sábado, 1 de setembro de 2012

Diante de um herói: O Soldado da Borracha

Era só mais uma manhã comum e já me aguardavam três possíveis entrevistados. Entre eles, dois idosos. Em rápida conversa preliminar descubro que um deles trata-se de um verdadeiro soldado da borracha.

Desde que cheguei ao Acre escuto histórias sobre os lendários "Soldados da Borracha". Tive que me inteirar sobre eles nos livros de Leandro Tocantins para minha monografia. A História é no mínimo, fascinante.

Houve um Primeiro Ciclo da Borracha que se inicia com o processo de vulcanização, em meados do século XIX quando a borracha passa a ter uso industrial, e que finaliza com o início da produção dos seringais de cultivo da malásia, por volta do ano de 1912.

Neste ínterim, ocorre a revolução acreana e a ocupação do noroeste amazônico, contexto em que se insere a fundação da cidade de Cruzeiro do Sul. Neste período, juntamente com café, era a borracha que mantinha os cofres cheios da administração imperial e posteirormente, republicana. Equivale a dizer que se os negros, e depois imigrantes, carregaram nas costas a geração de riqueza do país, os seringueiros nordestinos também o fizeram. Foi a riqueza gerada neste período que permitiu uma incipiente industrialização do agrário  Brasil, protagonizada por Visconde de Mauá.

É no Segundo Ciclo da Borracha que surge a lendária figura do soldado da borracha. Uma improvável história envolvendo submarinos alemães e navios ingleses transformou o jovem Lauro Almeida, de 24 anos em um herói nacional. Cortando seringa desde os doze, lauro se acostumara à rotina de acordar de madrugada e ir para a estrada, enfrentando o "sesão" (malária), onças, cobras peçonhentas e um possível "lundu" do patrão na hora de receber o saldo.

Na radiola. Getúlio Vargas, o "pai dos pobres" conclama à população a aderir ao esforço de guerra brasileiro, que apesar da simpatia com o ideário e métodos do nazi-fascismo, acabou por aderir aos EUA na segunda guerra mundial. Ao jovem Lauro, restam duas alternativas, ou se prepara para a guerra na Itália, ou contribui como soldado da borracha.

A memória do velho Lauro não falha e lembra de quando o jovem Lauro ouviu na "radiola" as palavras do presidente "ele disse que quem fosse cortar seringa ia receber o mesmo ordenado de um solado na guerra".

Lauro decide lutar a guerra que já conhece, nas estradas de seringa. Escolha diferente de seu irmão Cláudio (nome fictício), que decide ir à Itália. "Sempre teve vontade de conhecer o outro lado do mundo".

A "Cobra vai Fumar", aprendeu depressa o pracinha enquanto embarcava para a Itália. Dos 27 mil enviados para a batalha, cerca de 460 homens perderam suas vidas para que o Brasil assegurasse seu lugar ao lado dos EUA como uma aliado. Outros dois mil vieram a morrer posteriormente em decorrência de ferimentos de campanha.

Enquanto isso, na floresta, Lauro juntamente com outros 60 mil soldados, trava sua batalha diária contra pragas e peçonhas, se esquivando dos problemas que vieram a vitimar metade deste contingente.





Vejo diante de mim aquele herói. Não usa capa colorida, não tem o peito estufado e nele não há medalhas. Apenas o rosto cansado e sofrido de quem viveu, sofreu e não teve seu esforço reconhecido pela pátria.

Olho para mim mesmo, bem-nascido e bem alimentado, letrado. Um filho da civilização industrial brasileira, me sinto honrado de estar diante de um herói, cujas mãos calejadas estão na verdade por trás das roupas que visto, dos calçados em meus pés, da motocicleta que me traz todos os dias para o trabalho, ao ar condicionado que arrefece o calor amazônico. A ele agradeço silenciosamente à boa educação que tive, cuja falta a ele se revelou fatal: depois de sobreviver à malária, às onças, cobras e jagunços, o sr. Lauro agora se vê "aperreado" com dezenas de sanguessugas que lhe levam o pouco de seu salário de "soldado da borracha", conseguido a muito custo.

Diante desta verdade, só me resta honrar as calças que visto, honrando o homem por trás da máquina, o nome por trás do número, a identidade por trás do anônimo. Só me resta pôr-lhe à disposição todos os instrumentos à minha mão, emprestando-lhe a minha voz para que se cale o silêncio ignomioso de uma pátria que de mãe gentil tem tão pouco para com seus verdadeiros heróis.

E na esteira de sua soberba, sob o manto do progresso, novos heróis vão surgindo e morrendo como estrelas, tingindo de vermelho, tombando com as árvores que enfeitam este chão. Mas essa é uma outra história.

    
* Leia mais em "A heróica e desprezada batalha da borracha" de Marcus Vinicius Neces

2 comentários:

  1. Parabéns por mais essa bela postagem. Vou compartilhar no minhascolinas. Também assisti na tv. Deus te abençoe meu amigo.
    Franciney

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  2. É que as medalhas, meu caro Leandro, estão na alma deste homem, e os 'donos da história' jamais a usurparão, pois somente pessoas com a sua sensibilidade conseguem enxergar-las.

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