terça-feira, 16 de junho de 2009

A Linguagem das Pedras


Por Moisés Diniz *

Subir os degraus seculares da cidade inca de Ollantaytambo foi uma experiência inominável. Acho que, sem querer, eu marquei uma audiência espiritual com os meus antepassados e sua longíngua caminhada entre as altas montanhas de Cusco, o umbigo do mundo, naqueles instantes de aproximação com o infinito.

O vento que atinge a pele da gente é como uma lâmina de sal e, ao mesmo tempo, um abraço de mãe, como se um espírito do bem acalentasse todas as nossas agonias, enquanto contemplamos as pedras e a sua inexplicável ausência de alma. Acho que as pedras de Ollantaytambo têm alma e o murmúrio do vento é bem mais que fenômeno físico, são os gemidos dos guerreiros incas e de suas mulheres amadas.

Eu conhecia as cabeceiras dos rios e a sua magia, mas, agora, eu conheço as pedras encantadas que guardam as minhas origens. Caminhar sobre as pedras milenares de uma cidade inca foi como ajoelhar-me sobre os túmulos de meus antigos avós, ouvir seus conselhos grafados no mármore que ergueu os templos para abençoar suas inteligentes plantações. Ao redor, como vizinhos de quarto, as imponentes montanhas.

Nos seus cumes frios e enluarados os amantes incas faziam as suas confissões e, quem sabe, num daqueles encontros a minha linhagem nasceu, como cordão umbilical de um povo que não se vergou aos espanhóis, sua fé bastarda e sua tirania.

Bastarda porque aquilo não foi coisa de Deus, foi uma monstruosidade contra povos que se erguiam contra a barbárie e se inclinavam para a civilização. Aquilo foi obra perdida do demônio do capital mercantilista e botaram a culpa em Deus.

Meus antepassados, os incas da mata bruta, os ashaninkas, encontraram na floresta a sua proteção. Não foram alcançados pela fé dos espanhóis, suas balas e sua vilania.

*Texto publicado originalmente no blog do deputado Moisés Diniz
** Moisés Diniz é Deputado Estadual do Acre pelo PCdoB. Natural do municipio de Tarauacá e ex-seminarista, tem se destacado como escritor das questões religiosas e faz uma defesa brilhante do direito ao uso ancestral da bebida ayahuasca.

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