres de Berlim, uma empresária e lutadora sul-coreana e um galã homossexual mexicano.
O ideal de pessoa ‘multicultural’ e ‘universal’ contemporânea
O apelo mais evidente a este compartilhar de experiências sensoriais, é de um ‘abrir-se para o mundo’ experiencial, em que tudo é possível. A série explora à exaustação o recurso de que quando ocorrem as relações sexuais entre dois parceiros, por exemplo, a excitação, o prazer e o êxtase são compartilhados por todos, sugerindo algo como um ritual orgiástico em que as definições sobre hétero e homossexualidade se tornam difusas.
O compartilhar de experiências e habilidades entre os protagonistas ‘sensates’ permite à narrativa da série testar uma hipótese para além do já ‘tradicional’ postulado fundamental do multiculturalismo de tolerância à diversidade. Trata-se aqui de um ‘organismo sensorial múltiplo’ em que estas diversidades e habilidades combinam-se mutuamente apesar de suas diferenças.
Não é de modo algum estranho que este seja um dos argumentos centrais utilizados pelas grandes corporações do Vale do Silício. A combinação de habilidades e a abertura para o novo são os pilares do modelo de capitalismo empregado em empresas de última geração como Google, Microsoft e Facebook. A série reflete de modo inequívoco, os apelos e a ideologia desta fase avançada do modelo de produção capitalista.
Duas cenas da série tornam a conexão bastante evidente. Em uma delas, a habilidade dos ‘sensate’ de compartilhar percepções é comparada de modo explícito por um dos personagens (que não por acaso, são também, hackers) à própria rede mundial de computadores, os fluxos de informação que podem conectar pessoas distantes.
Em uma segunda cena, um palestrante discursa dentro de uma mesquita para um público eclético formado por membros de diferentes religiões e ateus, justamente sobre a necessidade da tolerância para agregar habilidades de pessoas diferentes como forma de ‘alcançar novos progressos’, sejam eles tecnológicos ou produtivos.
Outra cena é esclarecedora sobre a hipótese que a série pretende testar. Um professor cita para estudantes universitários, o poder estruturante da linguagem nas maneiras de pensar e na formação das culturas, levantando a hipótese de uma humanidade universalista unida pela percepção pura compartilhada, sem a barreira da língua.
Mais uma vez aí está pautada a ‘comunidade universal’, sem as barreiras da língua.
Sem Segredos
Um aspecto não tão evidente, mas ainda assim, perceptível, é de que a possibilidade de uma comunicação/percepção direta sem a mediação da linguagem traria uma empatia para além das lealdades familiares, comunais, nacionais, etc.
Essa hipótese é explorada pela série como uma espécie humana distinta dos Homo sapiens, unida justamente pela empatia das percepções compartilhadas. Em última análise, a capacidade de distinguir entre eu e o outro é o fundamento da razão. O apelo da série portanto, é à emoção, a percepção e à empatia como substituto triunfante da razão que ‘segrega’.
O antagonista da série, em dado momento, cita justamente a capacidade desta distinção entre eu e o outro, como a possibilidade de mentir. Sem esta barreira, haveria portanto essa impossibilidade, que, articula a série, estaria no cerne da civilização, do estado, etc.
Essa ‘impossibilidade de mentir’ revela outro aspecto importante da ‘ideologia do vale do silício’: a de que a tecnologia tornará impossível a ocultação de segredos.
‘Noção de Pessoa’
Pensando a partir da categorização de Marcel Mauss sobre a ‘noção de pessoa’, é possível situar o ideal de ‘noção de pessoa’ articulado pela série em um contexto pós-moderno, ou, até mesmo, na falta de termo melhor, pós-pós-moderno.
Se uma das características mais marcadas do indivíduo moderno é a de um sujeito de direitos com seus âmbitos público e o privado bem demarcados, no sujeito pós-moderno essa barreira passa gradualmente a se desfazer, para acabar por completo no indivíduo ‘pós-pós-moderno’ da era da interconectividade das redes sociais: uma suruba cósmica e quântica que de modo muito eficaz, liberta-nos de nosso muros a fim de recrutar nossa mão-de-obra terceiro-mundista para trabalhar no Google e empresas afins.
PS: Dito isso, que venha a terceira temporada!
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