sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Pajelança vai bem, obrigado

O recente episódio envolvendo a declaração estapafúrdia do deputado estadual Denilson Segóvia (PEN) de que os costumes indígenas “são culturas destruidoras da moral, da cultura da bebedeira, da pedofilia, da pajelança” têm rendido boas polêmicas na imprensa e nas redes sociais.

Mas não surpreende, é apenas mais uma abobrinha da “Gospelândia”, o estado teocrático em que está se convertendo o Acre. Um lugar onde cada vez mais os argumentos  são menos importantes de que a crença religiosa.

Ainda assim, a declaração do deputado-pastor não poderia ser mais imprópria: nossa própria sociedade acreana é pródiga na bebedeira e na pedofilia.

Quanto à pajelança, vai bem obrigado.

A tradição de mais de cinco mil anos, nascida nestas florestas e não nos desertos estéreis do oriente médio, sobreviveu a séculos de opressão e perseguição e hoje, em torno dela, os povos indígenas voltam a se reorganizar.

Enquanto isso, os limitados padrões ditos “evangélicos” procuram seguir os ditames de um velho testamento, “satanizando” o uso das pinturas corporais, os cantos, as danças, e o uso ritualístico das plantas de poder, entre elas, a ayahuasca.

Em nada disso há a chamada “Boa Nova” anunciada por Jesus Cristo. Há apenas o repetido eco dos velhos preconceitos praticados nas sinagogas dos fariseus.

Entre as diversas organizações missionárias, destaco o trabalho de duas. O CIMI, ligado à Igreja Católica e o COMIM, ligado à Igreja Luterana (e portanto, evangélica). Estas duas organizações há muito abandonaram o conceito ultrapassado de que para “levar a Boa Nova” seja necessário destruir costumes, tradições, enfim, uma cultura.

Ambas as organizações trabalham com a ideia de que levar a "Boa Nova"seja na verdade lutar para que os povos indígenas tenham reconhecidos os seus direitos à terra, à saúde, à educação e principalmente, o direito de terem estes direitos reconhecidos sem que para isso tenham que se adequar aos preconceitos ditos cristãos.

O ataque às culturas indígenas perpetrado pelo deputado-pastor no mesmo tempo em que circula na internet a farsa “Hakani” tem objetivos políticos bem claros.

Demonizar ou ridicularizar a cultura indígena parece ser vital para a sobrevivência de ruralistas e madeireiros, atividades que dependem de constantes avanços sobre áreas de florestas.

Ocorre que, os povos indígenas, além de ocuparem estas áreas preservaram um sistema de relação com o universo que se opõe frontalmente ao pré-capitalismo do agronegócio.
“Evangelizá-los” significa entre outras coisas torná-los mais dóceis para aceitar a destruição de suas áreas naturais, enquanto avançam os tratores e motosserras. Afinal como disse um pastor evangélico aos Yawanawá “índio precisa de deus, e não de terra”.

Enquanto isso, os descendentes de Abraão e Moisés na sua sacro-santa Israel, cuja bandeira é idolatrada nas “Marchas para Jesus” continuam a expulsar palestinos de sua terra natal, mesmo que para isso seja necessário cometer os mais abjetos crimes, entre eles, o infanticídio.

A cultura indígena tem cada vez mais ultrapassado o limite das aldeias e alcançado corações e mentes até mesmo nos grandes centros urbanos do mundo. Talvez isso aconteça por oferecer respostas aos grandes dilemas do terceiro milênio, algo que o calvinismo protestante em que o capitalismo está fundamentado, já se demonstrou incapaz.

A chamada “pajelança” a que o deputado–pastor se refere sem um pingo de conhecimento do assunto, trata, entre outras coisas, de colocar o homem em seu verdadeiro lugar no universo: ao lado da criação e não acima dela.

E talvez essa sim, seja a verdadeira “Boa Nova” de que necessitamos para viver em um mundo de paz, harmonia e abundância para todos.

* Na foto o centenário “Sheni”(sábio, pajé) Vicente Yawaraní, guardião da cultura e da memória da ancestralidade Yawanawá

Leandro Altheman

2 comentários:

  1. Excelente texto, Leandro, só quero lembrar que não é apenas o Acre que está se transformando numa Gospelândia, é o Brasil, infelizmente.

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  2. eu sei, amiga, a referência mais forte ao Acre deve-se ao fato de q o comentário partiu do legislativo acreano

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