Enganei-me. Primeiro porque é quase
impossível assistir impassível a tantas movimentações, que querendo ou não, em
algum momento extrapolam nossas razões e atingem o âmago de nossos sentimentos.
Já há algum tempo, por razões bastante
conhecidas por aqueles que seguem minhas publicações, havia deixado de lado
qualquer apoio político ao PT e à Lula. Em resumo: compartilho com a sensação
de boa parte das pessoas ligadas às causas ambientais e indígenas, de que nossa
pauta foi completamente rifada pelo atual governo em troca de apoios
substanciais de setores como: agronegócio, empreiteiras, bancada teocrática e
outros. Isso para mim foi motivo suficiente para retirar o apoio, que até
então, prestei ao governo até pelo menos metade do primeiro mandato de Dilma.
Fato é que, a súbita explosão de
comoções geradas pela quebra do sigilo telefônico de Lula e Dilma, acabou
tocando aquele emocional, lá no fundo, trazendo à tona uma ojeriza acumulada em
décadas de percepção de que a Justiça, que hoje ampara aqueles que querem ver o
fim do governo Dilma, de Lula, do PT e se possível de toda esquerda, em verdade
sempre foi um colegiado de privilégios profundamente empregado de valores do
Brasil Colônia. São as ‘excelências’ togadas arrotando direitos tão fora da
realidade quanto seus privilégios permitem.
Minha decisão de não ir às ruas, nem
de vermelho PT e nem de amarelo CBF não é ‘muro’, mas resultado de um sentimento
que somente têm se fortalecido nos últimos dias.
Não me resta dúvida de que Lula,
Dilma e o PT, ainda que por meios questionáveis, colhem exatamente o que
plantaram. Ou acharam eles que as alianças espúrias com o setor privado sairiam
‘de graça’?
A questão é: o que está sendo semeado?
O que vejo é ódio e intolerância. O que as passeatas verde-amarelas transmitem
é uma noção de ‘ordem’ que parece advinda de aulinhas de educação Moral e
Cívica, e que sim, contém elementos proto-fascistas.
Dito isso, é preciso fazer a ressalva
de que nem todo mundo que está de vermelho hoje ‘apoia a corrupção’, do mesmo
modo que nem todos que estão de amarelo são fascistas ou proto-fascistas.
Pessoas chegam a determinadas conclusões baseadas em aspectos objetivos, mas
muito também, por razões subjetivas que as levaram a construir determinada
escolha. Se não respeitarmos as escolhas de cada pessoa, tampouco respeitaremos
a pessoa por trás delas.
Tenho me rendido cada vez mais à
concepção de que tudo o que temos no final das contas, são pontos de vista, já
que nossa visão da realidade, por melhor que seja, sempre será apenas um
recorte ínfimo da realidade total.
Encerro esse texto, com o conto
africano do Chapéu de Duas Cores, que explica, com muita sabedoria, o que
busquei expressar através desse texto.
O CHAPÉU DE DUAS CORES
Contavam os mais-velhos
que, na Aldeia de Ajalá, havia dois irmãos muito unidos. Eles jamais tinham
brigado entre si. Nunca tinham se aborrecido um com o outro. A fama daquela
amizade corria as aldeias e todo mundo comentava, fazendo disso admiração
geral.
Um dia, Exu andava por
aquele lugar e ouviu comentários sobre o fato. Então, ele resolveu fazer um
teste sobre a fortaleza daquela amizade. Descobriu os dois irmãos trabalhando
num campo, que era dividido ao meio por uma estrada estreita. E eles
trabalhavam cantando, cortando o mato com facões bem amolados, conversando
sobre diversos assuntos. Aí, Exu pôs na cabeça um chapéu pintado de vermelho e
preto, sendo que de cada lado só se via uma única cor.
Então Exu passou pela
estrada, entre os dois irmãos e os saudou, dizendo:
— Bom dia, irmãos
unidos!
E os irmãos responderam
a Exu em uma só voz. Mas Exu passou por entre eles, sempre olhando para frente
e seguiu adiante, até desaparecer na curva da estrada. Aí, um dos irmãos
perguntou ao outro:
— Quem era aquele homem
de chapéu vermelho?
Ao que o outro
respondeu:
— Mentira sua! O homem
usava um chapéu preto...
O irmão que viu o homem
de chapéu vermelho se sentiu ofendido e, pela primeira vez, mostrando-se
aborrecido, devolveu a ofensa. E o que tinha visto o homem de chapéu preto
ficou aborrecido também. Daí, eles começaram a discutir, num desentendimento
sem igual. A raiva cresceu tanto, que eles terminaram se agredindo com
palavras. As ofensas trocadas se agravaram e eles terminaram avançando um sobre
o outro, armados de facão. Brigaram tanto que se mataram. E porque eles não
tinham herdeiros, o campo ficou entregue às feras e às ervas daninhas.
É por isso que, até
hoje, nas aldeias, os mais-velhos ainda avisam:
— Se lembre do chapéu
de duas cores: Nem tudo é aquilo que parece ser...
Nenhum comentário:
Postar um comentário