quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ambientalismo: Esquerda ou Direita?


O debate acerca da construção da Usina de Belo Monte expôs a nu, contradições politicas e ideológicas que estavam somente aguardando uma oportunidade como esta para virem à tona. As contradições são tamanhas que mesmo os setores mais reacionários da imprensa brasileira, acabaram tomando posições diametralmente opostas sobre a usina.

De uma lado a Rede Globo, ainda que não abertamente, faz a defesa “ecológica” através do programa Globo Repórter, mostrando ao país as belezas e riquezas que serão destruídas com a construção da usina. Nos blogs e sites de repercussão “à esquerda” prontamente foi feita a crítica ao posicionamento da Globo e de seus atores´.

Do outro, a Revista Veja, opositora ferrenha do governo do PT, desta vez assume uma posição favorável à usina, e deixa perplexos os mesmos setores que antes acusaram o “PIG” de ser contra a usina simplesmente por ser contra o governo da presidenta Dilma.

Muita gente de pensamento crítico, ainda não tomou partido por que a guerra de informação e contra-informação é tão grande, que talvez o mais sensato seja mesmo, ficar na posição de observador.

Em primeiro lugar, é preciso deixar a leviandade de qualquer um dos lados. A usina significa energia e nossa sociedade depende disso. Na região norte, a geração de energia ainda é quase totalmente dependente da queima de óleo diesel, caro e poluente.

Por outro, tomar uma posição de defesa da natureza e dos indígenas, não significa ser “eco-chato”. Estamos falando de uma biodiversidade ainda pouco conhecida. Estamos correndo o risco de submergir uma riqueza ainda mais preciosa do que a energia que será gerada a partir dela. Estamos falando também de povo indígenas e ribeirinhos que serão afetados direta ou indiretamente pela usina. Ainda que existam políticas de compensação, mormente tais políticas acabam por transformar a dignidade destes povos em miséria. Basta conhecer a situação dos katukinas às margens da BR, hoje quase que totalmente dependentes de programas federais para sua sobrevivência.

É preciso fôlego para atravessar a rebentação das ondas das informações mais superficiais e carregadas de contextos emocionais que circulam na internet.

Para ir ao âmago do problema é preciso reconhecer que a obra da usina de Belo Monte, faz parte na verdade de um projeto maior, que inclui a instalação de 10 novas usinas em toda região norte, e que tal projeto está ligado ao IIRSA (Integração Regional da Infra-Estrutura Sul-Americana), projeto pensando nos idos de 1992 dentro do contexto do surgimento do neo-liberalismo. A energia gerada a partir de Belo Monte é pensada não tanto para iluminar as cidades amazônicas, mas para a produção de alumínio, facilitando a instalação de empresas transnacionais na região.

Dá até vontade de cantar uma versão daquela música de Belchior “apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e continuamos sendo exportadores de matéria-prima e comodities”.

A partir daí entramos em um labirinto onde nada mais é o que parece ser.

1º As empresas que poderão se instalar a partir de Belo Monte, estarão minimizando seus custos a partir da redução de emissão de carbono.

Peraí, quer dizer então que vão destruir parte da floresta amazônica para atender ao Protocolo de Quioto?

É quase isso. A questão ambiental não está em pauta aqui. É somente uma questão capitalista: minimizar prejuízos e otimizar os lucros. "Eco-capitalismo" em ação

2º Boa parte das ONGs que hoje se posicionam contra a usina, apenas o fazem para tencionar governo e empresas e conseguirem mais recurso para suas atividades. Ou seja, também é uma questão mercantilista. Mais uma vez o “eco-capitalismo” em ação.

E aí, como é que a gente fica?

Bem, vocês, eu não sei, mas eu vou marchar junto com os índios. Eles não estão poluídos e sabem sonhar. Eu sonho com eles.

***

Vamos mais em frente?

