Não pretendo aqui me ater aos detalhes dos aspectos desta
religião, até porque os sites especializados já fazem isso muito melhor do que
eu. Para quem tem interesse, sugiro a leitura do excelente blog Drumwookie que abordou
detalhadamente o culto ao “Deus vermelho”. O que me interessa mais aqui, é
buscar compreender, a partir da obra de George R.R. Martim, aspectos das religiões
de nosso próprio mundo, e quem sabe, ter um vislumbre de para onde ele esteja
querendo conduzir os seus leitores.
Para mim, está mais do que óbvio que a fé no “Senhor da Luz”
é um típico monoteísmo dualista. Mas, peraí... Se é monoteísmo, como pode ser
dualista?
Para entender isso teremos que ir na origem do maniqueísmo,
ou seja a doutrina de que Bem e Mal travam uma batalha neste mundo. Para alguns,
os choques de espadas na disputa por terras, povos e nações nada mais é do que
uma encenação desta batalha épica entre o Bem e o Mal (dualismo cosmológico). Para
outros, esta batalha que se desenvolve dentro do coração da cada um a partir de
suas escolhas (dualismo ético).
Ao contrário do que muitos possam pensar esta crença não
surgiu com os hebreus do deserto, ainda que posteriormente esta visão tenha
sido agregada ao monoteísmo javeísta dos judeus.
O primeiro registro que se tem deste dualismo é justamente
em Zoroastro ou Zaratustra, primeiro sacerdote da religião conhecida como
Mazdaísmo. O Mazdaísmo proliferou como religião e filosofia de vida na antiga
Pérsia, em uma época em que povos disputavam o poder com base em suas crenças
animistas e totêmicas, ou seja, cada povo tinha o seu deus próprio ou espírito tutelar,
assim como os antigos egípcios e mesopotâmicos. Na postagem anterior em que
falei dos “sete” vimos que na formação do império egípcio e babilônico, agregar
diferentes deuses totêmicos em um único panteão foi parte
importante de um processo de pacificação e unificação.
A Pérsia seguiu um caminho diferente e engendrou a primeira
religião dualista. De um lado, Ahura Mazda (O Bem) e do outro Angra Mainyu (o Mal). Contudo,
apenas Ahura Mazda é Deus (trata-se de uma fé monoteísta), Angra Mainyu não é
propriamente um deus, mas sim, um anti-deus comandante das trevas, doenças, etc.
Ou seja, muito semelhante entre o R’hllor e o Outro (cujo nome não pode ser
pronunciado).
É praticamente consensual entre pesquisadores que o Mazdaísmo
influenciou o monoteísmo hebraico, provavelmente após a libertação do cativeiro
da babilônia sob o imperador Ciro. Os orgulhosos israelitas jamais admitirão que
tenham sido influenciados por religiões estrangeiras, mas tudo leva a crer que
o mazdaísmo tenha legado a judeus, cristãos e islâmicos algumas idéias caras às
três religiões: a imortalidade da alma, a vinda de um messias, a ressurreição dos
mortos e o juízo final, aspectos que também se encontram no culto a R’hllor.
Fogo
Outro aspecto em que o culto a R`hllor se assemelha muito ao
Mazdaísmo, é a importância dada ao fogo. Inicialmente pensei que isto pudesse
ser algum tipo de referência às religiões pentecostais, mas desisti da idéia assim
que lembrei que o pentecostalismo não é tão difundido da Europa e nos EUA,
quanto o é no Brasil. Bem, sorte deles.
Mas o fogo está presente de modo muito mais evidente no
Mazdaísmo. Seus sacerdotes acendiam fogos (e acendem até hoje, uma vez que o
zoroastrismo mazdaísta é a religião de mais de 200 mil pessoas, principalmente
na Índia e no Irã). A ideia do fogo sagrado que purifica que eleva pensamentos
e orações até Ahura Mazda é o pilar central do ritualismo mazdaísta.
Seus sacerdotes, ainda hoje são chamados de “adoradores do
fogo”.
O problema do
dualismo
É fato que o cristianismo na qual o ocidente está inserido é
uma religião monoteísta dualista.
O monoteísmo dualista admite abertamente que a negação de
Deus: o“ Outro”, “Anti-Deus”, “Inimigo” possa intervir diretamente no destino
dos homens. Uma ideia que contraria frontalmente a concepção de um Deus
onipotente. Sobre este problema, durante eras os teólogos tem debatido, cada
qual encontrando uma saída própria para o dilema.
No meu entendimento, o espiritismo de Kardeck, foi o que
encontrou a melhor solução para o dilema, ao simplesmente negar a existência de
uma supra-consciência do mal, influindo no destino da humanidade. O mal é explicado
como resultado da ignorância ou desconhecimento pleno da Luz. Neste sentido, o
dualismo encontra-se somente no plano ético e não cosmológico e se aproxima
mais de um monismo como o hinduísmo e o budismo.
O dualismo na obra de
George R.R. Martin
Acredito que George R.R. Martin esteja nos conduzindo para
um final de proporções épicas onde estará presente o derradeiro confronto entre
o Bem e o Mal. Contudo, a maneira com que vem retratando o dualismo interno de cada
um dos seus personagens me leva a crer que este confronto ultrapassará as
fronteiras do lugar-comum das obras do gênero, e por que não dizer, de nossa própria
concepção de dualismo tão arraigado em nossa cultura ocidental.
Outro ponto me leva a pensar desta maneira: a idéia de
complementares opostos presente desde o título da obra. Gelo e Fogo.
Neste sentido, a religião dos antigos deuses, na qual Bran
vem sendo instruído, representa a polaridade oposta em relação ao culto ao “Senhor
da Luz”.
Na terceira e última parte deste ensaio tratarei justamente
da religião dos Antigos Deuses e como esta ideia de complementaridade dos opostos
poderá ser retratada na parte final da obra.
Parabéns! Gostei muito da sua análise sobre a religião nas Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, e a forma como você engendrou o comparativismo com as tradições religiosas historicamente situadas.
ResponderExcluirAdoro o cuidado e importância que as religiões têm nessa história.. É incrível!
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