Jamais tive acesso a nenhum tipo de bibliografia que satisfizesse meu desejo de conhecimento acerca da historicidade da ayahuasca. Por isso, se alguém souber de algo, por favor, me avise. O que existem por um lado sao trabalhos antropológicos que tratam do uso da ayahuasca em seu contexto original, ou seja, nativo e tradicional e em seu contexto moderno e urbano; e por outro especulaçoes exotéricas sem grande valor científico.
Ayahuasqueiro e amante da história, isso nunca chegou a me satisfazer. Há muito mais a que se descubrir, e assim como os crentes fiés sonham em ir a Terra Santa, adentro o espaço ocupado pelo Tawantinsuyu para recolher fragmentos que como um quebra-cabeça, começo a montá-lo.
As religioes ayahuasqueiras, em especial, a UDV chegam a proclamar a origem incaica da bebida e até arriscam uma espécie de “culto ao Sol” reiventada dentro de um contexto cristão e espírita reencarnacionista.
Em minhas viagens ao Peru descubro que em uma lista centenária de plantas selvagens e domesticadas, incluindo aquelas de uso mágico-medicinal, há uma breve referencia as plantas da ayahuasca.
Estudando diretamente do quetchua, descubro que não há a necessidade de mitificar a palavra "huasca". É uma palavra de uso corriqueiro, que significa um entrançado ou emaranhado de fios enrolados, que podem ser tranformados em corda ou chicote e por esta razão designam também o cipó que tem esta forma.
O termo "quétchua" designa nao apenas um povo, mas também um ecosistema, a saber dos 2.300 metros do nível do mar aos 3.300. Os incas mantiveram relatorios detalhados sobre os outros ecossistemas ocupados pelo Tawantinsuyu, o que lhes garantio um total e eficiente dominio sobre as “quatro regioes”. Mas mesmo na regiao conhecida como Selva Alta (aonde por exemplo está localizado Machu Picchu) não encontrei referencias locais às plantas da ayahuasca.
Somente na Selva Baixa, região do Ucaially e Madre de Dios, as referências são abundantes. Regiao que os Incas denominavam Omágua (do quetchua: lugar de peixe de água doce). O fato é que o Imperio Inca teve curta duraçao: apenas 95 anos. Na selva baixa ou omagua, este periodo se reduz a diminutos 35 anos, tempo excesivamente diminuto para que se amalgamasse uma cultura ayahuasqueira entre os incas andinos.
A este respeito é bom fazer uma ressalva: normalmente as pessoas se espantam com os assombrosos vestigios pelos Incas deixados. Mas na verdade, o Tawantinsuyu incaico, foi tributário de culturas andinas cujas origens sao estimadas em 16 mil anos. Estão para o mundo andino, como os romanos estao apara o munto antigo do mediterrâneo.
Mas por que entao, a bebida é designada por uma palabra quetchua: ayahuasca?
Lendo sobre a historia dos Incas (que é bem distinta de sua mitologia), descubro que uma de suas fronteiras orientais fora fixada por pelo Sapa Inca Huaina Capac no rio Tono (afluente do Madre de Dios).
, atual Parque del Manu, em um local denominado Chipenáguas. Com meus parcos conhecimentos de Pano, arrisco deduzir que Chipenaguas é uma acastelhanamento de Shipi Náuas (povo do sauim), ou seja, Shipibo. Parece casualidade demais que entre os Shipibo vivam hoje alguns dos maiores maestros ayuahuasqueiros. Eles próprios detentores de uma extensa tradiçao ayahuasqueira e o conhecimento profundo de outra dezena de plantas mestras.
Isso nao resolve ainda a questao de por que uma planta da selva acabou sendo denominada com uma palavra quétchua, ou seja, andina. Ainda no campo da especulação, me parece que a influência quetchua poderia ter chegado à selva tardiamente, em sua lenta penetraçao a medida que grupos cada vez mais isolados, buscavam escapar da fastidiosa influência do cristianismo espanhol. Em termos históricos (e mais uma vez, não mitológicos), me parece mais apropriado que tal influencia tenha se dado nos séculos posteriores a invasao espanhola, penetrando no lado brasileiro da fronteira via Madre de Dios (Madeira) durante o ciclo do caucho-borracha. Excessao feita, é claro, aos demais nativos “Náuas”(ou seja, família lingüística pano) que já compartilhavam a tradiçao do Uni antes que fossem definidas as fronteiras.
Uma outra hipótese bastante plausível é que mesmo muito antes da grande expansão do Tawantinsuyu, já exitia um proeminente comércio entre os diferentes ecossistemas costeiros, andinos e amazônicos e talvez daí possa ter se configurado o uso da bebida amazônica entre uma elite sacerdotal andina.
Há também entre os descendentes dos Incas que se pulverizaram na floresta entre diversas peuqenas nações, um mito interessante, o do Inca Rey. Trata-se de um mito posterior à dissolução do Tawantinsuyu, espécie de Sebastianismo à andina que acreditava no regresso físico ou espiritual do Inca que viria restaurar o império. Tal crença pode ter se tornado popular e servido de amálgama cultural entre os falantes de quétchua na selva amazônica. Não é dificil. imaginar que significados e proporções tal mito poderia tomar vinclusive se configurando como uma espécie de seita ou religião entre os povos ayahuasqueiros falantes de quetchua. Entre os pano, fala-se da origem da bebida nos mesmo termos de um rei mítico que morre para que de sua sepultura possam nascer as plantas da ayahuasca. A interpolação entre o mito original amazônico e o sebastianismo andino do Inca Rey pode ter feito surgir a historia do Rei Inca, tal qual é contada.
Assunto vasto e inesgotável, que de maneira alguma retira a importância dos relatos mitologicos, que trazem o sentido pessoal e subjetivo para quem a utiliza e que serve de "bússola" para guiar os navegantes desta força sempre misteriosa. Os mitos sempre foram e sao, os fios condutores que dao um sentido mais elevado à existencia, o que não nos impede de tentar refazer os seus passos através da História.
A mitologia em épocas em que o conhecimento científico era limitado, foi uma tentiva de explicar o que não se sabia e graças a isso, a humanidade recebeu um rico legado das mais diversas culturas de mitos, lendas... Muitas fascinantes até hoje e objetos de estudo das mais diversas ciências. A Ayahuasca utilizada por diversos povos e originária da América do Sul (ao que tudo indica) carrega misticismo e diversas "teorias mitológicas" nas quais os frequentadores das religiões formais acrediram piamente. Aos que estão alheios ou são céticos às culturas religiosas formais, restam buscar o passado da Ayahuasca para compreender sua trajetória e outras nuances que a permeiam.
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