terça-feira, 31 de agosto de 2010

Arqueologia da Ayahuasca 3: Religiao ou Medicina?



Achei este texto antigo entre meus rascunhos. Foi escrito em teclado espanhol durante minhas viagens ao Peru e por isso não o publiquei antes de poder corrigí-lo.

Leandro Altheman

Por que a ayahuasca toma caminhos tao diferentes nos dois lados da fronteira?

Sempre me surpreendeu o fato de que no Brasil, consolidaram-se pelo menos duas grandes religioes ayahuasqueiras: O Santo Daime e a UDV, afora a Barquinha e outros tantos grupos menores. Enquanto isso, no Peru, onde está a sua origem, não há nenhuma grande religião ayahuasqueira. Por que?

Comecei a entender esta resposta depois que percebi, que no Peru a ayahuasca não é tratada como religião, e sim, como medicina. Este foi o caminho que os sábios da floresta encontraram para perservar o seu uso sem atrair para si, a sana insandecida da intolerância religiosa cristã. Por esta razão, as dezenas de igrejas de diferentes denominações não lhe condenam o uso. Trata-se de medicina. Atravez deste expediente, por exemplo, nao há nada de errado de um adventista, por exemplo, procure com maestro da selva para curar-lhe algum mal, mesmo que seja através da ayahuasca.



Como tudo, há vantagens e desvantagens nestes dois pontos de vista. E nenhum é completo. É bom que saibam as autoridades de nosso país, que a cristalizacao do uso da bebida em uma instituição religiosa, nao está de acordo com o seu uso original. O proprio conceito de religiao é estranho à cultura indígena. Conceber seu uso como religiao tem os seus poréns. A assimiliacão de novos dogmas e conceitos pode retardar ainda mais o tão esperado "encontro consigo mesmo", que dentro de uma visão integral é a saúde plena. É certo que para atravessar os dolorosos portais do medo, da culpa, da doenca, do ódio e da morte é necessario ter fé. Fé, o que é diferente de crencas. Assim sendo, se não há obstáculo criado por diferentes conceitos e dogmas, segue-se uma linha continua até a libertacão, sem serem necessárias novas elaborações conceituais.



Ainda assim, é surpreendente o fenômeno da cristalizacao de duas, ou três grandes religioes em torno da ayahuasca no Brasil. Até onde possa detectar a bebida chegou até seus fundadores seguindo camiunhos tortuosos, trazidos por elementos marginais dentro da cultura nativa da amazonia pré-andina. Nao foi nenhum pajé, xama, ou maestro que deram a bebida ao Mestre Gabriel. Já Mestre Irineu teria recebido a ayahuasca de um xamã peruano Dom Crescencio Pizango. No caso do mestyre Gabriel "elementos marginais" que faziam uso da bebida sem pretencer a uma tradição indígena, são descritos como "mestres da curiosidade", por fazerem o uso da bebida para alcançar riquezas materias, mulheres ou pura feiticaria. Ao chegar em mãos de pessoas com principios morais elevados, é certo que a propria ayahuasca abriu-lhes diferentes caminhos e por serem marginais os elementos que a trouxeream, a partir dalí já nao havia mais nenhum compromisso com a sua origem, sua raíz cultural.



Outro fator é que a difusao da doutrina espírita no meio cultural urbano brasileiro, incluindo o meio militar, lhe abriu as portas para esta abordagem. De modo semelhante, a assimilacao dos principios salomônicos da maçonaria pelas duas religioes ayahuasqueiras, abriu-les as portas para alcancar uma elite pensante brasileira ativa desde a independencia.


Por último há a reinterpretação do universo e mitologia da ayahuasca a partir do contexto cultural afro-indígena brasileiro. Presente nas três religioes, mas de modo mais incisivo na barquinha é realmente espantoso ver a maneira original como os brasileiros reinterpretam o efeito da bebida, como sendo "mar de Iemanjá". Um oceano cósmico-psiquico aonde é necessario aprender a "navegar". Tema recorrente em todas as religioes ayahuasqueiras.