Sim, por que não

A questão que não está sendo discutida mas que deveria, não é a “preservação” dos recursos naturais. “Preservar” é um absurdo lógico. Não é possível “preservar” em uma sociedade em que a demanda por recursos naturais é cada vez maior para atender o consumo. Em uma sociedade como a nossa só é possível, mudar a destruição de lugar, e exportar os seus efeitos e é justamente isto que está em curso e os povos da Amazônia estão pagando o preço desta política. Seja perdendo o direito à terra (como no caso dos povos que serão expulsos pela usina), ou seja pela impossibilidade de pequenos agricultores realizarem a queima anual para o plantio.

O Fórum Social Mundial esclareceu alguns pontos importantes sobre esta questão.

“Entendemos que a construção de uma cultura da sustentabilidade é imperiosa para a promoção deste conceito: é preciso aceitar a alteridade, inverter valores, mudar hábitos, transformar padrões, quebrar tabus e derrubar preconceitos para propor novos paradigmas, fundados em outra percepção de desenvolvimento e de sucesso, de necessidade e de felicidade. Outro mundo é possível se outros modos de ver, crer, pensar, sentir e fazer se tornarem utopia, desejo e realidade.”

Ou seja, não se trata de desacelerar a destruição, ou muda-la de lugar, e sim de alterar o foco e a direção do desenvolvimento, para um desenvolvimento mais humano, integral.

O que deveria estar sendo discutido, mas não o é, pela espessa cortina de fumaça é:

1º O real significado da terra e dos recursos naturais

2º A mudança da base energética

3º A impossibilidade do capitalismo seguir adiante, dado a finitude dos recursos naturais

Costumo dizer que o capitalismo é um filho da sociedade ocidental que tem pai, mas não tem mãe. Seu pai é o protestantismo calvinista que viu na riqueza, sinônimo de predestinação e salvação. Só esqueceram de lembrar que esta riqueza, ainda que fruto do trabalho, depende de recursos naturais para ser produzida.

É aonde se encontra o atual dilema que tenho chamado de “chauvinismo” da sociedade ocidental. Não deixa de ser uma forma de violência contra o feminino, a exploração que se faz do planeta e seus recursos, sem nada lhe dar em troca a não ser lixo, esgoto e toxinas.

Para não me estender de mais, deixo aqui a recomendação do “Amauta” José Carlos Mariátegui, fundador do Partido Socialista Peruano de que a América deveria ser “reinventada” levando-se em conta a relação de solidariedade intrínseca entre os povos originários e destes com a terra e os recursos naturais. Algo que absolutamente, o capitalismo desconhece.

O pensador peruano considerava que a tradição coletivista andina se apresentava como um exemplo. A questão do mito favoreceria o desenvolvimento comunista entre as massas camponesas. Para Mariátegui, a alma do índio é o mito, o seu princípio coletivista é a revolução socialista. Portanto, pare ele é a justa análise sobre o índio que levará ao caminho do socialismo.

Fazer política é passar do sonhos às coisas, do abstrato ao concreto. A política é o trabalho efetivo do pensamento social: a política é a vida. Admitir uma quebra de continuidade entre a teoria e a prática, abandonar os realizadores a seus próprios esforços, ainda que concedendo-lhes uma cordial neutralidade, é renunciar à causa humana. A política é a própria trama da história. A história, fazem-na os homens possuídos e iluminados por uma crença superior, por uma esperança sobre-humana; os demais constituem o coro anônimo do drama.

José Carlos Mariátegui


Leia também: Bolívia cria a primeira legislação a favor da Mãe Terra

2 comentários:

  1. "10 novas usinas em toda região norte"?? aminguinho, o buraco é bem mais embaixo: http://www.dams-info.org/en (e não estão todas aí: só na bacia do Tapajós seriam 16!! - http://www.prpa.mpf.gov.br/news/2011/indios-kayabi-e-munduruku-anunciam-que-vao-resistir-contra-usinas-no-teles-pires )

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  2. A idéia é se entrou a cabeça. entra o resto. Belo Monte é a cabeça:
    "Mais de 60 grandes barragens estão sendo planejadas na Amazônia brasileira, e países vizinhos – Peru, Bolívia e Colômbia – também possuem seus próprios projetos. Se construídos, estes empreendimentos afetariam a frágil vida aquática e terrestre da Amazônia. Também deslocariam de seus lares dezenas de milhares de índios e povos ribeirinhos." Extraído do site Barragens na Amazônia

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