
Achei este texto antigo entre meus rascunhos. Foi escrito em teclado espanhol durante minhas viagens ao Peru e por isso não o publiquei antes de poder corrigí-lo.
Leandro Altheman
Por que a ayahuasca toma caminhos tao diferentes nos dois lados da fronteira?
Sempre me surpreendeu o fato de que no Brasil, consolidaram-se pelo menos duas grandes religioes ayahuasqueiras: O Santo Daime e a UDV, afora a Barquinha e outros tantos grupos menores. Enquanto isso, no Peru, onde está a sua origem, não há nenhuma grande religião ayahuasqueira. Por que?
Comecei a entender esta resposta depois que percebi, que no Peru a ayahuasca não é tratada como religião, e sim, como medicina. Este foi o caminho que os sábios da floresta encontraram para perservar o seu uso sem atrair para si, a sana insandecida da intolerância religiosa cristã. Por esta razão, as dezenas de igrejas de diferentes denominações não lhe condenam o uso. Trata-se de medicina. Atravez deste expediente, por exemplo, nao há nada de errado de um adventista, por exemplo, procure com maestro da selva para curar-lhe algum mal, mesmo que seja através da ayahuasca.Como tudo, há vantagens e desvantagens nestes dois pontos de vista. E nenhum é completo. É bom que saibam as autoridades de nosso país, que a cristalizacao do uso da bebida em uma instituição religiosa, nao está de acordo com o seu uso original. O proprio conceito de religiao é estranho à cultura indígena. Conceber seu uso como religiao tem os seus poréns. A assimiliacão de novos dogmas e conceitos pode retardar ainda mais o tão esperado "encontro consigo mesmo", que dentro de uma visão integral é a saúde plena. É certo que para atravessar os dolorosos portais do medo, da culpa, da doenca, do ódio e da morte é necessario ter fé. Fé, o que é diferente de crencas. Assim sendo, se não há obstáculo criado por diferentes conceitos e dogmas, segue-se uma linha continua até a libertacão, sem serem necessárias novas elaborações conceituais.
Ainda assim, é surpreendente o fenômeno da cristalizacao de duas, ou três grandes religioes em torno da ayahuasca no Brasil. Até onde possa detectar a bebida chegou até seus fundadores seguindo camiunhos tortuosos, trazidos por elementos marginais dentro da cultura nativa da amazonia pré-andina. Nao foi nenhum pajé, xama, ou maestro que deram a bebida ao Mestre Gabriel. Já Mestre Irineu teria recebido a ayahuasca de um xamã peruano Dom Crescencio Pizango. No caso do mestyre Gabriel "elementos marginais" que faziam uso da bebida sem pretencer a uma tradição indígena, são descritos como "mestres da curiosidade", por fazerem o uso da bebida para alcançar riquezas materias, mulheres ou pura feiticaria. Ao chegar em mãos de pessoas com principios morais elevados, é certo que a propria ayahuasca abriu-lhes diferentes caminhos e por serem marginais os elementos que a trouxeream, a partir dalí já nao havia mais nenhum compromisso com a sua origem, sua raíz cultural.
Outro fator é que a difusao da doutrina espírita no meio cultural urbano brasileiro, incluindo o meio militar, lhe abriu as portas para esta abordagem. De modo semelhante, a assimilacao dos principios salomônicos da maçonaria pelas duas religioes ayahuasqueiras, abriu-les as portas para alcancar uma elite pensante brasileira ativa desde a independencia.
Por último há a reinterpretação do universo e mitologia da ayahuasca a partir do contexto cultural afro-indígena brasileiro. Presente nas três religioes, mas de modo mais incisivo na barquinha é realmente espantoso ver a maneira original como os brasileiros reinterpretam o efeito da bebida, como sendo "mar de Iemanjá". Um oceano cósmico-psiquico aonde é necessario aprender a "navegar". Tema recorrente em todas as religioes ayahuasqueiras.
A exclusão do contexto de uso medicinal da bebida, de modo inteligente, a preservou de ataques desnecessarios da medicina formal. Resta saber se tal cristalziacao ainda corresponde aos dias atuais, uma vez que cada vez mais se estabelecem os paralelos entre a saúde psíquica e física.
Espremidos entre estas duas idéias: a de religiao e de medicina, a comunidade ayahuasqueira indígena brasileira se sai como pode reiventando o uso da bebida em contexto cultural. Assim, ela ganha contornos de uma resistencia ao assédio da cultura e religiao branca, européia, colonizadora.
Conclusao
A necessidade de se criar categorias, por vezes mais atrapalha do que auxilia o entendimento de um fenomeno tao amplo, tao complexo como o uso da ayahuasca. O fato é que ela é a um só tempo: medicina, religiao e cultura. Mas para que possamos aprender-lhe o significado precisamos ampliar nossas proprias idéias do que sejam as três coisas. A medicina compreendida como o perfeito funcionamento e equilibrio de nossas plenas funcoes físicas e psiquicas. A religião como a ligacão com um principio universal absoluto, ulterior as conceitualizações. E a cultura como uma forma particular de visão e ação no universo que nos cerca. Com o tempo, percebe-se que tais categorias estao unificadas: a saúde integral nos permite uma nova visao de mundo que por sua vez implica em uma relação diferenciada com o sagrado enquanto ma cultura ayahuasqueira, nos possibilita uma visão de mundo em que plantas, animais e elementos da natureza compartilham conosco o seu existir, ampliando o próprio conceito de "humanidade".




, atual Parque del Manu, em um local denominado Chipenáguas. Com meus parcos conhecimentos de Pano, arrisco deduzir que Chipenaguas é uma acastelhanamento de Shipi Náuas (povo do sauim), ou seja, Shipibo. Parece casualidade demais que entre os Shipibo vivam hoje alguns dos maiores maestros ayuahuasqueiros. Eles próprios detentores de uma extensa tradiçao ayahuasqueira e o conhecimento profundo de outra dezena de plantas mestras. 