A exclusão do contexto de uso medicinal da bebida, de modo inteligente, a preservou de ataques desnecessarios da medicina formal. Resta saber se tal cristalziacao ainda corresponde aos dias atuais, uma vez que cada vez mais se estabelecem os paralelos entre a saúde psíquica e física.



Espremidos entre estas duas idéias: a de religiao e de medicina, a comunidade ayahuasqueira indígena brasileira se sai como pode reiventando o uso da bebida em contexto cultural. Assim, ela ganha contornos de uma resistencia ao assédio da cultura e religiao branca, européia, colonizadora.





Conclusao





A necessidade de se criar categorias, por vezes mais atrapalha do que auxilia o entendimento de um fenomeno tao amplo, tao complexo como o uso da ayahuasca. O fato é que ela é a um só tempo: medicina, religiao e cultura. Mas para que possamos aprender-lhe o significado precisamos ampliar nossas proprias idéias do que sejam as três coisas. A medicina compreendida como o perfeito funcionamento e equilibrio de nossas plenas funcoes físicas e psiquicas. A religião como a ligacão com um principio universal absoluto, ulterior as conceitualizações. E a cultura como uma forma particular de visão e ação no universo que nos cerca. Com o tempo, percebe-se que tais categorias estao unificadas: a saúde integral nos permite uma nova visao de mundo que por sua vez implica em uma relação diferenciada com o sagrado enquanto ma cultura ayahuasqueira, nos possibilita uma visão de mundo em que plantas, animais e elementos da natureza compartilham conosco o seu existir, ampliando o próprio conceito de "humanidade".

8 comentários:

  1. Estou feliz que "Arqueologia da Ayahuasca" acaba por ser uma série de artigos ao invés de apenas um isolado post: espero que você têm para escrever mais sobre esse assunto.

    Não quero antecipar o que você pode escrever os capítulos finais, mas eu já estou dizendo que a ayahuasca, assim como a cannabis, representa um desafio cultural decisivo para todos os povos da terra, e especialmente aqueles atingidos por paradigma ideológico do capitalismo, do positivismo e do racionalismo científico. Na verdade, os próprios instrumentos de análise deste paradigma, quando aplicada a estas plantas, mostra todas as contradições insanáveis do sistema moderno e sua incapacidade de legitimidade como um modelo universal para a humanidade.

    ciao
    mau

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  2. Excelente! devemos evoluir cada vez mais nosso espírito e ter entendimento sobre as religiões para o aprendizado e respeito aos povos.
    A Ordem Universal, a qual, tenho grande orgulho de pertencer, a Maçonaria, vem ensinando isso à séculos, derrubando reis tirânicos, governos despóticos e lutando galhardamente pelo direito e liberdade de todos! parabéns Leandro!

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  3. Primeiramente, mais uma vez evidencia seu preconceito quanto aos cristãos ao mencionar o que você chama de "intolerancia religiosa crista".

    Novamente insisto, você está sendo injusto, incoerente, insensato.

    O Cristo jamais pregou ou praticou nenhum tipo de intolerância religiosa. Assim, sendo o cristianismo a prática de seguir os ensinamentos do Cristo, ninguém que pratique esse tipo de agressão pode ser chamado de cristão, mesmo que assim se intitule. Esses nada mais são do que hipócritas.

    Por exemplo, se um indivíduo comete um crime se fazendo passar por outro, não é justo, ou mesmo inteligente, condenar o inocente pelo culpado.

    Para se corrigir um problema, é necessário diagnosticá-lo corretamente.

    Não seria, afinal, esse seu preconceito contra a cristandade uma autêntica "intolerância religiosa"?

    Todos sabemos dos atos ediondos cometidos pela igreja Católica, mas eles é que não são verdadeiros cristãos.

    Que tem a ver com isso os kardecistas, umbandistas, evangélicos, gnósticos e tantos e tantos outros?

    É como se você tivesse dez filhos e um deles cometesse um crime e por causa desse você mesmo e todos os seus outros filhos fossem acusados. Seria justo? Seria inteligente?

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  4. Secundariamente, gostaria de colocar em pauta justamente o termo religião usado no seu texto.

    Existem diversas definições para esse termo. A mais usual, seria, simploriamente falando, um conjunto de proposições e ritos para propósitos bem definidos nos quais não cabe entrar agora.

    Esta definição não abrangeria o Santo Daime, a UDV e a Barquinha. Faltariam, por exemplo, os ritos funerários, além de muitas outras coisas.

    Considero, também, essa definição bastante tosca. Gosto bem mais de uma abordagem mais etmológica.

    Etmológicamente, religião vem do lati, religare, que significa religar.

    A título de curiosidade, a palavra yoga, do sânscrito significa união. Duas iniciativas distintas histórica, geografica e linguisticamente, no entando termos semanticamente semelhantes designando práticas semelhantes de objetivos idênticos. Uma curiosa "coincidência".

    Mas voltando à religião, esse outro prisma de entendimento é bem mais profundo e abrangente, além de ser, provavelmente, o original, livre das masturbações mentais de pseudo-estudiosos que ao invés de estudar, desvirtuam a essência das coisas.

    Nesse sentido, religião seria, simplesmente a prática de se reconectar (deixo aberto possíveis entendimentos). Perceba que apenas essa definição pode abranger, de fato, todas as linhagens ditas religiosas.

    Afinal, sincerametne, uma religião não precisa definir se pra ir para quem é cremado vai pro inferno e quem é mumificado vai pro céu!

    Essa definição adveio de um estudo quase estatístico, onde o teólogo (não me lembro o nome) estudou o que a maioria das religiões têm em comum e definiu como religião o conjunto dessas coisas. Mas isso é um estudo da forma, e não da essência. Péssimo! Religião é essência!

    Mas o motivo de eu estar levantando essa discussão é: Nesse sentido de religião, que abrmageria as "religiões ayahuasqueiras brasileiras" os ritos xamânicos, indígenas, estariam inclusos. Inclusive os peruanos, incas, etc.

    Ayahuasca é experiência religiosa sim.

    Um sistema de práticas e proposições para se alcançar a religião não é a religião em si. Você pode chamar isso de linhagem, corrente, sistema, ou como preferir. Mas isso tudo são apenas diferentes formas de se atingir a religião.

    Cabe ainda acrescentar aqui, que a maior Religião ayahuasqueira brasileira não foi sequer mensionada no seu texto. A saber: http://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br

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  5. Ayahuasca não é droga. Maconha sim. Seguem estudos da ciÊncia à respeito:

    http://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br/ayahuasca/artigos-cientificos.html

    http://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br/falso-santo-daime/maconha-pesquisas-recentes.html

    http://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br/falso-santo-daime/daimista-ou-falso-daimista.html

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  6. Por favor Leandro, nao deixa estes doidos, sempre polêmico e ipocritas de CNSDC poluir seu blog !
    Todos os fanaticos de Gedeon falso Lakota são apenas capazes de repetir a merda que inculca seu mestre autodenominado

    Medicamentos e droga são palavra equivalentes. A única distinção entre drogas é diversificar os viciante e os toxicos ;
    sobre as propriedades terapêuticas, Caapi, Cannabis, Hikuri, Iboga, MamaCoca ( nao cocaina !) são drogas excelente e sagrado.

    Ciao
    mau

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  7. How old is the use of Aya'?
    http://forums.ayahuasca.com/phpbb/viewtopic.php?f=12&t=23333&sid=0fb4f5a444747bd1928a2e5062aa69b2

    tchau
    mau

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  8. Cara que matéria legal fizeste com esta comparação religião x medicina, que bom que alguns ayahuasqueiros fazem isso, apesar destes comentários infelizes. Reparaste como o ódio é manifesto como um fogo em algo inflamável, e dessa energia se escreve até livros com nomes de entidades do mau, maculando tudo e todos por onde passa, desde os irmãos que estão escravisados por drogas até Nossa Senhora. Como sempre digo: ayahuasca alucina sim, e usada religiosamente pode dificultar o caminho para iluminação, ou não.

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